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Ana de Hollanda & Jô Soares: Reportagem crítica

Cercada de alguma expectativa, a ministra da Cultura Ana de Hollanda foi entrevistada neste 14 de junho no Programa do Jô. O evento precedido de episódios ainda não inteiramente esclarecidos, para uns se transformou numa decepção pelo que foi discutido em dois blocos do programa. Para outros, como nós que acompanhamos a gravação dos bastidores, uma grande incógnita. Como se comportará a maioria dos artistas profissionais, diante de tamanha visibilidade? Como se comportarão membros do atual Governo Federal, Partidos da base aliada, até mesmo a Presidenta Dilma que esteve grudada na televisão durante a exibição da edição de terça-feira?

Se levarmos em consideração que esse encontro tão esperado tinha como personagem um artista como Jô Soares: ator, escritor, artista plástico, diretor teatral, apresentador e humorista, umbilicalmente ligado desde a década de cinqüenta às Artes e a Cultura (produções cinematográficas, como as chanchadas da Atlântida); coadjuvante das transformações da televisão brasileira, como autor e ator de programas a exemplo da Família Trapo que se inscreveu na história da Tevê na década de sessenta; vendo e participando de perto dos eventos mais importantes da Música como os Festivais da Record; mais tarde, 70 e 80, nos programas humorísticos da Globo e, nos últimos anos desde a década de 90, entrevistando “Deus e o Mundo” madrugada adentro veremos que mesmo com discordâncias ele é uma das poucas referências na Cultura Nacional. Como bem lembrou um outro entrevistado da noite, não existe cultura sem memória. Sem Passado não se tem identidade! O encontro tinha tudo para entrar na história. O resultado, no entanto, poderá ser outro dependendo da avaliação que se fizer desde já.

Como nasceu essa pauta?

Depois de ininterrupto bombardeio durante quatro meses desferidos por inimigos ocultos ou desconhecidos e sem nenhuma expressão como a legião de “ativistas virtuais” que se autodenomina “defensores dos Artistas Nacionais”, Ana de Hollanda veio a São Paulo para dialogar com as categorias profissionais. Nesse ataque covarde e desproporcional não faltou abaixo-assinado pedindo “a cabeça” da Ministra (em nome exatamente do quê?). Para estancar a sangria foi preciso a própria Presidenta colocar uma pedra no assunto com um recado à Ana, “Resista, Resista”. Finalmente no mês de Maio de 2011, a bancada paulista do PT resolveu colocar em campo seu exército para acalmar os “aventureiros” – o governo não poderia suportar tamanha afronta. Sem vínculos partidários um pequeno grupo de artistas e intelectuais lançou um modesto manifesto em defesa da Ministra e da Cultura Nacional, conhecido como CartaAlerta. Uma copia foi enviada por nós à produtora do Programa do Jô, Anne Porlan. A soma de signatários, insignificante é verdade se comparada à “carta golpista” engordada artificialmente pelos “militantes virtuais” sem nenhuma relação direta com a produção Artística e Nacional. Essa é a origem do programa de terça-feira. No dia 11/05 Anne Porlan ligou para o nosso celular solicitando ajuda para chegar até Ana de Hollanda, relatando um episódio no mínimo surrealista, lembrado por Jô Soares nesse primeiro bloco. Ele mesmo havia ligado para a Assessoria do * MINC, e quem na oportunidade era responsável pela imprensa simplesmente interpretou o telefonema como uma “pegadinha”. Por certo, o funcionário não tem idéia da força que representa os artistas brasileiros e todos os assuntos que lhes dizem respeito. Daí achar que um telefonema do titular do programa estaria fora de qualquer propósito. Quando Jô lembrou esse telefonema, primeira “saia justa” enfrentada por ela, Ana bebeu tanta água que quase se afogou. Pena para alguns! Ana, conhecida como “chapa-quente” em outras circunstâncias a entrevista poderia entrar para a galeria dos grandes “barracos” da tevê brasileira. Porém, o que se viu foi um programa de Encontros e não de Desencontros. Estavam entre amigos, e tudo “acabou em samba que é a melhor maneira de se conversar…. ”

Como transcorreu a entrevista

 

