Acompanho o trabalho de Luciano Trigo desde os tempos do blog Máquina de Escrever, agora no portal G1, da Rede Globo. O jornalista pega na veia de um dos assuntos mais caros, controversos e importantes das sociedades contemporâneas: o lugar da arte numa democracia participativa.
Trigo não deixa de ser propositivo ao fazer uma crítica em sua análise sobre a influência do mercado no cotidiano do artista, sua forma de ver o mundo e se relacionar com a obra, com o Estado e o próprio mercado.
Recebi A grande feira, uma reação ao vale-tudo na arte contemporânea ontem pelo correio, logo após a chuva da tarde. Peguei o metrô e fui a uma loja da Vivo resolver um problema burocrático. A fila da operadora nunca foi tão agradável, assim como o banco do trem, que se tornou local oficial de leitura, desde que abandonei o carro, há mais de dois anos.
Estou agarrado ao livro desde então e, mesmo sem terminar de lê-lo, já o classifico como obra cabeceira. Tenho vontade de reler trechos antes de devorá-lo por inteiro. Parece um bom vinho, ou uma boa cachaça, que desejamos degustar, deixar solto na boca antes de engolir.
Chegando em casa anotei uma série de discussões possíveis sobre A grande feira, que sai pela editora Civilização Brasileira, obra mais do que oportuna para os debates incansáveis sobre políticas culturais, mercado, Estado e a arte contemporânea que promovemos aqui.
Deixo a primeira delas para discutirmos:
“Raras vezes na história a discussão sobre a produção artística foi tão inócua e rala – fenômeno que vem sendo debatido nos Estados Unidos e na Europa já há alguns anos, mas que no Brasil ainda é tabu. Por isso mesmo, parece mais do que necessária a atualização do debate sobre o estado da arte contemporânea, no Brasil e no mundo, sobre o papel dos museus e galerias, sobre as dinâmicas de mercado, sobre o lugar e a função que o artista pode ou deve assumir dentro de uma sociedade politicamente democrática, mas crescentemente baseada no consumo e na redução de todas as esferas da vida à economia.”
A Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo abriu uma…
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) lançou a página Aldir Blanc Patrimônio,…
Estão abertas, até 5 de maio, as inscrições para a Seleção TV Brasil. A iniciativa…
Estão abertas, até 30 de abril, as inscrições para o edital edital Transformando Energia em Cultura,…
Na noite de ontem (20), em votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) no Congresso…
A Fundação Nacional de Artes - Funarte está com inscrições abertas para duas chamadas do…
View Comments
Já instigou a curiosidade de ler o livro, Leo!
Mas puxando a brasa pra minha sardinha... Quando falamos em debater o papel dos museus, não só em relação à arte contemporânea, mas em relação às novas mídias, ao novo público, à nova disponibilidade de tempo, à nova velocidade da informação... Caramba! Me arrepio.
Como sabe, eu sou museóloga e não vejo um movimento sério e profundo de discussão sobre o papel dos museus neste novo mundo "líquido" para usar uma expressão de um autor que gosto demais, o Baumann. Existem Seminários e Congressos que têm sido feitos com este apelo no tema e em algumas palestras, mas quando vemos quem são os palestrantes, são os mesmos caras que discutiam o papel do museu há 20 anos atrás quando eu estava na faculdade e que não saíram dos seus gabinetes este tempo todo. Sempre as mesmas figurinhas e um discurso datadíssimo.
É assustador o silêncio dos museólogos, o vácuo existente na área. Não há reflexão, não há debate. Nem engatinhamos, nos arrastamos. Ficamos nós, musealizados no pior sentido da expressão.
Faço o mea culpa e me incluo entre os que deveriam ou poderiam contribuir para uma reflexão mais profunda, dinâmica e atualizada para a área.
E deixo aqui uma provocação: afinal, servirão os museus para algo além de guarda e conservação neste novo tempo e espaço em que vivemos?
os museus pelo mundo viraram entretenimento, as exposições ampliaram seus públicos e recebem legiões de interessados, são como as catedrais de antigamente, todo mundo quer visitar. por aqui já temos algumas iniciativas semelhantes e recentemente no rio, vic muniz produziu prodígio. de toda maneira o mam continua um lugar muito mal cuidado com seu em torno abandonado. a expo do vic muniz foi grátis. quando o vic vai embora o museu tem o que pra mostrar? aí então cobra ingresso...e ninguém vai...
