Na gestão Lula, o Ministério da Cultura só intensificou a tradicional política de balcão, que prometeu acabar. O novo ministro cede aos interesses dos grandes e investe numa nova clientela, representantes das populações mais pobres, que nunca tiveram acesso ao financiamento cultural. Enquanto isso, a classe média da cultura definha e agoniza.
A valorização dos saberes e fazeres do Brasil profundo é indispensável para qualquer projeto de desenvolvimento. Incluir essa nova clientela ao balcão do MinC é, sem dúvida, algo que devemos comemorar. O que não concordo é a maneira com que o governo faz isso. Os benefícios não são unversalizados, como no bolsa-família, que considero uma política de emergência e importantíssima para o país. Apenas uma ínfima parcela dos promotores de cultura popular tem acesso aos benefícios.
O governo privilegia aqueles grupos mais preparados para enfrentar a burocracia estatal, já que não há nenhuma novidade na relação entre Estado e sociedade civil. Ou acaba os punindo, por não se adequarem à burocracia, como é o caso dos inúmeros pontos de cultura que sofrem com os já conhecidos problemas de gestão do MinC.
Embora os editais pareçam mais democráticos, eles apenas disfarçam os critérios de escolha de projetos, pouco transparentes, com o poder decisório nas mãos da esfera governamental. Uma sofisticação do velho clientelismo do Estado brasileiro.
O governo não tem ideia de como ativar economicamente os grupos populares por ele atendidos. Por enquanto, o interesse é empurrar com a barriga, deixar a solução para a próxima gestão. Ou correr o risco de ver tudo se perder nas mãos da oposição.
Fiz uma conta de padeiro, somando todos os prêmios, pessoas e organizações beneficiadas com os editais voltados às populações menos privilegiadas, como pontos de cultura e editais da secretaria da identidade e o Mais Cultura. Nos 7 anos de gestão do governo Lula, essa clientela não chega a 5 mil benefícios. No mesmo período o mecenato (modalidade da Lei Rouanet que envolve o investimento privado) atendeu 10 vezes mais projetos.
Os dados não são precisos, eu sei. Mas aí está o problema. Não temos dados precisos. Eles são manipulados de maneira vergonhosa pelo Ministério da Cultura. Na coletiva de imprensa para anunciar o projeto do Procultura, que não está disponível para os cidadãos, apenas para o José Sarney, o ministro nos disse que 95% do dinheiro investido pelas empresas em cultura é de origem pública e apenas 5% é privado. Acredito que uma pesquisa séria apontaria outra realidade.
Se levarmos em conta o investimento de todos os artistas em suas carreiras, grupos e companhias, o financiamento de empresas de mídia e entretenimento, os patrocínios, todos esses dados não levantados extrapolariam e muito o ínfimo e vergonhoso investimento estatal na área cultural.
O Ministério também não sabe dizer quantas empresas passaram a investir em cultura de forma estratégica, ampliando investimentos e colocando dinheiro do bolso para ações culturais ou promocionais que envolvam cultura. Quero lembrar que muitos artistas mantém pesquisas e projetos artísticos com o dinheiro provindo do mercado. Posso citar inúmeros exemplos disso.
Ou seja, desconhece os reais efeitos, positivos e negativos, do mecenato para o Brasil. Temos muitos artistas descontentes com os rumos do mecenato e com as dificuldades que os vícios do mercado gerou para os artistas. Eu sou um crítico histórico dos efeitos perversos da Lei Rouanet, mas não posso deixar de avaliar os reais impactos desse instrumento para a sociedade brasileira.
Utilizar as críticas para eliminar a única forma por enquanto existente para financiar o produtor médio de cultura no Brasil é um ato insano, que atenta contra os direitos culturais adquiridos pela sociedade brasileira, que devem ser ampliados. Quero lembrar que 65% dos projetos financiados pelo mecenato são de até R$ 150 mil.
Depois da derrocada do projeto da Ancinav, o Ministéiro só tem ampliado os benefícios das majors, empresas internacionais de entretenimento, que ampliam sua presença do mercado, antes restrita apenas à distribuição e exibição, para a co-produção com dinheiro público. Enquanto pretende eliminar os direitos da classe média, o Ministério concede mais e mais benefícios para o topo da pirâmide.
