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A preocupante queda da Lei Rouanet


Me lembro bem daquele filme do Chaplin. O garoto atira a pedra nas vidraças e sai cantarolando. Enquanto isso, o malandro passa como quem não quer nada pelas ruas, oferecendo serviços de vidraceiro. A imagem ilustra bem a atual crise do financiamento à cultura, provocada e estimulada pelo Ministério da Cultura, que tem à mão o indigesto e mal formulado Profic, para oferecer à sociedade como reparador do mal que ele próprio causou.

O sistema de informações estatísticas do MinC aponta o valor de R$ 397.587.669,89 patrocinados em 2009 pelo mecenato, até o dia de hoje. Isso representa, segundo analistas do mercado, numa queda de aproximadamente 50% em relação ao mesmo período de 2008. O sistema não permite este tipo de relatório comparativo.

Faltando pouco mais de 3 meses para terminar o período de captação, a situação do mercado é incerta. “Perdemos a confiança no mecanismo”, desabafa um executivo de empresa, que prefere manter-se anônimo com medo de ter a imagem de sua empresa prejudicada por suas declarações. “Como posso defender o investimento em cultura se o  governo está destruindo a imagem de empresas que fazem isso com seriedade, como o Itaú”, avalia outro gestor de patrocínios, que deve retirar seus investimentos da Lei Rouanet, migrando-os para outros mecanismos.

Se o presidente da República faz isso com quem investe R$ 20 milhões de dinheiro próprio, com ações reconhecidas pela classe artística e por setores mais esclarecidos do próprio MinC, o que poderá fazer com quem se declarar publicamente contra o projeto tsunami do ministro Juca.

O batalhão de choque governamental passou a atuar taticamente em cada núcleo de resistência ao Profic, em troca de apoio ou com ameaças veladas ou explícitas. É cada vez mais frequente ouvir alguém se abster ou declarar publicamente a favor do Profic e dizer o que pensa apenas “em off”, o jargão jornalístico que permite divulgar a a informação preservando a fonte.

Como na cena do garoto, o MinC vai colocar a culpa das vidraças quebradas na crise e vai oferecer seu Profic como solução. Mas o estrago causado pela miopia governamental e a má gestão pública do principal instrumento de financiamento à cultura já é grande o bastante para gerar efeitos negativos sobre todo o mercado para os próximos anos.

Esperamos todos que ele seja compensado por algo de concreto, como promete o governo anunciar nos próximos dias. Não adianta a promessa de bilhões de reais, como o Mais Cultura ou o próprio Pré-sal que se alardeia. Quero lembrar que dos R$ 4,7 bilhões anunciados em 2007, somente temos comprovação de pouco mais de R$ 200 milhões efetivamente investidos.

A situação do mercado cultural é preocupante e merece atenção e articulação de todos nós.

Leonardo Brant

Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

View Comments

  • Muito me preocupa essa postura obtusa do MinC. A Lei Rouanet precisa, sim de uma revisão cuidadosa, e não ser tratada como objeto de disputa de egos. Além disso, a cultura deveria ser tratada como um assunto estratégico pelos nossos governantes, e não com esse descaso todo.
    Será esse um reflexo do medo que nossos governantes têm de formar cabeças pensantes em nosso país?
    Como podemos contribuir para reverter esse processo?

    abs
    Barbara

  • Além da reforma que precisa passar a Lei Rouanet, mas do que adequado de no mínimo, 50%. Óbvio e mais próximo do iqualitário justo. As empresas precisam investir na sua imagem e com isso seu notório bom gosto( não dar importância ao bom) de aliar sua empresa ao mundo divertido do entretenimento,mas usando de seus próprios lucros pra promover essa empreeitada.
    Diferente quando se fala de Arte no sentido da essência, ...preciso ser outro para entendeu eu mesmo...,ou ... a vida imita a arte...Mas pazeroso de viver, mesmo. Estou falando do artista e seu interlocutor , química da emoção. Ofício mesmo.Isso sempre deve cada vez mais ser preservado continuado.
    Lindo artista o Chaplin e essa criança, e cruel o mundo da indústria onde eles entraram né!, só ler sobre ele.

    Bjs
    Augusto

  • *{;-D§

    Faltou:
    Deve sim, aumentar o percentual da Cultura!
    Sendo Programa o formato apresentado, garante que sempre se invista muito bem na Cultura do pais, cada vez melhor o povo, que inclusive tá excluido da Arte!
    Quanto vale a Cultura de um país?! 0 à esqueda, sabem né!
    bj
    Augusto

  • Pergunta:

    O post original de Leonardo Brant sugere que apos os tres meses de captação até o final de 2009 todo o sistema estará baseado no Profic?

    Pergunto aos colegas, que estão acompanhando mais de perto a mudança, quem tem Pronac publicado em 2009 não vai ter direito a tradicional 1ª prorrogação do periodo de captação até Dez do ano seguinte?

