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Arte e empreendedorismo no Pará

Neste domingo (4/10), a Boulevard Castilho França, rua histórica de Belém (PA), recebe a 2ª edição do Boulevarte. O evento reunirá 80 expositores que têm negócios criativos e, segundo a organização, gerará cerca de 500 empregos diretos e indiretos.

“O Boulevarte surgiu de uma constatação: em Belém, as pessoas não vivem a cidade, não frequentam as ruas, ou fazem isso muito menos do que deveriam, levando em conta tratar-se de uma cidade de arquitetura histórica e veia cultural fortíssima, gastronômica e artística”, conta Victor Hugo Rocha, produtor cultural e pesquisador de economia criativa na Amazônia.

O empreendedor Ney Messias conheceu o conceito de cidade para pessoas, de Jan Gehl, enquanto pensava em abrir um empreendimento cultural no Centro Histórico de Belém. Conversando com empresários e artistas que já atuam naquela área, observou que em frente a uma avenida chamada Boulevard Castilho França havia uma grande praça abandonada. A praça fica próxima a pontos turísticos, como o Ver-o-Peso e a Estação das Docas, mas mesmo assim o lugar parecia invisível para a maioria das pessoas. Foi então que surgiu a ideia de criar um movimento artístico/cultural no lugar.

Muita gente nem sabia que sua atenção fazia parte da chamada Economia Criativa, ou que suas criações poderiam se estabelecer como algo mais lucrativo e profissional. “Com as reuniões do Boulevarte acontecendo, as ideias foram sendo esclarecidas e desenvolvidas. Muitos expositores nasceram do Boulevarte, viram amigos produzindo e perceberam que a sua produção também cabia no conceito ‘criativo’. Esses já estão participando da segunda edição do evento”, diz Rocha.

As iniciativas em espaços públicos da cidade, segundo ele, costumavam ser feitas de cima pra baixo, sem envolvimento da classe, seja de artistas ou empreendedores, exceto alguns poucos festivais organizados por empresas específicas voltadas para a cultura, como o festival de música SeRasgum, que em novembro chega à sua 10ª edição.

Para o diretor artístico do SeRasgum, Marcelo Damaso, as maiores dificuldades encontradas pelos produtores culturais no Pará são a distância e o preço que se paga pelos serviços. “Não temos um fundo de cultura estadual ou municipal e tudo com que contamos são leis de incentivo que contam com a boa vontade empresários, que recebem isenção de impostos. No entanto, esse aporte é cada vez mais complicado porque existem diversos impedimentos legais que fazem com que empresários não invistam. Então estamos vivendo um dos melhores momentos da nossa cultura, mas dando murro em ponta de faca”, aponta.

A sorte, segundo ele, é ter um público ávido por novidades e uma rádio e uma TV estatais (Cultura) que apoiam esse tipo de movimento e abrem as portas para a cultura paraense e a nova música brasileira. Mas o mercado ainda precisa de muito para andar só, se retroalimentar e se formar como mercado auto-sustentável, lembra Damaso.

A produtora SeRasgum criou um festival instrumental novo no Mercado de Carnes do Ver-o-Peso, com artistas locais e de fora, e conseguiu um patrocínio do banco do Estado do Pará, via Lei Rouanet. Uma vez por mês promove o projeto Casa Aberta, com shows gratuitos em um espaço onde funciona também seu escritório. Há ainda uma semana de oficinas relacionadas à música, que nesse ano ano foi para duas cidades no interior do Pará, e as Seletivas Se Rasgum, que dão oportunidade para bandas novas. “Criamos cada vez mais projetos para manter Belém como uma capital que vive esse momento cultural bacana, com ou sem patrocínio.”

Oferta e procura – Todos os dias, empreendedores e produtores tentam criar atividades e momentos que supram a demanda por cultura. “O Pará é rico demais, em todas as áreas da economia criativa temos recursos humanos incríveis, seja na tecnologia, na gastronomia, artes plasticas, moda. Acreditamos muito que o trabalho em rede e colaborativo é a melhor forma de superar os grandes desafios que as atividades criativas nos mostram, fortalecer a cadeia produtiva local”, afirma Daniel Silva, sócio-produtor da Galeria Gotazkaen, responsável por diversar iniciativas artísticas que visam compreender a arte de rua e a produção criativa urbana de Belém.

O trabalho começou em 2008, como um estúdio de fotografia e design. Passou para o desenvolvimento de uma revista (Gotaz) abordando manifestações independentes da cultura em Belém e hoje envolve atividades como eventos semanais de troca de saberes e experiências sobre práticas culturais (Gotaz on the table); encontros com novos nomes da música paraense (Carimboom); grupos de estudo de literatura, estética, música e tecnologia; exposições artísticas; e uma escola de atividades criativas.

Além disso, fazem intercâmbio com artistas e grupos de outros locais. Esse ano já tiveram a residência do músico equatoriano Ata Wallpa, e receberam para um bate-papo o curador da Red Bull Station, Fernando Velázquez. Em 2014 receberam o Acidum Grupo de Fortaleza. “Por mais redundante que essa resposta possa ser, nossa maior dificuldade continua a ser o investimento nos aparelhos culturais, tanto os públicos quanto os privados. Ainda há muita dificuldade quando se trata de recursos monetários, quando paradoxalmente não existe quase nenhuma dificuldade quando pensamos na riqueza dos recursos intangíveis. Belém é uma cidade riquíssima em cultura”, completa Silva.

Segundo Rocha, existe dificuldade em estabelecer um diálogo entre os inovadores urbanos e os gestores públicos, algo que o Boulevarte pretende ajudar a mudar. Além disso, Belém encontra-se na mídia como uma das capitais mais violentas do Brasil. “Há uma sensação de abandono e muito embora o paraense conheça a sua cultura e o seu valor, existe baixa autoestima com relação à vida na cidade.”

Desde junho, quando aconteceu a primeiro edição do Boulevarte, dois eventos de menor porte aconteceram na Praça dos Estivadores, um deles promovido pela própria prefeitura, que nunca tinha usado o espaço antes. Rocha conta que o local tornou-se mais frequentado e mais utilizado, incluindo ações do grupo cultural Arraial do Pavulagem, que ocupa um casarão antigo na área, e de dois artistas visuais, Drika Chagas e Sebá Tapajós, que trabalham com grafite e costumam atuar em áreas históricas da cidade.

O próprio Boulevarte quer fazer parte do calendário da cidade, sendo promovido duas vezes por ano. No primeiro foram cerca de 75 expositores, agora chega a 100. A primeira edição teve um orçamento de R$ 80 mil, agora chegou a R$ 130 mil, com patrocínio do Sebrae e da Estácio. Há também a ideia, ainda embrionária, de ser itinerante e alcançar outros bairros da cidade, recuperando outras áreas.

 

Mônica Herculano

Jornalista, foi diretora de conteúdo e editora do Cultura e Mercado de 2011 a 2016.

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