Conversava com o Ministro Juca Ferreira em Belo Horizonte quando ele recebeu a boa notícia de que o IPHAN votara pelo tombamento do Teatro Oficina. “Agora precisa resolver o entorno” – disse ele, satisfeito, quase ao fim de mais um dia de debates, formulação de idéias, de conversas, de negociação, um estilo quase intraduzível que combina velocidade de pensamento, agilidade e objetivos políticos.
Poucas horas antes, o Ministério da Cultura lançou a Feira da Música que acontecerá no final do ano em Belo Horizonte, uma experiência bem sucedida em 2009 e que projeta novas abordagens para o setor inflado de demandas relativas a novos negócios, formas de difusão e absorção de tecnologias.
O dia cheio terminou com a estréia no Palácio das Artes da ópera O Barbeiro de Sevilha, de John Neschling, com o apoio do Ministério.
Um espetáculo de ópera é realmente uma experiência muito interessante, mesmo para quem vive deles ou está habituado praticamente tudo o que acontece de importante aqui no Brasil e, na medida do possível, fora.
Na reinauguração do Teatro Colón assisti à montagem da ópera La Bohème, sob a direção de Hugo de Ana. Por cacoete profissional, minha tendência é observar cena e cenário, a integração entre tudo isto e a música. La Bohème foi um espetáculo muito prazeroso, do começo ao fim. A conversa com de Ana ao final da apresentação foi uma rápida viagem aos detalhes e revelações sobre a complexa cenografia e iluminação. Coisa de craque, deixando que o impacto da produção agrade ao público e arrebate as multidões que irão à centenária casa de ópera.
A distância entre aquela Bohème e o Barbeiro é abissal. Obviamente, não comparo aqui Puccini e Rossini, meus dois geniozinhos preferidos. Para quem me conhece, está certo que sou volúvel, pois já me viram deliciado com Mozart e Wagner, Bizet e Carlos Gomes. Também não comparo o projeto com o Teatro Colón, exceto na dimensão. Público e crítica que tiverem acesso às apresentações do Barbeiro de Sevilha terão tempo suficiente para suas impressões. Cabe refletir se a montagem contribui para a compreensão do que é a ópera hoje; da sua relação de custos e o que apresenta como espetáculo, tecnologia e contemporaneidade, se há facilidade de acesso e outros aspectos que justifiquem o empreendimento. Sem o interesse de fazer crítica, registro, entretanto, em nome de Pepes do Valle, meus cumprimentos aos demais cantores. Mesmo trabalhando sob visíveis amarras de direção, ele conseguiu demonstrar seu alto nível como intérprete.
Mas isto tudo é entorno. Vamos ao tombamento.
A área da música erudita e da ópera é uma indagação para o Ministério da Cultura. Quando Sérgio Mamberti assumiu a Funarte tivemos uma longa conversa e pudemos debater um amplo esboço da situação da ópera no Brasil, aliás, conteúdo parcialmente defendido por mim no livro Ópera à Brasileira, organizado por João Luiz Sampaio.
Mamberti reafirmou a necessidade de se desenvolver uma política para o setor e que o Ministro tinha consciência disto, mas com tantas demandas não se criaram as condições institucionais para que acontecesse até então. Cacá Machado assumiu a Coordenação de Música da Funarte, que desde então abriga a ópera, antes nas Artes Cênicas. Uma acomodação tão viável quanto a outra, até o dia em que a ópera seja entendida como um gênero específico e independente por sua própria natureza de teatro musical e se transforme em nova área de Coordenação.
Estabelecido o diálogo, a cada vez ficou mais clara a necessidade de ações estruturantes para um segmento da importância e abrangência da ópera, com uma política que favoreça a sua difusão utilizando as suas características de forma de expressão em convergência com todas as artes.