    Julio

  • Eu acho que é necessário uma mudança radical. Primeiro: Tirar das mãos das empresas o poder de decisão. Tem que se colocar na mão da sociedade brasileira. Sugiro a formação de um colegiado composto por pelo menos 1.000 pessoas (representando todos os Estados da União), que avaliarão os projetos por meio eletrônico, com cópia física para auditoria, e votarão no sim ou não. Tal quantidade não tem como ser manipulada. O projeto será aprovado com um percentual estipulado de "sim". Segundo: O Governo deverá destinar 4% do recolhimento do IR para a Cultura, como se todas as pessoas físicas e jurídicas do país aderissem ao programa. Certamente teríamos 10 vezes mais dinheiro para financiar projetos. Acho que um modelo como este seria mais democrático e privilegiaria projetos sérios e não projetos políticos e apadrinhados. Infelizmente as captações de Lei Rouanet seguem este critério. Calhordas que ocupam os postos chaves nas empresas utilizam-se do poder de sua caneta para ajudar amigos, parceiros políticos e, principalmente, a si próprio. Já vi muito projeto bom não conseguir captar porque o proponente não tem força política, e muito projeto lixo captar facilmente recursos por ter acesso facilitado dentro de empresas, principalmente governamentais, como a Eletrobrás e Petrobrás. É uma vergonha, precisamos acabar com essa hipocrisia. Esses sujeitos de Itaú, CPFL, e outras empresas que mantém suas próprias instituições culturais também terão de passar pelo crivo da sociedade. Há muito orçamento estranho, caro demais. Basta entrar no sistema do MInC e fazer as contas. Se o Ministro ou sua equipe virem este comentário, pensem nessa hipótese..

  • Acho que deveriamos ter alguns pontos nesta discussão.

    Ponto 1 - Seria interessante publicar aqui neste blog, que tem muitos acessos. a lista das empresas (públicas e privadas) que financiam a cultura e qual o segmento que financiam

    Ponto 2 - As empresas privadas vem desde de setembro de 2008 atravessando a crise financeira, o primeiro lugar onde cortam recursos (mesmo incentivados) é a cultura.

    Ponto 3 - Acho que a reforma da lei será boa. Temos 18 anos de lei e continuamos com poucas empresas privadas atuando na cultura.

    Acho que as empresas e os empresários que desejam investir na cultura não precisam da lei.

    Investir em peça de teatro de grandes atores, fazer showS de duplas sertanejas ou patrocinar filmes derivados de séries de televisão é fácil. Ou seja é fazer marketing de sua marca com o dinheiro dos outros (povo......

  • Lamento todas essas preocupações, sendo que, na minha opinião, de quem já esteve do lado do investidor e agora intermediando proponentes, projetos e investidores, o problema continua sendo falta de gestão e mão-de-obra administrativa, além de campanhas e mudanças de processos fiscais para que um número maior de empresas se interessem efetivamente em utilizar e fazer bons investimentos em cultura. Isso sim, seria uma ocupação interessante a equipe do MINC. Só discutir entre artistas e produtores não dá, pois são os investidores que precisam ser chamados para duscutir, participar e se organizarem nessa área, como uma minoria de empresas já fazem.

    Fiz, recentemente, uma pesquisa nas empresas que já contatei e, para minha surpresa, a decisão de investimento em cultura já está 50% no departamento de marketing e 50% em responsabilidade social.

    Para mim, isso é um indicativo que as empresas estão começando a pensar cultura com responsabilidade social, com processos de inclusão e educação. Mas ainda o discurso de marketing e marca é muito forte. É preocupante, ver grandes empresas, com grande potencial de investimento, buscarem projetos com formação de bilheteria, com a exclusiva preocupação de divulgar e vender produtos/serviços ou mesmo empresas solicitando abertamente em seus editais exclusividade de patrocínio e indicação de ações comerciais e visibilidade de marca.

    Concordo com os retornos de visibilidade de marca, mas não quando isso é o foco principal, pelo menos em nosso país em que o acesso a cultura(paga)pertence aqueles que não precisam escolher entre ir ao cinema ou comprar comida e vestuário!

    Continuo com a opinião que o MINC tem que dispor mais tempo para o investidor e para empresas que ainda não investem em cultura, pois esses sim tem capacidade e estrutura para gerir projetos que influenciem positivamente as comunidades onde atuam.

  • Meu pensamento afina com o comentário do Sergio.

    A qualidade, o investimento humano, seja na obra artística ou no pensamento acadêmico que busca uma outra lógica nessa perversão a que estamos assistindo, não vale absolutamente nada.

    E o que vale então? O que vale é ser parceiro do comando, é ser subserviente à doutrina empresarial no campo das artes ou ser o próprio patrão. Abrir um negocinho, uma potinha, dividir lucros com produtores e gestores que têm as portas abertas nesse universo. Que renovam os seus projetos empresariais não só nos institutos e fundações privadas, mas também, como bem disse Sergio, na Petrobrás, Eletrobrás, aí eu digo, CCBB, Caixa Econômica e, por que não dizer BNDES?

    O Ministério da Cultura precisa chamar à fala esses gestores das estatais. E, como diz o ator Fernando Caruso, as empresas estão, através da Lei Rouanet, privilegiando a mediocridade e o fracasso. Porque precisam fazer o carrossel girar em torno da indústria de projetos comandada pela meia dúzia que compõe a empresa "Produtores e Gestores SA". Só eles comandam, os homens de ouro e sua escuderia que criaram um Estado paralelo e as interconexões dentro dos assentos corporativos no Brasil e no Exterior. É que se pode chamar de "esquadrão da morte da arte".

    O Brasil está precisando de uma profunda revolução, uma varredura, uma observação investigativa sobre o comando dessa turma barra pesada no universo artístico.

    O Estado e suas águias de ouro também precisam sofrer uma auditoria conceitual. Aqueles que estão no comando das centenárias instituições de cultura trocam figurinhas com o pensamento colonialista que agora é, sobretudo das estruturas das secretarias de cultura de estados, dos institutos e fundações públicas e privadas. Isso tem que ser absolutamente transparentes. Os comandos têm que ser eleitos pela sociedade ou concursos para que o comando da cultura, principalmente nos pontos estratégicos do país, não fiquem circulando no mesmo ambiente da mesma classe dominante.

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