No dia Internacional da Mulher, Cultura e Mercado homenageia Cida Herok, que há quase 20 anos realiza um sólido empreendimento com base na produção regional, gerando oportunidades para artistas e investindo na formação de um mercado fora-do-eixo

Como diretora geral da Cida Assessoria de Eventos, sediada em Santa Maria/RS, Maria Aparecida Herok é uma produtora cultural que há muitos anos vem criando e implantando projetos marcados pelo compromisso com o desenvolvimento da cultura gaúcha. Um dos mais importantes é o Lâmpada Mágica, que desde 2000 leva montagens teatrais gaúchas pelo interior do estado com preços populares, revertendo a bilheteria para entidades artísticas, e pelo qual Cida Herok já foi reconhecida com alguns prêmios. Nesta semana, começaram as Oficinas da Paz, um outro projeto que também promete marcar a cultura do Rio Grande do Sul.

CeM: Como você vê o panorama atual da cultura no RS? Você percebe a implantação de políticas públicas culturais por parte do governo? O que falta para que o setor cultural gaúcho possa se desenvolver ainda mais?

MAH: O empreendedorismo cultural precisa ser cada vez mais entendido e incentivado. Muitas vezes, o artista e o poder público (e nem nós mesmos como produtores e intermediadores) não entendem a sua função. Eu gostaria muito que houvessem cursos de formação nesta área aqui no Estado, que a cultura fosse vista como uma indústria que precisa de agentes e empreendedores para fazer esta conexão entre o criativo e o financiador. Mas não uma indústria de padronização, e sim de respeito à diversidade, mas entendendo o mecanismo de funcionamento da comunicação e da sedução. Eu acredito que este profissional tem que estar cada vez mais capacitado, e as faculdades de comunicação social precisam se voltar para esta questão, assim como o SEBRAE, SESC, SESI e também o governo em todas as suas instâncias. Este movimento de conscientização e estudo vai ocasionar, certamente, uma alteração na postura dos gestores públicos.

CeM: A Fundacine (Fundação Cinema RS) conseguiu posicionar o RS como um pólo importante para o audiovisual brasileiro, através de uma articulação entre a sociedade civil e o Estado. Em sua visão, esse tipo de iniciativa pode ser uma saída para que esse Estado consiga uma maior projeção dentro do cenário cultural brasileiro?

MAH: Sim, a articulação, formação, discussão e profissionalização são palavras-chave para todos os setores da indústria criativa do Rio Grande do Sul. Na prática, ficamos muito isolados e cada um cuidando da sua empresa ou organização, mas é urgente a articulação dos setores da área cultural destituídos de egos e prevalências, mas efetivamente centrados em produzir resultados. De toda maneira, a projeção gaúcha no cenário cultural brasileiro infelizmente depende de outros fatores, muito mais ligados à forma de operação da indústria cultural, no sentido de atingimento de gostos e interesses voltados à comercialização e sem uma preocupação forte com conteúdo, e para tanto é preciso articular sobremaneira os meios de comunicação para alterar esta lógica. De outro lado, nossa produtora este ano também vai iniciar um novo processo que é de levar para o interior seminários e cursos de formação na área de planejamento e produção cultural, como uma nova contribuição para o desenvolvimento cultural do Estado, sem egoísmo e sem temor de compartilhar e crescer.

CeM: A Cida tem a preocupação de não somente desenvolver a cultura gaúcha, mas também projetá-la nacionalmente?

MAH: Sim, esta é nossa próxima meta – apresentar nossa estrutura ao mercado financiador nacional. Atualmente, estamos em fase de produção do novo CD da Mônica Tomasi, que terá divulgação nacional  – financiado pela Lei  Federal de Incentivo à Cultura e patrocinado pelo Programa Petrobrás. Também buscaremos divulgar nosso know-how no trabalho com pool de cidades, inclusive no sentido de implantação do mesmo estilo de projetos em outros estados, mediante interesse de algum órgão governamental ou de empresa patrocinadora. Já estamos em fase de planejamento para 2007 para ações em parceria com São Paulo, e sempre vamos funcionar como um canal direto para o artista gaúcho.

CeM: Como uma empresa que dentre outras atividades, cria projetos culturais sob medida consegue conciliar os interesses de comunicação do patrocinador com conteúdos realmente relevantes para a cultura gaúcha, e que não sirvam apenas de plataforma para a visibilidade da empresa patrocinadora?

MAH: Acredito muito no direcionamento estratégico e conceitual da produtora. A nossa direção e missão é criar, planejar e executar projetos que venham a contribuir para a difusão e circulação dos artistas do Rio Grande do Sul. E então buscamos empresas que estejam comprometidas também com esta causa. Nossa trajetória tem demonstrado que é possível efetivamente trazer bons resultados para todos os agentes envolvidos, nunca perdendo de vista o mais importante – a comunidade, o público, a platéia.

