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A lei do mais forte

Fechadas há menos de um ano, pequenas livrarias paulistas trazem de volta o debate sobre a sobrevivência das pequenas empresas ante as mega stores

Por que as mega-stores prosperam e as pequenas livrarias de bairro fecham? Para fazer esta análise, precisamos passar por questões espinhosas, tais como, capitalismo moderno e políticas públicas de incentivo à leitura do Brasil.

Observa-se hoje uma evolução inexorável do mercado, que força quem empreende a se refazer dia-a-dia, algo cruel e “homicida” para as pequenas empresas. É o preço que se paga para obter lucro no capitalismo que hoje se desenha à nossa volta. O livro não tardou muito a se submeter às normas da gestão industrial e da rentabilidade financeira e hoje vemos o mercado editorial também em crise.

O avanço dos shopping culturais, das megastores, da internet ou mesmo vendas em metrô, supermercados e postos de gasolina, vão criando um enorme vácuo entre a modernidade e o pequeno negócio tradicional. Nesse ambiente ultracompetitivo só conseguem sobreviver pequenas livrarias especializadas e que ainda primam pela qualidade no atendimento e, por elas não poderem competir com as grandes redes em número de títulos, focam em determinado segmento do mercado, o que lhes garantem seu espaço.

A luta das pequenas ante as grandes

As melhores e mais charmosas livrarias do país, aquelas de rua, estão fechando suas portas. A livraria Belas Artes nem conseguiu apagar as velinhas de uma elegante balzaquiana. Encerrou suas atividades com pouco menos de 30 anos. Neste mesmo trimestre, São Paulo já havia perdido a Duas Cidades, na região central de São Paulo. A justificativa de ambas é que não suportaram a concorrência com as chamadas megastores.

Fechar livraria de rua não é um fenômeno paulistano. As grandes cadeias, ancoradas nos shoppings e com mais “bala na agulha”, estão engolindo as pequenas notáveis casas do ramo. Após 27 anos funcionando na Avenida Paulista, quase na esquina com a Rua da Consolação, a Belas Artes fechou suas portas na última terça-feira. O proprietário, Luiz Eduardo Severino, que é dono também da editora Códice, argumenta que não foi possível mantê-la aberta depois do reajuste que elevou o aluguel para R$10 mil.

A livraria foi criada em 1979 por um grupo de alunos da USP e funcionou, no fim da ditadura, como ponto de encontro de intelectuais, jornalistas e leitores interessados em uma boa conversa. É mais uma livraria de rua que não consegue enfrentar a concorrência desleal e se vê forçada a fechar as suas portas.

Hoje no mundo, há dois perfis de livrarias: as das grandes redes, que se assemelham mais a supermercados e salvo alguns casos, seguem um modelo mais “self service”, ou seja, atendem bem a compradores que sabem o que querem e vão direto aos terminais pesquisar. E as livrarias de ruas, aquelas aconchegantes e com funcionários que entendem tudo de livros e auxiliam os clientes com as mais variadas sugestões.

No Brasil, a primeira megastore especializada era justamente uma livraria. A Livro 7 ficava no Recife e tinha 1.500 m², funcionando durante boa parte da década de 70 como uma das mais importantes livrarias do Estado.

O objetivo das megalojas é buscar total interatividade entre a mercadoria e o comprador, sem que esta interação pareça explicitamente como uma tentativa de venda. Naassom Ferreira Rosa, arquiteto da Livraria Saraiva, explica que, de acordo com pesquisas norte-americanas, “se uma pessoa ficar mais de vinte minutos num ambiente de compra, sua intenção de comprar aumenta em 60%”. E a razão para isso é simples: num ambiente agradável e bonito, o público se sente seduzido porque certamente encontrara o produto que quer.

Ainda segundo Naassom Rosa, o principal produto das livrarias é o livro e este pede interatividade. Os clientes, nessas redes, têm liberdade para interagirem com os produtos, eles podem ler, ouvir ou assistir antes da aquisição do produto, o que aumenta o conforto e segurança no processo de compra.