Visivelmente pouco à vontade no primeiro momento, a ministra Ana de Hollanda foi à personagem central no programa Jô Soares nesta última quarta-feira (14 de junho) e por essa razão Marcos Azambuja, um Diplomata brasileiro atualmente membro do Conselho ** IPHAN foi pautado para ser entrevistado nesse mesmo dia. Logo de início Jô Soares, com fortes dores no nervo ciático daí sua aparente falta de energia, tocou na questão da aprovação de uma proposta da cantora Maria Bethânia, por parte do MINC (na verdade, *** CNIC) inclusive mencionando que a mesma teria desistido do projeto. Sobre esse tema que acabou mobilizando e pautando por algumas semanas a imprensa de uma forma geral (escrita e virtual), a ministra respondeu de forma técnica e eficaz até porque não cabe a ela decidir sobre o que é aprovado ou não. Restou saber se, de fato, as explicações causaram algum interesse do grande público. De qualquer forma, ao menos serviu para clarificar que existe um enorme abismo entre o que acontece nos bastidores e o que deveria saber esse imenso número de pessoas. Aos poucos, a entrevista foi ganhando contornos de uma metáfora sobre nossa realidade com ar de dramaturgia “pirandelliana”.

Anteriormente a isso, a ministra presenteou Jô Soares com um seu CD afirmando que não estava ali como cantora e justificando que antes não havia tido à oportunidade para o gesto. Ele, então lembrou o fato de ela ser irmã do compositor Chico Buarque de Hollanda, mas que naquele momento o assunto era outro dizendo que tinha à impressão de a Pasta da Cultura ser a mais difícil de administrar. Perguntou se ela esperava enfrentar o bombardeio que aconteceu, logo no início que assumiu o ministério e qual teria sido a razão de ela ter sido tão boicotada e se essa atitude não tinha uma conotação política partidária? A ministra afirmou que naturalmente sabia que encontraria dificuldades, pelo fato de lidar com opiniões diferentes e egos deparando com pensamentos e idéias próprias, embora tudo tenha sido mais violento do que esperava. Mencionou ainda a criação de uma nova Secretaria (Economia Criativa) e fez questão de falar sobre a parceria com outros ministérios, entre eles o da Educação. Encerrando o primeiro bloco Jô Soares adiantou que, além da questão Bethânia ainda falaria com sobre outros assuntos.

Embora havia apontado, não iniciou o segundo bloco com as perguntas, fazendo questão de apresentar um vídeo ao lado da ministra onde ela aparece cantando a música “No Rancho Fundo” (de Ary Barroso e Lamartine Babo – 1931), e só depois iniciou outra etapa de perguntas. A primeira questão, como estão atualmente os recursos do Ministério? Em relação a isso ela afirmou que fora gastos com pessoal e despesas físicas, está em torno de 806 milhões e muitos restos a pagar, mas que estão trabalhando em conjunto com parcerias e patrocínios como a Petrobrás, **** BNDS. Há também no Ministério os programas do ***** PAC II, passado pela presidenta, ao todo 800 praças a serem instaladas em zonas carentes bibliotecas, auditórios, assistência social. Ainda com outros ministérios, como o da Educação, com estudantes do Ensino básico e médio; Ciência e Tecnologia, além das Secretarias que lidam com o cidadão (Integração Social, Direitos Humanos, Secretaria da Mulher, e também a ***** GEL. Sobre Direitos Autorais ela explicou que a decisão final cabe ao Congresso, com posterior sanção da Presidência, informando que no final de dezembro o projeto de reformulação foi encaminhado à Casa Civil pela gestão anterior. “Assim como acontece com os demais projetos de outros Ministérios, são devolvidos a nós para avaliação, endossando ou não. Eu o examinei com a nova equipe de Direitos Autorais, e resolvemos aprofundar melhor algumas áreas como a de música, cinema, fotografia, literatura, teatro, solicitando que recebesse mais contribuições para em seguida fechar em cima de novas propostas e encaminhar ao ****** GIP Depois ele volta para a Casa Civil e Congresso Nacional, que dará a palavra final”.