CeM: A Cida Assessoria de Eventos trabalha há muito tempo com empresas patrocinadoras. No decorrer desses anos, quais diferenças você notou na percepção do empresariado sobre o investimento em projetos culturais?

MAH: Trabalho já há quase 20 anos. No início, a nossa atividade sobrevivia graças às permutas culturais. Ao fazer turnês, conseguia o ônibus e zerava despesas com promotores locais em cada cidade, ficando meu trabalho e o dos artistas remunerado pela bilheteria, ou seja, com risco total. Nesta época, precisava trabalhar com artistas conhecidos do público pela mídia, para obter a repercussão desejada na comercialização de ingressos.

Quando foi criado o Circuito Espetáculos do Sul, dando início à itinerância de espetáculos, tive apoio institucional da Secretaria de Estado da Cultura do RS, mas ainda os artistas viajavam por bilheteria e o público do interior não conhecia o teatro gaúcho, que é de excelente qualidade. Então, nesse tempo, geralmente quem ganhava mais com o nosso trabalho eram os meios de comunicação através de mídia paga. De toda maneira, o publico não comparecia. Com o advento da LIC-RS, conseguimos viabilizar o Circuito com a AES Sul, multinacional que é uma grande parceira em financiar os artistas do RS. Foi quando nosso projeto de circulação foi transformado em “Lâmpada Mágica”, obtendo um histórico fantástico, pois invertemos o processo: a bilheteria é doada e fica na comunidade sediadora do evento, e então as pessoas começaram a conhecer o teatro gaúcho também incentivadas por ingressos a preços populares, a respeitá-lo e principalmente apreciá-lo.

O nosso trabalho cresceu muito com o advento da LIC-RS. A Cida conseguiu se estabelecer como escritório, gerou empregos e atividades para vários profissionais, embora seja uma estrutura atrelada à existência de financiamento através de leis de incentivo. Outro ponto positivo deste processo foi o planejamento a longo prazo, não mais pensando-se patrocínio cultural de maneira pontual e imediatista. Atualmente, as empresas começam a requisitar este plano cultural, mas sempre de acordo com sua verba incentivada. Ainda não temos, no interior e mesmo na capital gaúcha, o aporte de recursos diretos para a cultura advindos do setor de comunicação e marketing, ou mesmo de responsabilidade social, mas sim motivados pela renúncia fiscal. Entretanto, acredito que seja um caminho de aprendizagem, convivência, confiança e amadurecimento recíprocos.

CeM: O “Lâmpada Mágica”, projeto criado por vocês, realizou no ano passado 64 apresentações de espetáculos teatrais em mais de 30 cidades que ficam mais distantes do acesso à cultura. Pode-se falar em cenas culturais locais para essas comunidades ou elas estão muito dependentes de iniciativas externas?

MAH: As cidades desenvolvem suas próprias iniciativas culturais sim, independente do nosso projeto. Muitas delas, no mundo específico do teatro, possuem companhias privadas amadoras, mostras competitivas e mesmo espaços de apresentação. Mas todos enfrentam o problema do reconhecimento pelo público local, o que passou a ser facilitado pela operação de ingressos populares e a reversão de bilheteria para iniciativas artísticas deles próprios. Esta motivação extra do estar presente aos espetáculos foi criando uma convicção de que o teatro gaúcho é interessante, envolvente, meritório. Além disso, o Lâmpada Mágica contribuiu para  que esses agentes locais se profissionalizassem e criassem também seus próprios e mais abrangentes projetos. Demonstramos na prática todo o fluxo de atribuições e cuidados com detalhes para produzir a cultura com qualidade. Além disso, o Lâmpada sempre se faz acompanhar de oficinas gratuitas de teatro, para fomentar o aprimoramento criativo das comunidades e produzir continuidade independente da nossa ação.

Há inúmeros e bons casos pra citar, como a retomada do teatro municipal na cidade de Rosário do Sul. No início do projeto, ele ainda desativado para funcionamento de uma câmara de vereadores e gradativamente foi evidenciado como indispensável espaço cultural da região. Hoje está em processo de finalização de reforma para retomada exclusiva para as artes. Nosso papel é de despertar as consciências: do público para o teatro gaúcho, dos artistas locais para a reciclagem permanente, dos agentes governamentais para o melhor atendimento à questão cultural e do patrocinador para a relevância social do financiamento ao artista local.

CeM: Conte-nos um pouco sobre o Oficinas da Paz: como o projeto nasceu, a que se propõe e como está sendo possível realizá-lo.

