Organizado pelo Ministério da Cultura, o Projeto Brasiliana USP e a Casa da Cultura Digital, o Simpósio Internacional de Políticas Públicas para Acervos Digitais, aconteceu na cidade de São Paulo, entre os dias 26 e 29 de abril de 2010.
A frase acima, dita pelo coordenador do simpósio Roberto Taddei, explicita bem o propósito do encontro: Não só um evento, mas olhar para o simpósio como um processo para se construir modelos, buscar soluções e criar parâmetros para o desenvolvimento de uma política pública de digitalização de acervos culturais visando a preservação e acesso universal do patrimônio cultural brasileiro.
Em uma pesquisa encomendada a Fli Multimídia pelo MinC e pela Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), envolvendo 14 instituições, entre elas a Biblioteca Nacional, a Cinemateca de São Paulo, a Funarte, o Iphan; revelou-se que 90% dos acervos digitalizados já podem ser acessados pela internet por qualquer usuário por meio dos sites, embora ainda em interfaces pouco intuitivas e de difícil navegação; e 70% dos acervos digitalizados só não estão disponíveis na internet por restrições de direito autoral. Todos realizam a digitalização de seus acervos sem utilizar padrões e formatos de digitalização comuns, subaproveitando as tecnologias existentes, e com pouco intercâmbio de experiências.
Portanto, discutir a digitalização de acervos, implica diretamente em refletir sobre os limites impostos pela atual legislação do direito autoral em relação às novas tecnologias, assim como os caminhos para a formação de uma rede efetiva entre as instituições e os projetos já existentes e o desenvolvimento de tecnologia adequada.
Abordarei aqui um pouco do que ocorreu nos quatro dias do Simpósio e as questões principais expostas e discutidas pelas seis mesas que o compuseram.
Pode-se encontrar uma cobertura completa com textos, imagens e vídeos no site: s://culturadigital.br/simposioacervosdigitais/ . Além das mesas, houve também apresentações dos grupos de trabalho (GTs) sobre as multimídias envolvidas nos processos de digitalização (áudio, vídeo, texto e imagem) e também sobre direito autoral que não abordarei aqui, mas cujos blogs podem ser acessados também no site do Simpósio e no site s://culturadigital.br/.
1°dia- Abertura
No dia de abertura do Simpósio, um ônibus-biblioteca de 1928 equipado com cinco leitores de e-books marcou o lançamento de quinze livros digitalizados de Vinícius de Moraes disponíveis para consulta no site da Brasiliana USP. À noite, no Teatro da Memória, ocorreu o lançamento do livro “István Jancsó – Um historiador do Brasil” – historiador de referência na USP e idealizador do Projeto Brasiliana, e a palestra inaugural do Professor da Faculdade de Direito de Lisboa, membro da Comissão de Especialistas de Direito de Autor da Comunidade Européia e Presidente da Associação Portuguesa de Direito Intelectual: José de Oliveira Ascensão.
O professor foi o primeiro a tocar num ponto crucial que envolveu depois quase todas as discussões: um projeto de digitalização é preservação, mas é também e principalmente forma de acesso. Desse ponto de vista, hoje temos uma tensão entre o direito à cultura e o monopólio que abafa a cultura. Para Ascenção ou o direito autoral é um direito da cultura ou é um privilégio econômico. Hoje o direito autoral está desmedidamente ampliado e serve para proteger tudo que envolva dinheiro, até programas de computador. Portanto hoje o direito de autor é essencialmente o direito de empresas e mercadoria. Isso é comprovado quando o direito autoral passa a ser parte das discussões da OMC (Organização Mundial do Comércio). O professor destaca que quando se há iniciativas interessantes é sempre escapando ou fora da lei de direito autoral. Concluiu sua exposição dizendo que a cultura não é só criação cultural, mas também diálogo, acesso, difusão e conhecimento, portanto é exigência da cultura ser livre.