Trigo aponta a disfunção e a crise de identidade de museus e galerias. E fala de uma crise ética endêmica de todo o sistema da arte contemporânea. O epicentro disso tudo é a própria arte em sua função estética, política e ética nos tempos pós-modernos, ou líquidos, como vc prefere. O livro é provocador e revelador dos processos que influenciam a nossa relação com a arte nos dias de hoje.
O ponto fundamental é que arte se tornou um negócio. Vc mesmo tem uma organização - Brant Associados - para desenvolver negócios com arte e cultura. Bem, em tal caso, de cultura & negócios, a possibilidade de uma "falha", de um "erro" tem que ser descartada, pois o artista tem que, antes de qualquer coisa, se tornar um bom investimento. Não tenho dados atualizados, mas o negócio de arte em geral está ligado à performance da economia como um todo: em 2006 (em pleno boom financeiro e especulativo), o valor total dos negócios com arte chegou a 4,2 bilhões de dólares; em 2009, com a crise econômica mundial, o valor dos negócios com arte caíu 35%. Ora, se esse universo é tão sensível às oscilações do mercado global, a arte também se tornou uma espécie de commodity. Então, sentimentalismo fora, é um terreno aberto á especulação. Vejamos o caso dos novos "gênios de 23 anos", como alguns novos artistas foram alguma vez classificados - (o caso mais comum é a da chamada Bowery School): especuladores estão comprando trabalhos de jovens artistas, com a carreira ainda no início, fazendo os preços das obras deles subirem para um preço médio de 80 mil dólares enquanto o preço médio de um jovem artista na década de 90´era de 32 mil dolares.
O negócio da arte encontrou um agente perfeito na figura do curador, um tipo especial de head-hunter, geralmente associado com grandes galerias ou grandes investidores, como Charles Saatchi. O curador tem o papel hoje do "olheiro", que sai procurando novos talentos para o basaquete ou o futebol.
Acho que o Duchamp foi premonitório quando exibiu o urinol - mostrou que todos podemos tranquilamente urinar na arte, para dizer o menos.
É verdade Guido. Basta ser artista ou produtor de cultura para estar atrelado à lógica de mercado. Isso não significa que devemos nos submeter a ela. Trigo comenta a antiga dicotomia de apocalípticos e integrados, prenunciada por Humberto Eco. E propõe uma superação. Não entendo que essa superação venha pela via da abstinência do mercado, mas sim pelo domínio de suas ferramentas especulatórias, fazendo explodir os seus contrastes. Gente como Sebastião Salgado, que sequer considera-se artista, e Christo, conseguem fazer isso com maestria. Existe toda uma produção cinematográfica pela web, igualmente bem-sucedida nesse aspecto. Não quero me defender, nem justificar, mas eu também venho procurando este espaço, só que em outra dimensão.
Bem Leonardo, quanto a "lógica do mercado" de arte, acho que uma boa idéia da sua volatilidade pode ser inferida dos resultados da Art Basel, de Miami, em Dezembro, para onde os compradores de todo mundo viajaram para “pagar o justo” pelo trabalho de artistas contemporâneos e para escapar de blue-chips caros como Jeff Koons:-) Agora, enquanto muitos colecionadores do mundo inteiro estão reduzindo seus gastos com a arte, os comerciantes estão descobrindo que os colecionadores latino-americanos ainda estão comprando. A economia do Brasil está prosperando, membros proeminentes da diáspora venezuelana morando na Flórida e no Texas têm fortunas estocadas e há muitos colecionadores no México, como Eugenio López, que estão investindo. Bem, acho que isso não tipifica coisa alguma a não ser que o mercado de arte mundial, que atravessou uma grande recessão em 2009, agora está tentando encontrar onde se expandir. Os compradores latino americanos podem estar se tornando os novos poderosos num prazo médio. O que eu não sei, dentro do contexto do livro do Trigo (que ainda não li) é se democracia participativa tem a ver com mercado de arte. Creio que são universos excludentes, pois arte nada mais é do que investimento - quer dizer, poucos riscos. Os investidores compram geralmente os artistas conhecidos com a certeza de que seu investimento não vai se desvalorizar.Em arte, mais do que democracia, devemos dizer cleptocracia, não é mesmo? Acho que pensar a arte sendo produzida num contexto fora do mercado não existe. Então, dentro do mercado, o que conta é o retorno seguro do investimento. De qualquer maneira o livro do Trigo deve bater em boa hora, quando os ventos de prosperidade parecem estar comecando a soprar dentro dos estúdios dos artistas por aqui :-)
o maior colecionador de Volpi, Mastruobuono, perguntado sobre o que faz uma obra de arte valer mais ou menos, respondeu: nada, o olhar do comprador. A ferramenta especulatória é o olhar humano, ninguém morre se não tiver uma obra de arte pra olhar, morre se não tiver o que comer, ou ar pra respirar. Mas a gente não quer só comida, então...