De modo geral, as megastores “casam-se” bem com shopping centers, pois estas possuem estacionamento amplo e próprio e possibilitam que as pessoas comprem tudo o que precisam num mesmo local.

Mas com o avanço das grandes livrarias, as pequenas também estão se atualizando e oferecendo uma espécie de atendimento personalizado. Segundo Paulo Henrique de Abreu Guimarães, presidente da Câmara Mineira do Livro: “a grande tendência do mercado de livros é exatamente a diversidade. Enquanto as megastores atraem o cliente para prendê-lo mais tempo na loja, as pequenas conquistam os leitores oferecendo serviços diferenciados e até mesmo se especializando em determinados segmentos da literatura.”.

Mais do que um assunto controverso, uma megastore é um empreendimento audacioso. “O investimento médio pode chegar a R$ 4 milhões”, afirma Jose Luiz Próspero, diretor-superintendente da Livraria Saraiva. Enquanto que uma pequena, muitas vezes, não ultrapassa o R$ 1,5 mil.

Pode subir o preço de capa quem em contrapartida agrega valor ao que vende. É o caso da livraria da Vila que, a 200 metros da loja Fnac em Pinheiros, mesmo mantendo seu horário normal de funcionamento – fecha mais cedo que a gigante e não abre aos domingos – e não entrando na guerra de preço e lançamentos, continua no páreo da enorme concorrência existente nesse setor. O segredo? Começa pela gerente da loja que sabe receber o cliente, faze-lo se sentir em casa e responder suas perguntas. Segue pela arquitetura, pela seleção dos funcionários, pela escala de eventos, pelo pequeno auditório, pelo micro bar. É um lugar que presta serviços em troca dos parcos reais que eventualmente cobra a mais pelos livros.

Internet

O mundo das novas tecnologias, através dos mecanismos eletrônicos, revolucionou o mundo da informação tradicional, aquela que durante anos era a única ferramenta para os cidadãos se colocarem a par de tudo o que se passava em escala global.

Anda tão fácil e vantajoso comprar livros através da internet que, talvez futuramente, ninguém precisará sair de casa para adquirir a obra desejada. Mas se isso acontecer, os aficionados, aqueles que têm a paixão pelos livros, ficarão órfãos. Estes não abrirão mão de ter com eles uma relação física: manusear, folhear, cheirar, acariciar a capa e ler a orelha antes da compra.

O presidente da Câmara Mineira do Livro tem sua opinião sobre esse assunto: ele acredita que esta euforia de descontos não vai durar muito tempo. Para ele a internet está promovendo o livro. Ela serve para quem já sabe o que quer comprar. Mas não vai substituir nunca o gosto dos que preferem ir a uma livraria para descobrir as últimas novidades. Assim como o pay per view não acabou com as locadoras de vídeo e estas não acabaram com os cinemas, a internet não vai acabar com as livrarias. O período é apenas de acomodação do mercado. E para enfrentar a briga, as livrarias promovem lançamentos semanais, organizam mesas redondas com autores e sessões com contadores de história.

De uma perspectiva global, embora o comércio virtual não corresponda a mais do que 1% dos negócios totais de vendas de livro, a sua simples existência já obriga grandes redes de livrarias, como a Barnes & Noble, que detém 15% do mercado norte-americano, a se reposicionar e desenvolver estratégias semelhantes à Amazon.com, que representa 2% do mesmo mercado.

Sobre os livros eletrônicos, dizem alguns especialistas, eles nunca substituirão os livros de papel. Ninguém sabe como o e-book funcionará e como serão controlados os direitos autorais. Pode, inclusive, servir de incentivo à pirataria. Assim como o comércio via rede, a literatura veiculada virtualmente também auxilia na divulgação do livro.

O X da questão

Uma pesquisa encomendada por Carlos Lessa, quando ainda era presidente do BNDES, sobre a economia do livro no Brasil e que foi desenvolvida pelos economistas Fábio Sá Earp e George Kornis entre março e novembro de 2004, revela que a indústria editorial brasileira está em crise. As vendas de livros, desde o Plano Real, caíram pela metade. As editoras se multiplicam ao mesmo tempo em que livrarias são fechadas.