Uma política para a ópera precisa contemplar programas de investimento nos teatros produtores, no estímulo ao surgimento de novos núcleos de produção, nas parcerias público-privadas, nos programas de formação, nas bolsas, no estímulo a novas composições e nos programas de difusão junto a escolas, sempre levando em conta formas de contrapartida financeira e de serviços que agreguem resultados concretos.
Com a ópera finalmente fazendo parte do discurso do Ministério da Cultura, persiste a expectativa de que com urgência se aprofundem as soluções para as demandas imediatas do setor, de forma a que estejamos preparados para, qualquer que seja o novo Governo, apresentar planos de trabalho viáveis e conceitualmente delimitadores de novos patamares na primeira semana do novo Ministério.
É importante ressaltar que não haverá soluções de patrocínio privado sem participação do Estado. Não faltam projetos, mas condições institucionais para que a atividade cultural consiga ser atraente em determinados níveis de demanda. Este trabalho de construção, inclusive de imagem, exige persistência e serenidade de todos. A ausência destes quesitos essenciais atrapalha.
O Estado tem a obrigação de promover artistas e técnicos brasileiros e, quando não houver qualificação internacional, prepará-los, investir para que tenham condições de competitividade. Nossos profissionais são um ativo cultural de amplo retorno para o país e a sociedade. Isto não significa qualquer traço de xenofobia. Pelo contrario, é fundamental o convívio e aprendizado com profissionais estrangeiros que são e serão bem-vindos. É necessária a compreensão de que o fluxo criativo é uma via de mão dupla para a coletividade e a arte não se encerra em si mesma. Por outro lado, a Cultura é uma atividade de altíssimo interesse econômico para o país e ao mesmo tempo em que devemos formar artistas e técnicos, outros mecanismos de estímulo à produção devem ser criados de modo a fortalecer toda a cadeia produtiva, seja através de financiamentos diretos, de incentivos, investimento estatal na produção atrelado à exportação de bens, entre outros.
Não devemos esquecer que a ópera – como a música erudita – possui tempo de maturação próprio. A reconstrução do espaço desta linguagem essencial não será um processo com resultados da noite para o dia, nem de um governo. Exigirá investimento e tempo para que se obtenha maturidade sustentável. Este trabalho de longo prazo somente terá resultado se desde já forem tomados os cuidados necessários para que as atividades sejam perenes e tenham o suporte adequado para isto.
Ao Ministro Juca Ferreira cabe ainda o desafio imediato de criar as condições para que se inicie um novo processo para a ópera no Brasil como o setor espera de fato espera.
A base está potencialmente pronta. Temos uma razoável infra-estrutura instalada o que permitirá ocupação com investimentos relativamente pequenos. Da mesma maneira, possuímos bons recursos técnicos e artísticos capazes de multiplicar a informação e ampliar nossa base profissional. Temos público e platéia o que também nos dá uma considerável vantagem de partida. Mas não é linguagem assimilada pela população como já foi no passado. Este é o ponto: será necessário um grande investimento para se alfabetizar pessoas para a ópera e para a música erudita, ambas andando juntas em parte do processo.
Um dos aspectos cruciais da iniciativa é garantir a proximidade do jovem e estimular a sua aproximação. Isto precisa ser feito com urgência, mas com cautela para se ganhar em solidez.
Mineiramente, seria dizer que a ópera tem pressa… Então, vamos devagar.
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caro Cleber,
Vc é um batalhador! Te admiro. Admiro, também, qualquer esforço honesto para a divulgação e manutenção da ópera e de seus profissionais.
Um forte abraço,
Paulo Mandarino
Oi, Cleber! Parabéns pelo artigo. Acredito que a ópera ainda não foi descoberta que pode ser a grande linguagem da próxima década, até porque, se há uma tendência de se querer a política cultural cada vez mais transversal, as linguagens também acompanharão esta inclinação, não seria a ópera uma forma extremamente atual de colocar em diálogo todas as artes? Saber quem é, quem trabalha e como opera esse setor de ópera é a primeira coisa que o Ministério tem de conhecer. A política decorrerá a partir desse quadro e de onde ele se encontra no Brasil: para quem a ópera é mais importante, qual o público, quais as montagens, qual a produção de ópera contemporânea que se tem no Brasil, na América Latina e no Mundo... enfim... Valeu pelo texto!