Vivemos um momento de explosão do valor das coisas, ninguém sabe mais o valor de nada, até o dólar está meio por baixo ( e isso já é uma especulação)...sem dramas desnecessarios, cada grupo elege seus favoritos e precifica, se encontrar quem compra, está feito. Nenhum drama.
Ah...ele disse também que o melhor é comprar artista morto..ao que Lêdo Ivo retrucou: mas a medida da contemporaneidade é a arte viva, vc tem seus artistas do seu tempo. E a gente pode completar dizendo: os artistas que te acompanham são na verdade uma parte de vc, do que vc é. Seus artistas preferidos são o que vc é. Que país é esse?
O que Trigo coloca de forma detalhada, provocativa e tragicômica, é como os colecionadores se infiltram nas grandes instituições culturais, cooptando não só artistas, mas também toda uma gama de profissionais da cadeia (marchants, curadores, críticos, galeristas) dentro de uma lógica de concentração capitalista que faz diminuir o risco do investimento, sobretudo em artistas no início de carreira. Temo apenas colocar essas questões descontextualizadas da narrativa do livro, onde tudo isso faz muito sentido, como um encadeamento lógico. Ele não cita exemplos comprometedores concretos, mas detalha genericamente situações que todos, que trabalhamos e acompanhamos o mundo da arte, conhecemos.
LEONARDO,BOM DIA!
para evitar a máxima de "por favor,caixa-alta é grito!"vai tudo de caixa-baixa,mas não é coxixo!
um dia disse a um politico conhecido que havia muita similaridade em nossas atividades e ele sorriu,gargalhou e quando se refez,perguntou-me em que?!
respondi-lhe:tudo que o politico e o artista fazem,precisa se tornar publico caso contrario...não existem!!!
trinta anos atrás,cursava belas artes e qualquer atividade ou manifestação nossa,a imprensa cobria!jornais,tv e tudo que divulgasse cultura.
vimos ao passar dos anos,estes jornalistas serem escanteados em suas midias e foram assumindo "novos"profissionais e não vinham sós!
estavam acompanhados de "escritorios"e as negociatas se oficializaram.
sabemos que sem estes escritorios,no máximo uma nota de rodapé se consegue!!!
traduzindo:foi vendida a noticia!quem paga tem!quem paga mais,tem pagina dupla com chamada na capa!se pagamos o que querem,a edição é toda nossa!
posso te afirmar sem medo de errar que,os que podem pagar e pagam muito são os canalhas que se organizam em torno de um unico objetivo:o lucro!
o artista,no devaneio e na sua propria desorganização natural e da classe,sucumbiram e ficaram a merce dos galeristas e instituições culturais que surgiram pagando fábolas para estes escritorios.
como "quem não é visto não acontece",só o que esta ligado diretamente a enteresses destes novos donos da verdade passaram a existir e formar opinião.
o mundo ta mudando,e mesmo um simplorio estudante classe baixa,tem acesso a internet e a comunicação.
vamos fazer uma grande fogueira da inquisição da comunicação para queimar muito filho da mãe que por ganancia,vendeu a verdade!!!
vem aí um tsunami!!!
obrigado e um forte abraço!