A superintendente do ECAD, Glória Braga, discute a liberação de direitos autorais, a briga judicial com os exibidores de cinema, e outras polêmicas envolvendo o órgão

CeM: Existe uma corrente de pensamento que considera que a liberação dos direitos autorais prejudicaria os artistas e autores, mas muitos especialistas da área  vêm afirmando que o direito autoral, nos moldes em que é praticado hoje, não protege o autor, e sim o intermediário. Em uma entrevista ao Cultura e Mercado, o advogado Ronaldo Lemos (Creative Commons) afirmou que “a legislação de direito autoral, do jeito que se estrutura globalmente, obriga o autor a alienar a totalidade dos seus direitos, em troca de acesso à indústria cultural” . Qual a sua visão a respeito dessas linhas opostas de pensamento?

GB: Em primeiro lugar, gosto da expressão indústria cultural. Mas, não podemos esquecer que o autor é a peça fundamental desta engrenagem. Sem ele e suas criações nada haveria, nem o Creative Commons. Existem várias formas de acesso a esta indústria e a evolução tecnológica tem possibilitado que estas formas se multipliquem em uma velocidade assustadora. Entendo que os autores podem, cada vez mais, optar pela forma com que autorizarão a divulgação de suas criações, quer de forma gratuita ,quer onerosa. A legislação autoral não os obriga a alienar parte ou totalidade de seus direitos, mas fixa regras de negócio que estão sendo reinventadas. Não penso, entretanto, que a liberação de direitos seja a melhor maneira desta reinvenção. Os autores vivem da exploração de suas criações. Se os chamados “intermediários” também se beneficiam é porque foi escolhido um modelo de negócio que deles necessita. Não podemos radicalizar e dizer que a salvação para os autores “explorados pela indústria cultural” é liberar seus direitos autorais. Isso só seria aceito num mundo onde só houvesse bem e mal, certo e errado, e a evolução tecnológica só nos mostra que existem muitos caminhos entre pólos tão distintos. Aliás, me parece também que o Creative Commons é um intermediário.

CeM: O ECAD está numa briga judicial de muitos anos com os exibidores, em torno da cobrança de direitos autorais das salas de cinema. Boa parte da imprensa vem tratando o assunto em tom alarmista, informando que se o ECAD “vencer a batalha”, o preço dos ingressos vai subir ainda mais. Essa afirmação tem fundamento? E por que vem sendo tão difícil receber o valor devido dos exibidores, mesmo essa cobrança sendo prevista em lei?

GB: Os exibidores alegam que o pagamento dos respectivos direitos autorais poderá inviabilizar a produção cinematográfica nacional. Esta afirmação não possui qualquer fundamento. Embora desconhecido da maioria da população, os valores referentes ao pagamento dos direitos autorais de execução pública já se encontram embutidos nos preços dos ingressos cobrados do público freqüentador das salas de cinema.

Imaginemos, por exemplo, um ingresso no valor de R$ 10,00. O que se tem pleiteado por 17 anos são apenas R$ 0,25 do preço de cada ingresso vendido para remunerar todos os compositores, músicos, intérpretes, gravadoras e editoras musicais titulares dos direitos autorais de todas as músicas da trilha sonora do filme. Não é possível que este valor onere tanto os exibidores cinematográficos, a ponto de impedir a propagação de salas de cinema pelo Brasil! Se queriam construir mais salas, por que não o fizeram até hoje, mesmo não tendo pago um só centavo de direitos autorais?

Não podemos deixar que a lei dos direitos autorais e a Constituição Federal sejam ignoradas com o objetivo de favorecer um segmento historicamente devedor de direitos autorais no Brasil, que agora busca atingir o seu objetivo no Senado, com a votação do projeto de lei 532 que, se aprovado, acabará trazendo prejuízos imensos à classe artística musical deste país.

CeM: Mas o senador Paulo Otávio afirma que a atual legislação favorece os EUA, que detém a maior fatia de títulos mostrados nos cinemas do país, e que o Brasil não recebe direitos autorais sobre os filmes nacionais exibidos no exterior.

GB: Quanto ao argumento de que a maior parte dos filmes exibidos nos cinemas brasileiros é de origem estrangeira, isto não impede o ECAD de realizar sua devida função: recolher os direitos de execução pública para os titulares autorais e conexos, sejam eles de origem nacional ou estrangeira, conforme obrigação assumida em contratos internacionais pelas associações que o integram.  Esta atitude também é seguida por vários países do mundo, que pagam os direitos autorais das músicas dos filmes americanos exibidos em seus países, respeitando os tratados internacionais estabelecidos.

Sendo membro da Organização Mundial de Comércio, e no caso do PLS 532 entrar em vigor, o Brasil poderá sofrer sérias sanções comerciais, tais como a imposição de barreiras comerciais aos produtos brasileiros, caso seja feita qualquer diferenciação nas prerrogativas legais conferidas aos titulares nacionais e estrangeiros, em benefício específico a um restrito segmento empresarial (no caso, exibidores cinematográficos). Isso trará uma péssima repercussão internacional para a imagem do país, já que afronta os conceitos de proteção às obras intelectuais advindos das convenções internacionais firmadas pelo País, relativas à propriedade intelectual.

Assim, se a maioria dos filmes exibidos no Brasil são estrangeiros, este é um problema de mercado. E não se resolve problema de mercado acabando com os direitos autorais.