Parabéns, Cleber Papa por este excelente "A ópera tem pressa"!
Endosso totalmente as tuas palavras que são a síntese dos anseios da nossa classe operística.
Desde a criação do Ministério da Cultura, há mais de 20 anos, que se fala, de tempos em tempos, em se criar uma política específica de incentivo à ópera no Brasil, mas nenhuma das inúmeras reuniões e encontro que participei foram adiante... Mais uma vez, espero que dessa vez a coisa funcione.
Saudações operísticas!
FERNANDO BICUDO,
Presidente da Associação Brasileira de Artistas Líricos e
Presidente da Ópera Brasil
Como profissional da dança e da cultura em geral, parabenizo pelo texto de visão ampla. Acredito que se substituíssemos a palavra Ópera pela palavra Dança este texto falaria perfeitamente sobre a necessidade de ações estruturantes nessa outra årea de conhecimento. Embora não pareça, estamos ainda em lugares muito próximos quanto ao que é necessário para um desenvolvimento à altura das necessidades e potenciais do país.
Olá Cleber, parabéns, ótimo seu artigo. Sentimos na pele o que é batalhar pela formação de novos cantores e público, pois somos os “loucos” que mantêm uma companhia de ópera de repertório no interior de São Paulo. Construímos uma bela estrutura física, o recém inaugurado Teatro Minaz, temos inúmeros jovens bolsistas com belíssimas vozes estudando canto e todas as matérias necessárias para a formação de um cantor lírico desde música, passando por línguas e teatro, realizamos espetáculos de ópera estúdio, recitais, musicais. Sem a existência de leis de incentivo e projetos ligados ao poder público não há como trabalhar. O problema é que os processos são morosos, emperrados, mas nossas atividades não podem esperar, elas continuam sabe-se Deus como. E quem põe os olhos na produção do interior, mesmo sendo no estado de São Paulo? Há de se atender aos projetos de baixo custo e altos resultados práticos, pois, são esses resultados que fomentam a formação das bases para o acontecer artístico e para a formação de público e para tal, as verbas são de necessidade premente.
Caro Cléber,
Parece que a miopia só ocorre aqui no Brasil, pois em países latino-americanos com um mínino de tradição musical (Argentina, Uruguai, Chile) a ópera é um espetáculo subvencionado e frequente nas agendas culturais. No Brasil, com as honrosas excessões de Manaus e Belem, ficamos a mercê de interesses não esclarecidos. Aqui no Rio Grande do Sul a prova da existência de público e de um interesse real pelo gênero é notável, vide a montagem da Serva Padrona, que circula pelo estado desde o ano passado, com inegável exito. Bravo pela defesa da necessidade urgente da ópera em nossa agenda cultural.
Caro Cleber, você é um refrigério. Apaixonado de verdade pela ópera, ao mesmo tempo com lucidez age objetivamente pela sobrevivência do gênero no nosso país, sem preguiça de fazer o árduo trabalho de "formiguinha". Você traz esperança nesta terra árida. Parabéns, entro no rol dos teus admiradores e fico na torcida.
Sim Cleber, a ópera tem pressa bem como a música de câmara....Na verdade, temos uma série de problemas acumulados ao longo da história desse país e que vem afetando a forma como a música erudita é tratada nas políticas públicas de cultura. Pra começo de história temos algumas universidades que possuem o curso superior de canto, mas uma vez formado o cantor não sabe o que faz da vida!Por pior que seja a situação das orquestras no Brasil, ainda sim, tem-se mais orquestras porfissionais do que coros profissionais no nosso país, o que abriria e muito o mercado de trabalho para os cantores.
