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2011, uma odisseia cultural

Época de eleição é sempre bom motivo para fazer um balanço sobre as políticas de cultura. E assim tem sido há pelo menos três eleições, sobretudo a memorável eleição de Lula para o primeiro mandato. Como forma de representar as demandas reunidas naquela época publicamos o manifesto “1% para a cultura”, que influenciou tanto os programas de governos de alguns presidenciáveis, quanto o primeiro momento da gestão Gilberto Gil.

Por conta do saudosismo e da vontade incessante de aprimorar a relação entre Estado, cultura, mercado e sociedade, sentimos a necessidade de retomar este debate. Fabio Maciel, presidente do Instituto Pensarte, Ricardo Albuquerque e Px Silveira, vice-presidentes, chegaram a mim no início deste ano, com uma provocação ainda mais interessante: discutir esses temas junto com todas as redes culturais, formada por artistas, articuladores, agentes e gestores de todo o país.

São reivindicações para todos os indivíduos, que pressupõem a ampla participação cidadã. Queremos mudar, antes de qualquer coisa, a nossa atitude em relação à cultura. E alcançar, a partir da ação conjunta, articulada, um novo patamar para a cultura na sociedade.

Partimos do cidadão para alcançar um Estado desejável, ciente da importância das políticas culturais para o desenvolvimento humano e sustentável. Rascunhamos 12 pontos interdependentes de valorização da agenda cultural, com objetivo de influenciar positiva e concreta e diretamente a vida de todos. E queremos discuti-los com você leitor, cidadão, partícipe dos movimentos e redes culturais do Brasil:

1. Memória. Cultivar a memória é um ato de cidadania. Conhecer o passado, a partir de diversos pontos de vista, é um direito de todos nós. E também um dever. O Estado deve valorizar todas as formas de preservação e memória, tornando-a viva e presente em nosso cotidiano, auxiliando na constituição de um novo mito fundador, pertencente ao conjunto da população brasileira.

2. Identidade. A identidade é um direito inerente ao cidadão. A ele cabe a autonomia e o livre arbítrio, necessários para cultivar e desenvolver a sua própria identidade, de acordo com os mais diversos elementos culturais produzidos pela humanidade. O Estado deve garantir acesso a todas as culturas e suas manifestações. E deve preservar os grupos culturais autóctones, promovendo sua cultura e protegendo-a dos efeitos da pós-modernidade.

3. Educação. Devemos encorajar as práticas culturais no processo de aprendizado e formação do indivíduo, reforçando tanto a dimensão cultural da educação quanto a função educativa da cultura. A escola é um espaço público, de natureza cultural, pertencente à comunidade. Apropriar-se desse espaço é direito e dever do cidadão e do Estado. A partir daí, devemos ressignificar o conceito de desenvolvimento, a partir dos aspectos culturais.

4. Cidadania. Participar da vida política da sociedade é um ato cultural. O Estado deve ser estimulador, garantidor e regulador dessa participação. Não basta ter direito à informação e à arte. É preciso garantir o multiprotagonismo e cidadania plena, com enfoque na cidadania cultural.

5. Diversidade. A celebração de outras culturas, olhares, crenças, modos de vida e realidades diferentes dos nossos é fundamental para o processo de formação do indivíduo, para a compreensão do mundo e a manutenção da paz. O cidadão deve buscar canais de informação alternativos e diversos. O Estado deve garantir a manutenção desses canais.

6. Diálogo. A verdade está escondida por trás dos processos de mediação social, sobretudo das indústrias culturais, como televisão, rádio, jornais, cinema e internet. Cabe ao cidadão a busca incessante da verdade. Ao Estado cabe garantir o controle social da informação e a regulação dos mercados de mídia, com o objetivo de garantir a constituição de um imaginário diverso e livre de domínios, controles privados e governamentais.

7. Infraestrutura. Devemos criar, ativar e promover espaços de convivência cultural. Escolas, bibliotecas, teatros, telecentros, centros culturais, praças públicas, são espaços coletivos de natureza cultural e devem ser ocupados pelo cidadão, geridos pelas comunidades, reconhecidos, estimulados e financiados pelo Estado.