Mas o que tem de errado com a classe média? Ela é menos homogênea, mais difícil de ser cooptada. Ela grita, incomoda, combate, reclama, conscientiza e garante a liberdade de expressão necessária para a consolidação do Estado Democrático de Direito. E faz a vida de gestores populistas mais difícil.
Embora aponte para os privilegiados, ou para a elite cultural do país, o MinC com seu Procultura atinge em cheio a classe média.
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"Mas o que tem de errado com a classe média? Ela é menos homogênea, mais difícil de ser cooptada".
siceramente Leonardo acho que não.
A classe media foi a principal vitima do mercado, sobretudo a juventude media, que mal tinha entrado no mercado de trabalho e já estava la o conceito homogenizador da cultura "TEEN" para socar bugingangas modernozas na gente.
Sou um tipico cidadão medio, e sei quanto me custou ter que passar por esta cabeça de agulha imposta pelas modas do mercado direcionado a classe media.
Ainda engolimos o mito criado pelo mercado de que "classes sociais" definem qualidade artistica,e isso mostra o grau de pertubação que esta pedagogia de dominação nos socou.
Leonardo, no dia em que a classe média for autora de uma revisão global, ela seguramente verá indícios de uma classe média póstuma que era romanceada como exemplar para as classes dominantes, pois sua classificação ficou ali nos gráficos de consumo, e não no cerne do pensamento crítico ou, ao menos, temperado. O melancólico texto saído do mediano global tem a mesma receita de um big-mec. Seguramente foi a classe média que mais levou ao pé da letra a TEORIA DO MEDALHÃO de Machado de Assis, principalmente na participação intelctual que alertava: não pense o que já foi pensado, empacotado... E jamais ultrapasse os limites da vulgaridade.
somos nós, os medianos, a edição mais flagrante de "AS VÍTIMAS-ALGOZES".
que belo artigo: limpo, claro e super bem posicionado. Alem de tudo, é corajoso, pois esse assunto, em geral, é tratado com palavraedo cheio de suterfúgios e dedos. Parabéns, Leonardo.
Sou artista plástica, formada em Artes Visuais e não ganho dinheiro fazendo arte, como todos dizem por aí, fazer arte não é trabalho nem mesmo profissão.
E agora porque sou da classe média estou perdendo o direito de receber incentivo do governo, ou seja, uma das poucas chances de ser remunerada pelo que faço. Também já pensei nisso, o que há de errado com a Classe média, não temos direito de fazer arte? Ou temos que ter outra profissão para sustentar nossa arte?
Desta forma, torna-se sem graça ser artista. Terei que ser bancária ou outra coisa para me sustentar e paralelamente fazer arte gratuita levando para a sociedade sem receber nada em troca por isso?
Caro senhor
Entendendo-se que são membros da classe média os produtores de formas de cultura que não entram no chamado "show business", i.e., livros não de vulgarização ou de auto-ajuda, discos que não sejam ou de artistas consagrados ou de obras já mil vezes gravadas, filmes que não se destinem a priori ao grande público, etc, sem dúvida o autor do artigo está correto: a classe média é a massacrada pelo novo clientelismo. O mais incrível dessa política é que ela se desenvolve quando se declara que o país entrou, internacionalmente, em um patamar de mais alto reconhecimento. Como esse reconhecimento pode se consolidar sem que o Brasil se faça representar em simpósios dedicados a tais produtos não massificados? Minha última formulação glosa comentário recebido de uma "star" do cenário cultural norte-americano. Perguntava ele: como se explica que o Brasil não esteja integrado no grande fluxo cultural europeu-norte-americano, quando os que conhecem alguns de seus produtores (intelectuais) sabem de sua qualidade?
Atenciosamente
Luiz Costa Lima
Leonardo
Se a cucaraccia elite branca é um cacoete cultural das elites brancas ocidentais e a classe media é a cópia pirata desse pensamento "espantalho de taier", qual a saída que não o inevitável fortalecimento da única e infinitamente maior parcela da sociedade que dá verdadeiramente gosto no prato cultural deste país?
A arte brasileira historicamente só foi respeitada dentro e fora do país quando, em seu valor agregado, estava o selo das classes menos favorecidas economicamente e só economicamente, porque elas não consomem e, consequentemente não produzem o modelo cover que as tais classes dominante e média consomem produzem.