2° dia – Grandes Projetos de Digitalização e Direito à Cultura – Acesso Qualificado
Mesa 1 – Grandes Projetos de Digitalização com Mathias Schindler (Wikimedia Foundation/ Alemanha), Frederic Martin (Gallica/ França) e Pedro Puntoni (Brasiliana USP/ Brasil)
A mesa se iniciou com Schindler expondo sobre a Wikimedia Foundation cuja missão é apoiar projetos educacionais com licenças livres, incluindo a Wikipedia (enciclopédia colaborativa), a Wikisource – conjuntos de textos em domínio publico e a Wikimedia Commons (6 milhões de arquivos com licença aberta). Schindler expôs um pouco o mecanismo de alimentação e sustentabilidade do projeto, citando o caso de quando a German Federal Archive Project doou 100.000 imagens para a Wikimedia Commons e quando o Google doou 2 milhões de dólares para a Wikipedia que funciona a partir de doações. Dividiu conosco que a Alemanha também está na discussão sobre a formação da Biblioteca Digital Alemã, que pretende se tornar a contribuição do país para a Europeana (biblioteca digital européia) e finalizou com uma frase que todo mundo já imaginava, mas não assumia: “A Wikipedia é um lugar fantástico para começar uma pesquisa, mas péssimo para finalizá-la. Você deve olhar os links, que autores escreverem sobre aquele assunto, e continuar a pesquisa.” Para ele “É este sentido de ponto de partida que norteia o trabalho das grandes experiências de digitalização pelo mundo”. s://wikimedia.de/
A mesa seguiu com Frederic Martin que nos contou sobre o projeto Gallica – a oferta digital da Biblioteca Nacional da França. O projeto teve inicio em 1989 e hoje já conta por volta de um milhão de documentos disponíveis, num incrível numero de 100 mil volumes digitalizados por ano para alimentar sua coleção que se divide em quatro grandes bancos: Domínio publico (da Biblioteca Nacional e outras bibliotecas) e direito autoral (editoras e textos científicos); alcançando números como: 163 mil livros, 9.800 mapas, 123 mil imagens, 730 mil jornais e 2.500 partituras. Com o Ano da França no Brasil, em 2009, foi firmado um acordo entre a Gallica e a Fundação Biblioteca Nacional Brasileira para troca de metadados e da interface da Gallica para português, disponibilizando 1000 documentos digitalizados em ambos os sites. s://gallica.bnf.fr/ e s://bndigital.bn.br/
Para terminar a mesa Pedro Luís Puntoni, coordenador do Brasiliana USP, expôs o histórico e os planos desse grande projeto brasileiro. Em 1999 Guita e José Mindlin decidiram doar para a USP toda sua biblioteca brasiliana. Em 2002 István Jancsó assumiu a direção do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) que também possuía uma coleção e surgiu o projeto Brasiliana USP tendo em vista a preservação e a difusão da cultura brasileira. Em 2006 foi assinado termo de doação e com o apoio do MinC e Petrobras, iniciaram-se as obras em 2007.
Os planos são que em janeiro de 2012 seja inaugurado o prédio-sede da biblioteca, onde haverá cursos e centros de debates sobre a questão dos acervos digitais. O prédio vai abrigar além da biblioteca, um auditório, um centro de exposições, o acervo do IEB, salas de aula, centro de restauro e conservação do livro, e o laboratório da Brasiliana digital. Assim como a Biblioteca, a Brasiliana digital pretende se tornar um modelo de repositório digital, sustentável, eficiente e compartilhado. Para isso há que se fazer um projeto de digitalização bem estruturado para definir métodos, padrões e atingir um crescimento rápido, visando sempre a preservação dos materiais e acesso nacional e internacional.