Outro sim é que existe uma tradição no Brasil de valorização de cantores vindos do exterior em detrimento aos brasileiros!Duvido que no exterior os brasileiros encontrem as facilidades que estrangeiros encontram aqui!?!?
Regulamentar a atividade do professor de canto, pois aqui TODO MUNDO ENSINA CANTO!!ILer uma partitura não dá gabarito a ensinar e entender de voz.
Outro grande problema é falta de diálogo entre o Ministério da Cultura e o da Educação, pois os cursos superiores de artes como um todo apresentam necessidade de reformulação curricular para atender às necessidades do mundo contemporâneo. E é claro que, também, falta uma maior participação dos profissionais do setor nas instâncias decisórias. Falta a participação dos cantores líricos , bem como todos os músicos eruditos, nas discussões e na formulação de uam política para o setor.
Bravo pelo artigo e espero dias melhores!
Verônica Santos
Cantora lírica/gestora de cultura.
Sim Cleber, a ópera tem pressa bem como a música de câmara....Na verdade, temos uma série de problemas acumulados ao longo da história desse país e que vem afetando a forma como a música erudita é tratada nas políticas públicas de cultura. Pra começo de história temos algumas universidades que possuem o curso superior de canto, mas uma vez formado o cantor não sabe o que faz da vida!Por pior que seja a situação das orquestras no Brasil, ainda sim, tem-se mais orquestras porfissionais do que coros profissionais no nosso país, o que abriria e muito o mercado de trabalho para os cantores.
Outro sim é que existe uma tradição no Brasil de valorização de cantores vindos do exterior em detrimento aos brasileiros!Duvido que no exterior os brasileiros encontrem as facilidades que estrangeiros encontram aqui!?!?
Regulamentar a atividade do professor de canto, pois aqui TODO MUNDO ENSINA CANTO!!ILer uma partitura não dá gabarito a ensinar e entender de voz.
Outro grande problema é falta de diálogo entre o Ministério da Cultura e o da Educação, pois os cursos superiores de artes como um todo apresentam necessidade de reformulação curricular para atender às necessidades do mundo contemporâneo. E é claro que, também, falta uma maior participação dos profissionais do setor nas instâncias decisórias. Falta a participação dos cantores líricos , bem como todos os músicos eruditos, nas discussões e na formulação de uam política para o setor.
Bravo pelo artigo e espero dias melhores!
Verônica Santos
Cantora lírica/gestora de cultur
Sim Cleber, a ópera tem pressa bem como a música de câmara....Na verdade, temos uma série de problemas acumulados ao longo da história desse país e que vem afetando a forma como a música erudita é tratada nas políticas públicas de cultura. Pra começo de história temos algumas universidades que possuem o curso superior de canto, mas uma vez formado o cantor não sabe o que faz da vida!Por pior que seja a situação das orquestras no Brasil, ainda sim, tem-se mais orquestras porfissionais do que coros profissionais no nosso país, o que abriria e muito o mercado de trabalho para os cantores.
Outro sim é que existe uma tradição no Brasil de valorização de cantores vindos do exterior em detrimento aos brasileiros!Duvido que no exterior os brasileiros encontrem as facilidades que estrangeiros encontram aqui!?!?
Regulamentar a atividade do professor de canto, pois aqui TODO MUNDO ENSINA CANTO!!ILer uma partitura não dá gabarito a ensinar e entender de voz.
Outro grande problema é falta de diálogo entre o Ministério da Cultura e o da Educação, pois os cursos superiores de artes como um todo apresentam necessidade de reformulação curricular para atender às necessidades do mundo contemporâneo. E é claro que, também, falta uma maior participação dos profissionais do setor nas instâncias decisórias. Falta a participação dos cantores líricos , bem como todos os músicos eruditos, nas discussões e na formulação de uma política para o setor.
Bravo pelo artigo e espero dias melhores!
Verônica Santos
Cantora lírica/gestora de cultura