8. Acesso. Devemos ter acesso irrestrito ao conhecimento produzido pela humanidade. Este aceso pode ser facilitado por cada um de nós e deve ser incentivado pelo Estado, sobretudo aos que detém dificuldades impostas pela condição econômica ou por dificuldade de locomoção ou acessibilidade.

9. Orçamento. O consumo responsável é arma essencial para o desenvolvimento sustentável. Consumir cultura é uma das maneiras de financiar o setor cultural. O Estado deve financiar quem faz cultura. Fomentar a pesquisa e as atividades de base, incentivar o empreendedorismo e dar crédito facilitado e barato para a indústria cultural. O PEC 150 é um avanço mínimo e urgente.

10. Mercado. O comportamento cultural das pessoas dita os rumos do mercado.  O desenvolvimento do setor cultural é fator fundamental para a inserção de novos protagonistas no sistema econômico.

11. Arte. Arte é algo inerente a todos os cidadãos. Devemos encorajar a nós mesmos, nossos filhos, amigos e familiares a desenvolver atividades artísticas, desenvolvendo as mais diversas linguagens, técnicas e formas de expressão. O Estado deve financiar a pesquisa e o desenvolvimento da arte na sociedade.

12. Futuro. A atividade cultural é transformadora. Só a partir dela podemos alterar as rotas e caminhos individuais, de uma realidade social ou de toda uma civilização. Um futuro baseado na convivência pacífica e sustentabilidade depende da garantia dos direitos e liberdades culturais e de acesso econômico e cultural.

Leonardo Brant

Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

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  • Olá! Parabenizo a iniciativa, concordo com os 12 tópicos apresentados, precisamos levar a cultura a sério só assim teremos um país melhor, sinto que falta atitude do governo, setor privado e dos produtores culturais. Há uns anos atrás, fiz um curso em Cuba, e numa conversa informal com um produtor argentino e outro colombiano escutei a seguinte frase: O problema da falta de união entre os produtores é que quando um atinge o topo, derruba a escada para que mais ninguém suba! Temos que deixar a vaidade de lado e por um momento falarmos a mesma língua e lutarmos pelos mesmos objetivos, só assim teremos uma indústria cultural forte.

  • Ótimos tópicos para a cultura em um plano de governo.
    Complementando a resposta da Débora: ninguém percebe que quanto mais pessoas estiverem no topo, mais teremos como subir. Ao invés de derrubarmos os outros, temos que criar bases para que todos cresçam, e com isso nós mesmos cresceremos mais!
    Isso acontece com tudo, É o princípio do live mercado, ou da concorrência, que faz com que os mercados mais competitivos sejam os que mais crescem, mais recebem investimentos e mais obtem sucesso.
    Abs,
    QUIM Alcantara sss://quim.com.br

  • Leonardo,

    As questões colocadas por você são bastante pertinentes. Ocorre que na medida em que estes temas começar a ressoar ou a reverberar junto a opinião pública, todos os candidatos poderão se apropriar deles.

    Assim foi com a reforma agrária, agora com a educação e a saúde. Também com os temas ligados a segurança pública, conforme aumenta a insegurança da população.

    Mas, como afirmei em outros momentos, na prática é outra coisa.

    Da parte da equipe gestora ligada ao MINC, a qual tem em alguns de seus quadros, pessoas ligadas ao PV, PT E PC do B e que apóiam Dilma em maioria e Marina em minoria, reconheço que muito foi feito nos termos escritos por você.

    Mesmo que, "se muito vale o já feito, mas vale o que será" como nos recorda Milton Nascimento.

    Do candidadato do PSDB, acredito que muito pouco pode ser mostrado, nos termos apresentados pelo texto da sua autoria.

    Por último, solicito da equipe de cultura e mercado, dentro do possivel, um levantamento sobre como está as votações referentes ao marco legal da cultura no congresso nacional. Já escrevi sobre isso no overmundo ( sss://www.overmundo.com.br/overblog/camara-marca... , mas já me perguntaram sobre a tramitação de algumas das leis que estiveram em destaque no ano de 2009 e não pude responder.

    Abraço,

    "E vamos lá fazer o que será" (Gonzaguinha)

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