MAH: Esta ação nasceu após um convite do Secretário de Estado da Cultura do RS, Roque Jacoby, para que realizássemos um projeto para a unidade governamental através da LIC-RS para ser inserido no projeto Escola Aberta (significando abertura de escolas públicas nos finais de semana para atividades adicionais com estudantes, pais e comunidade, com vistas à boa canalização da energia para fins não violentos). Isto foi em 2004, dentro de uma expectativa de patrocínio de uma estatal. Pensei bastante, fui conhecer o projeto e senti que, para contribuirmos com esse processo, não deveria ser uma iniciativa de espetáculos, mas sim de oficinas e treinamentos a médio e longo prazos, onde as pessoas envolvidas teriam acesso à arte e seriam partícipes da aprendizagem, ou seja, iriam se relacionar diferente com as artes e entendê-las como importantes neste resgate de crianças e jovens em situação de risco. Então, pensamos no formato e criamos o conceito. Obtivemos aprovação de mérito pelo Conselho Estadual da Cultura do RS em 2004, mas ao mesmo tempo foi inviabilizado o potencial patrocinador até então apresentado. Agora em 2005, acreditando na idéia, readequamos o projeto e apresentamos para a AES Sul, dentro do Programa Cultural 2006, e tivemos mais um sim da empresa, já engajada nesta perspectiva de trabalho e resíduo de conhecimento e envolvimento comunitário.

CeM: Como foi o processo de seleção dos oficineiros?

MAH: Temos excelentes profissionais no RS, com notáveis currículos e espírito de compartilhamento. Procuramos apoio da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, através do projeto de Descentralização da Cultura, dos Institutos Estaduais da própria Sedac, das associações de artistas e começamos a divulgação e o cadastro de oficineiros. Aproveitamos também os pólos, Passo Fundo com a literatura, Santa Maria com a dança e Porto Alegre com o teatro, afora várias outras cidades de origem dos ministrantes, que vão atuar de maneira cruzada. Obtivemos muitas inscrições, e a seleção final deu-se pela existência, em currículo, de trabalho prévio com comunidades carentes, evidenciando a postura do profissional em torno do resgate da cidadania.

CeM: O “Oficinas da Paz” tem como objetivo inicial um trabalho de fomentação de multiplicadores culturais. Como o projeto vem trabalhando para garantir a participação desse público nas oficinas?

MAH: Temos a parceria e o apoio do Projeto Escola Aberta, que vai sediar a totalidade das 120 oficinas em 24 escolas públicas diferentes. O staff desta ação, que já se organiza há vários anos, é o ponto motivador para o alcance de inscritos – preferencialmente professores, que se tornarão os multiplicadores. São pessoas que já trabalham como voluntários e fomentadores, com coordenações locais das instituições de ensino e bastante aptos à conquista de adesões, muito embora as 2.400 vagas estejam abertas para outras pessoas da comunidade interessadas.

CeM: O projeto quer oferecer ferramentas de trabalho que possibilitem o enfrentamento e resolução de conflitos de uma forma não violenta, o que vai de encontro à já notória importância da cultura como meio de expressão e canalizadora de energias. Na prática, como isso acontece no projeto? Quais são essas ferramentas de trabalho?

MAH: Cada oficineiro vai desenvolver sua oficina de acordo com sua percepção do tema “paz” – como o teatro, a literatura, as artes visuais, a música ou a dança podem envolver, encantar, fazer refletir e originar novos comportamentos para as pessoas envolvidas. Foram escolhidos sub-temas, como dança acrobática, expressão corporal e street dance na área da dança, cujo desenvolvimento seja possível mesmo sem conhecimento prévio dos inscritos, e com mais facilidade de reprodução posterior. Abrimos mão de aulas de violino, para inserir construção de instrumentos musicais a partir do lixo justamente tendo este ponto-de-vista – ensinar aquilo que depois possa ser reaplicado sem muita despesa, para não perder a motivação. Para nós, o mais importante é o encontro de pessoas com a arte, o intercâmbio, o contato humano, a reflexão e a troca não só de idéias, mas de expressão. E não vamos nos surpreender se os próprios ministrantes acabarem tendo a mesma ou superior aprendizagem que seus alunos, porque são prismas diferentes que se têm da vida e do futuro, e de como construir este caminho com solidariedade, serenidade e cumplicidade. Vai ser um grande projeto-piloto para muitas atividades que poderão acontecer num futuro próximo em outras localidades.

www.cidadecultura.com.br

André Fonseca


editor

1Comentário

  • Manuel Cambeses Júnior, 9 de março de 2006 @ 22:49 Reply

    Adorei a entrevista com a minha amiga Maria Aparecida Herock.
    Acompanho o trabalho de Cida há muitos anos e admiro-a pela garra, tenacidade e determinação com que conduz suas atividades, sempre em prol da conhecimento, difundindo a cultura artística, notadamente a gaúcha, entre seus conterrâneos.
    Trata-se, realmente, de uma autêntica guerreira brasileira de notável valor, invejável criatividade e excelsas virtudes.
    O povo de Santa Maria tem muito que se orgulhar de sua ilustre conterrânea.
    Desejo à insigne empresária continuados sucessos e grandes realizações.
    Manuel Cambeses Júnior
    “Cidade do Cabo”

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