O relatório aponta que é fundamental baratear o livro, aumentando a escala de produção. “Mas para isso é preciso haver subsídio, porque o livro é caro demais para o bolso do consumidor”, adverte Sá Earp. No mercado mundial de livros, a China tem os números mais impressionantes: 7,1 bilhões de exemplares vendidos por ano (49% da produção mundial). Logo atrás, vêm os EUA, com 2,55 bilhões de exemplares (18%), e o Japão, com 1,4 bilhões (10%). A posição do Brasil chega a 2% do volume de vendas, ou 340 milhões, dado nada insignificante, à frente de três expoentes como Grã-Bretanha (320 milhões), Itália (270 milhões) e Espanha (235 milhões). “Esse dado nos dá uma perspectiva ilusória de sucesso do mercado no livro do Brasil. Mas isso muda quando se olha para os dois maiores mercados. O mercado brasileiro representa 5% do mercado chinês e 13% do mercado americano”, ressalta o economista.

Segundo o Anuário Editorial Brasileiro, do Grupo Editorial Cone Sul, o Brasil inteiro, onde vivem cerca de 170 milhões de pessoas, tem apenas 2008 livrarias, o que dá, em média, um estabelecimento para cada 84,4 mil brasileiros. Uma única cidade européia, Paris, tem duas mil livrarias. A Argentina, antes da crise, tinha mais de 950 livrarias (para uma população de 37 milhões de habitantes). Em dois anos, a crise fez fechar 250 desses estabelecimentos. A situação é ainda pior em estados do Norte e Centro-Oeste. Roraima, Tocantins e Amapá têm, cada um, apenas duas livrarias em seus vastos territórios. Na Região Norte do Brasil, há apenas uma livraria para cada 215,3 mil habitantes. Certamente, a altíssima concentração de renda brasileira – uma das maiores do mundo – impede as camadas mais pobres da sociedade de terem acesso aos bens culturais, a livros, teatro, música e informação que não venham diretamente da cultura de massa, seguindo a fórmula da indústria cultural: entretenimento barato, de baixa qualidade e para “quase” todos.

No papel e aguardando regulamentação desde 2003, a lei 10.753, que institui a Política Nacional do Livro, isenta de impostos as empresas não inclusas no SIMPLES, o que representará um aumento nas vendas. A aprovação dessa lei facilitará as condições de produção no Brasil, permitindo que mais livros sejam editados e, conseqüentemente, o preço para o consumidor final ficará mais baixo.

Viviane Batista

Redação

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  • Olá Viviane.
    Sou um pequeno livreiro em Belém-PA.
    A livraria é nova e pequena.
    Os planos seguem o raciocínio do seu texto. Especializar-se em humanidades.
    Sou oriundo da área de Administração, e compreendo bem suas idéias sobre o comportamento do mercado.
    Participei apenas de uma Bienal do Livros em SP como visitante, e pude conhecer algumas pessoas do meio editorial. Além disso, tenho tentado ler a observar o comportamento do mercado livreiro.
    Posso dizer que precisamos de uma política pública mais ampla para olivro, que considere a formação do leitor, isso se confunde com as políticas para a educação.
    Mas posso afirmar que mais do que isso, precisamos de organização e colaboração das pessoas ligadas ao livro.
    Vejo cada vez mais o interesse por políticas públicas que possam ser revertidas em lucro imediato. Vejo cada vez mais empresários no meio, cada vez menos livreiros.
    A redução tributária de algumas empresas do setor por exemplo, não foi capaz de frear os aumentos sucessivos dos livros. Nem sequer de reduzir esses aumentos.
    Gostaria de conhecer a pesquisa que o Carlos Lessa encomendou, é possível?

  • Perdão Viviane. Se a pesquisa que você mencionou é a intitulada "A economia da cadeia produtiva do livro" eu já a conheço.

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