CeM: Como está o andamento do PLS 532, após o ECAD e alguns artistas terem ido à Brasília protestar contra sua aprovação?

GB: Após conversarem com 40 senadores e exporem seus argumentos em entrevista coletiva, os autores, as associações musicais e o ECAD obtiveram êxito na luta contra o projeto e ele vem perdendo sua força. O próprio relator do projeto, senador João Capiberibe, solicitou a retirada de seu nome do documento. Além disso, artigos de compositores, como Fernando Brant e Zezé di Camargo, vêm sendo publicados, gratuitamente, em vários jornais do país, como forma de manifestação contra este projeto.

Não existe ainda uma data certa para a votação no Senado, mas a expectativa é que os interesses daqueles que estão por trás da elaboração desse documento não sejam atendidos.

CeM: Um projeto (PRC 223/05) que prevê a criação de uma CPI para investigar a arrecadação e destinação de verbas referentes a direitos autorais – principalmente no que se refere à atuação do ECAD – está em andamento na Câmara. O deputado Takayama, autor da proposta, afirma que os abusos cometidos pelo órgão são comuns. Qual a posição do ECAD em relação a esse projeto?

GB: O ECAD possui estrutura e legitimidade para representar os titulares e, acima de tudo, é transparente, por isso, não tem nada a temer. Nossas atividades estão há anos descritas em nosso site, que contém inclusive um canal direto para reclamações, sugestões e críticas (Fale Conosco).

Apesar disso, entendemos que esse projeto atende a interesses particulares e, caso seja necessário, estaremos à disposição dos órgãos públicos para prestar todos os esclarecimentos acerca do nosso trabalho. É bom que se informe que esse projeto recebeu parecer contrário em todas as comissões pelas quais tem passado.

CeM: As emissoras de rádio e televisão recolhem direitos autorais para o ECAD, assim como os chamados “usuários gerais”, que normalmente apenas reproduzem as programações das rádios ou deixam televisores ligados em estabelecimentos comerciais. O ECAD afirma que esse princípio está definido no artigo 31 da Lei 9.610/98 e que deve se analisar o quanto se ganha com a utilização da música. A senhora realmente acredita que uma academia de ginástica, por exemplo, vai ter mais lucro por deixar o rádio ligado, sendo que todas as outras também fazem isso? Ou que um shopping vá ser mais freqüentado por que deixa uma rádio tocando em seus corredores?

GB: É inegável que a música constitui-se num elemento fundamental para o exercício de determinadas atividades, como a academia, por exemplo, onde agrega valor ao serviço oferecido aos clientes. Existem pesquisas no mundo todo apontando a música como diferencial para várias atividades, pois ela torna muito mais agradável a espera numa fila, num consultório, as compras num supermercado ou shopping, e ainda é a matéria prima para as rádios. Assim, não apenas as rádios como também aqueles que de suas programações se utilizam para sonorizar ambientes, estão obrigados a remunerar os criadores das canções executadas. Apenas uma correção: não é o ECAD que diz que este princípio está contido no art. 31 da lei autoral; ele lá está, pois é um princípio geral acolhido pela nossa lei e pela lei de todos os países que respeitam e protegem os direitos autorais.

CeM: No caso de shows/eventos realizados por entidades beneficentes, os preços do regulamento de arrecadação sofrem uma redução de até ¼, desde que seja apresentada toda a documentação comprobatória necessária. Se um artista que se apresenta em uma dessas apresentações doa totalmente seu cachê e é autor de suas próprias músicas, ainda assim o evento teria que recolher direitos autorais para o ECAD. O órgão considera justo esse tipo de cobrança, que sempre provoca polêmica? Por que não se abrem exceções em casos assim?

GB: É importante esclarecer que o exercício de direitos sobre uma música não compreende, em geral, apenas o seu autor. Podem existir outros autores ou mesmo editoras musicais. Aliás, se fosse como o proposto, no momento de doar o cachê, o artista também doaria os direitos autorais. Isto em geral não acontece. Deve haver, portanto, liberação de uso por parte de todos os titulares para que haja isenção do pagamento. Se isso ocorrer, o ECAD nada cobrará.

O ECAD, por iniciativa própria, não tem poder para isentar a cobrança, pois até ordem em contrário tem obrigação de fazer a cobrança.

Assim, a administração desse tipo de situação é feita caso a caso, existindo a regra geral acima mencionada.  Não há que se falar em justiça ou não, são apenas as regras do negócio.

Como acréscimo e a título de conhecimento, reproduzo trecho da entrevista concedida pelo compositor Carlinhos Brown, ao “Jornal do Brasil”, RJ, edição de 13/2/05 – Seção Gente, de Heloisa Tolipan, sobre sua opinião a respeito do ECAD:

“Você é um dos compositores mais tocados e gravados no Brasil. Como avalia este imbróglio relacionado à Lei de Direitos Autorais?

– A gente errou muito quando criticava o ECAD (Escritório  Central de Arrecadação e Distribuição). É o único órgão  que, de fato, pode nos proteger. Achávamos que era o ECAD  que não nos pagava. O fato é que não pagam ao ECAD, considerado um vilão. Este é o legado de Gilberto Gil. Se ele resolver este problema de Direitos Autorais, já valeu a pena ele ter sido ministro. “

www.ecad.org.br

André Fonseca


editor

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