Acompanhar a discussão que dominou corações e mentes dos “Internautas”, desde os primeiros movimentos e culminando com estar presente de corpo e alma na gravação da entrevista foi revelador. O Estúdio nas dependências da TV Globo-SP é parecido como uma fábrica de sonhos, dando a sensação que a partir de agora, sim, vamos conversar com algum equilíbrio sobre Cultura Nacional, porém como nos sonhos e na memória o resultado acaba tendo uma outra dimensão. Até o momento dezenas de críticos e/ou oportunistas pegaram carona na nomeação de um membro da família Buarque de Hollanda (como lembrou a deputada Telma de Souza), sem medir conseqüências danosas de algo parecido com o achincalhe por quase um semestre e, agora, vemos que nada se parece com o espetáculo de vaidades produzido artificialmente tinta gasta, postagens, e discussões virtuais a respeito vira pó. Mas, o que importa no momento é o que está registrado em imagens como certa vez disse Mario Schenberg, “Esse encontro valeu pelo que não foi dito”. Somadas as campanhas de prós e contras à Ana de Hollanda, o que vale a partir de agora é o “Programa do Jô”. Ou Melhor, o que não foi discutido. Quem sabe a generosidade que sobrou na noite de 14 de junho sirva para estimular gregos e troianos, horácius e curiácius, Caims e Abels, a se lançar em busca de um diálogo sério e franco. Paradoxalmente, nessa semana o jornalista Bob Fernandes, comentando a respeito de uma carta protocolar enviada ao ex-presidente FHC pela Presidenta Dilma, sugeriu que desde já abandonássemos a radicalidade que só interessa aos extremos (o lado ruim da vida Nacional que ganha relevância nas disputas eleitorais, segundo o jornalista) para ouvir o que de melhor existe de um lado ou de outro. Quem sabe esteja aí o caminho abandonado lá atrás, quando tanques, baionetas, e câmaras de tortura silenciaram os acordes dissonantes inventados no início da segunda metade do Século passado.

Resta saber se, de fato, a entrevista desta terça feira tem ou não relevância histórica. Vendo com os olhos da razão, parece que sim!

* Minitério da Cultura (MINC);
** Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN);
*** Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC);
**** Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDS);
***** Programa de Aceleração do Crescimento (PAC II);
****** Grupo de Estudos Lingüísticos (GEL);
******* Gabinetes de Inserção Profissional (GIP).

Por Suely Pinheiro (jornalista) e Jair Alves (dramaturgo)

Jair Alves

Ator, Diretor, Dramaturgo e Músico.

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  • Caro Jair, nunca vi tanta besteira em minha vida. Virar pó as críticas? Onde você andou, que não sabe que até o Senador Lindembergh esta tendo que negociar na CPI do ECAD a retirada do nome da Ministra Ana de Hollanda da pauta. Porque eles tem tanto medo da CPI do ECAD? Será que ira respingar na minitra e mostrar que todas as críticas tinham um fundamento, de que não importa quem seja, o sobrenome que carrega, nem mesmo seu conhecimento cultural, uma ministra de estado não pode ter postura pró empresas, organizações e negócios aos quais a mesma esta associada em vários níveis! Portanto tudo que dizem por ai, não se trata de algo pessoal, nem do sobrenome, nem da competência, mas de um posicionamento absolutamente suspeito que precisa ser investigado na CPI.

    Outra coisa, esqueçeu de dizer que ela e o Jô chamaram a classe artística brasileira de gente egóica e invejosa...
    A entrevista foi um fiasco e sugiro para quem leu este artigo que vá na página da globo e veja a entrevista pra ver a verdadeira posição de nossa ministra da cultura.
    Abraço

    Manoel J de Souza Neto
    membro do Conselho Nacional de Políticas Culturais

  • Senti vergonha de ver uma ministra da cultura tão despreparada, mais uma vez com respostas que nao condizem com a realidade dos fatos ou se percebe que não tem conhecimento do assunto, achei que o Jô forçou a barra, e parecia ter sido pago para fazer a entrevista.Tenho certeza que a ministra é uma mulher culta e inteligente mais isso não lhe garante a competência necessária para conduzir um ministério,como tem demonstrato até agora.

  • Segui o conselho dos comnetaristas acima e fui ver a tal da entrevista no portal G1. Sinceramente, um troço pífio, frustrante mesmo. Esperava finalmente ver assumida a mudança de orientação, o abandono da concepção antropológica da cultura, coisa nítida nas entrelinhas do discurso ministerial. Não concordo com essa mudança, acho um grande retrocesso, mas penso que isso deveria ficar claro, sem medo dos inevitáveis desgastes. Até porque, pelo que se percebe, o fogo amigo já foi devidamente "enquadrado". Mas fiquei decepcionado com o exemplo dado para a economia criativa, que parece ser o novo carro chefe do órgão:design de carros e de moda. Francamente...