Nesse sentido, para Puntoni, também se trata de um projeto de pesquisa em ciência da informação e isso reflete na adequação da tecnologia escolhida de acordo com o propósito e qualidade do acervo, como por exemplo, a decisão por um scaner robotizado que não corta a encadernação dos livros, já que se trata de exemplares raros. Reflete também em princípios que norteiam decisões técnicas e conceituais como: organizar de forma simples o conteúdo para que qualquer usuário possa fazer a consulta online; incluir textos de apresentação, descrição e imagens junto com o material digitalizado; adesão aos princípios de open source – código aberto, software livre – para que qualquer um possa conhecer e reproduzir essa experiência, tornando-se um modelo útil. Em pergunta da platéia relacionada a como eles lidam com o direito autoral, Puntoni explicou que junto de cada arquivo há também o direito da obra (domínio publico, cedido pela família, etc.) e junto com isso há um manual de orientações para uso: “Pedimos para respeitar, citar fonte, não fazer uso comercial”. Afinal é preciso também colocar essa obrigação moral na mão do usuário, é possível confiar no bom senso das pessoas. s://www.brasiliana.usp.br/
Mesa 2 – Direito à Cultura – Acesso Qualificado com Jean-Claude Guedon (Universidade de Montreal/ Canadá), José Murilo Jr. (Gerência de Cultura Digital do Ministério da Cultura/ Brasil), Evelin Heidel (Bibliofyl/ Argentina), Pablo Ortellado (GPOPAI-USP/Brasil)
Iniciada pelo professor Guedon dizendo que para se pensar o mundo em rede, é necessário interligar três sociologias: pessoas – documentos – máquinas. “Quando se cria links entre eles tem-se um novo significado. É uma nova perspectiva sociológica.” Pois os documentos não vivem sem pessoas em volta e ao mesmo tempo é necessário que máquinas consigam conversar com maquinas, afinal documentos que não podem ser lidos por máquinas estão natimortos. Com isso nos deixou duas perguntas: Como vamos preservar esses documentos no mundo digital e como fazer para que pessoas se aproximem desses documentos e acervos digitais? A mesa seguiu- se com José Murilo confirmando tal tese ao deixar claro que para o MinC e para o Cultura Digital: “É fundamental articular e integrar iniciativas de digitalização como a Funarte e a Cinemateca. É isso que prevê o Protocolo Aberto e Distribuído para Acervos Digitais.
Além disso, grande parte dos arquivos digitalizados por instituições públicas brasileiras estão disponibilizados em formatos privados como jpeg, tiff, mpeg 4, avi e pdf. Portanto, como garantir a disponibilização desses conteúdos gratuitamente, da maneira como é feita hoje, daqui 20 anos? Que tipo de arquivo e tecnologia seria a ideal? Não dá para falar de acesso e democratização e não pensar no uso de software livre, código fonte aberto, onde podemos construir não só informação, mas as ferramentas para disponibilizá-las juntos, pois quando usamos essas plataformas privadas não temos autonomia, e como defendeu Murilo: “Quem disse que os dez primeiros resultados do Google são os mais relevantes para minha pesquisa?”. s://culturadigital.br/desenvolvimento/
Evelin Heidel é moderadora da BiblioFyL, biblioteca digital criada pelos alunos da Faculdade de Letras e Filosofia da Universidade de Buenos Aires na qual está reunida a maioria dos textos obrigatórios e opcionais das nove matérias que são estudadas lá. O endereço foi tirado do ar devido a problemas com as leis de direitos autorais locais, obrigando seus administradores a mudar o país do servidor para manter o projeto. Para Heidel: “É uma experiência de estudantes organizados em torno de problemáticas concretas de acesso ao conhecimento, que lidam com obstáculos legais e até oposição de professores para concretizar esse projeto. Serviu também para questionar a idéia, que a internet é livre. A Europa está vivendo um processo de criminalização da internet, com a Lei Hadopi na França e a colaboração dos provedores de acesso a internet que entregam dados de usuários em vários países. Algo deve ser feito”. s://www.bibliofyl.com/BBF/
(continua…)
Na 2ª parte do texto o 3° e 4° dia do Simpósio Internacional de Políticas Públicas para Acervos Digitais: Preservação (patrimônio cultural) / Direitos de Autor e Diversidade Cultural / Sustentabilidade para Ações de Digitalização / Políticas Públicas – Por um Plano Nacional.
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