As classes deserdadas economicamente são bem mais ricamente criativas. Toda essa bobagem de dizer que a população pobre do Brasil é massa de manobra é um clichê das classes que nascem e morrem envolvidas pelo arcabouço prisional.
Esta é a hora de largar o corrimão de pinho de riga que aqui chegou com os colonizadores para subir as escadarias globais que os méritos artísticos extraídos da nossa riqueza natural vindos das culturas da sociedade que em sua base nos conferiu uma robusta soberania.
A classe média, Leonardo, porque não existe verdadeiramente uma classe artística média, uma invenção do mercado, e sim arte brasileira com impressionante capacidade de fundir épocas e estéticas de nuance racial fantástica contida no seio dos nossos sentimentos que pode ser ou não explorada por nós. Os brasileiros não preconceituosos sabem beber desse néctar. O cidadão médio que ainda está no woodstock de abadá já está migrando depois de uma chuveirada e um café forte para um Brasil mais perto de sua memória afetiva. A Lapa e São Luiz do Paraitinga nos dão um claro de retorno ao futuro.
Pensar em financiamento cultural que privilegia esta ou aquela classe, a meu ver, é uma postura preconceituosa. Creio que a arte (música, dança, artes dramáticas, artes plásticas, artesanato etc.) devem ser visualizadas e financiadas pela ótica da qualidade, independentemente da região, bairro, etnia ou grau de escolaridade do artista. Talvez a "classe média" não esteja produzindo nada de fato culturalmente interessante ou talvez achem que o que não for produzido em seu seio social médio tenha menos valor, o que é uma postura perigosamente arrogante e egoísta. O empresariado brasileiro está longe de abraçar a idéia da filantropia e mecenato espontâneos. Sobra para as empresas estatais, algumas de capital misto, a tarefa nada fácil de fomentar as várias vertentes culturais em um país de imensa dimensão territorial e enorme diversidade cultural.
Arte não é para o povo. O povo é ignorante demais para isto. Os governos fazem com que o povo continue ignorante, perseguindo assim seus interesse de controle e coercição. A arte nunca será para o povo neste mundo, pois o mundo sempre foi, e sempre será assim.
Desafio qualquer um a confuttar esta leitura.
Um artigo muito lúcido e necessário.Apenas um comentário:bater mais na assim chamada 'classe média' (definam o que é isso, por favor) é acatar o populismo perverso que muito recentemente alçou o mencionado José Sarney à categoria de cidadão acima da lei,acobertando uma das maiores falcatruas da história deste país de maneira a tudo ficar como exatamente sempre foi.Em outras palavras, insistir em acoplar a produção artística e cultural brasileira a uma divisão de classes é, através de um marxismo aguado, criar uma cortina de fumaça que mascara a indulgência e incompetência do estado para gerir políticas culturais no presente momento.Não existe e nunca existiu arte ou cultura ( não confundir as duas, por favor, mas isso é outro assunto) cuja qualidade dependa de classe A,B,C,D,E.Associar qualidade artística a classe, etnia ou raça (ainda se fala nisso!) é uma postura preconceituosa (Hilton Assunção)e no mínimo desconhecedora da história.E é preciso não esquecer também que o mecenato via leis de incentivo significa 'renúncia fiscal', sem desembolso das empresas.
Olá amigos, muito interessante a discursão e o discurso, quem na
integra produz cultura nesse Páis é a classe disprivilegiada de tudo,
Enquanto a classe média usurpa da classe baixa vendendo seu produto (funciona como atravessador) no mercado, a classe alta só usurpa desse mercado, recebe o produto cooptaddo pela classe média e não chega sequer conhecer os verdadeiros produtores.
Esses são vitimas? Nào, esses são os verdadeiros vilões.
Não sei em que classe posso me colocar mas, convivo com as duas inferiores e por isso posso observar o comportamento dos dois,
veja o nosso carnaval no que se transformou, o samba de roda no que se transformou, nossa capoeira no que se transformou.
Pode até chamar de evolução se quiser mas, tudo isso é cooptação da cultura do pobre atendendo aos interesse dos mais abastados.
Augusto Januário - Biologo e animador cultural na classe baixa.