  • No âmbito cultural o que temos produzido de mais expressivo são as celebrações aos nossos octogenários. Tanto FHC quanto Carlos Lessa mereceram e merecem as comemorações, João Gilberto também. E o que percebemos? FHC nos diz que falta um projeto nacional, temos que saber onde queremos de fato ser bons, não é possível querer ser bom em tudo. Qual é o projeto de Nação que pretendemos? Carlos Lessa nos diz que é neo nacionalista! Com toda coragem e liberdade sugere que a salvação está em assumir de vez a nacionalidade. João nos diz tudo e mais um pouco, João sobretudo.
    De outro lado a Flip vem de Osvald e a antropofagia. Se foi necessária no início do século passado, o que ainda pretendemos com a antripofagia. Já sabemos que engolimos tudo, reprocessamos, fizemos o país assim, mas e agora? O que esperamos e queremos de nós, o que o mundo está esperando de nós? Mais importações de tudo e extração? Vamos continuar engolindo tudo? O que FHC e carlos Lessa nos disseram? O que nos diz João Gilberto? Há umamadurecimento no sentido de nos aproximar de uma afirmação cultural? E o que seria necessário para isso? Quisemos tanto a estabilidade que a conquistamos, o que estamos querendo? Ou vamos ficar de Paul, Rock in Rio, Circs e outras mumunhas?

  • Ficar olhando para ana de hollanda ou para a dilma não adianta, a eleição já passou...vamos olhar pra frente, o que queremos de fato? Incentivo para importar ? Dólar mais barato? Cultura sem relevância, tudo importado? O que queremos? Como vamos circular a música brasileira, como vamos impor um novo modelo?
    Jô Soares?...francamente...fez campanha contra o Lula direto, já esqueceram? Agora Jô Soares?...ele que chame as meninas do Jô pra junto dele. O que interessa Jô Soares?

  • Prezados,
    Não faço parte de nenhuma das correntes (contra ou a favor) que vêm discutindo os assuntos que tanto assombram a Ministra da Cultura.
    Não tenho, como podem perceber, opinião formada sobre assuntos como direitos autorais, a questão da aprovação de projetos via Leis de Incentivo, ...
    No entanto, como um espectador assíduo do programa do Jô, devo dizer que a entrevista foi "sofrível". Uma das piores que já assisti, que deixou a sensação de que a Ministra estava completamente perdida (e/ou extremamente nervosa).
    As respostas e, principalmente, a postura, não são apropriadas para o cargo máximo da Cultura de nosso país.
    E confesso que me desapontei com as falas do apresentador, que deveria manter imparcialidade nesta situação. Porém, tendo sido notória sua tentativa de ajudar a Ministra a defender seus pontos de vista e de lhe dar credibilidade. Acho, entretanto, que o objetivo não foi alcançado.
    Ao final da entrevista, senti um pouco de vergonha pelo resultado do programa.
    Luciano.

  • Jô Soares e a Globo tentaram levantar a bola para Ana de Hollanda, mas ela não soube sequer dizer o que é IPHAN. Triste para o Brasil.

  • Sr. Jair, seu artigo foi de igual valor e teor a entrevista feita pelo apresentador Jo Soares.

    O grande filósofo do cinema norte americano Jean Claude Van Dame fez muito melhor em "Retroceder nunca, desisitir jamais".

    Democracia é isso aí, para além do bem e do mal.

    Jair, quero botar meu pé aí.

    William.

  • Ela estava bastante perdida, coitada. E desperdiçou uma grande oportunidade de se explicar, conversar sobre as críticas, abrir o jogo de vez! Poderia ter feito de maneira bem humorada, de qualquer maneira, menos assim... "Meu pai me levava pra escola de Mercedez", NOT! Não é pra mentir, é pra não ser gratuito, porra! Agora, assim, um assessor não conseguir preparar uma ministra pra uma entrevista no Jô é porque o negócio tá feio. Juro, melhor seria ela ter ficado quieta, em casa, recebendo as críticas e se torturando. Bem ruim.

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