Autor de A Grande Feira, uma investigação sobre o mundo e o submundo do mercado das artes, o jornalista Luciano Trigo fala sobre nós e mitos da arte e do mercado no país: “hoje não existem, fora do mercado, critérios para diferenciar uma obra boa de uma obra duvidosa”.
Trigo discute também a relação entre o mercado brasileiro e o global: “existe um discurso ufanista de que a arte brasileira está ‘bombando’ lá fora, mas são casos pontuais. Nossa posição ainda é periférica.”
Aponta também os problemas sobre o controle de operações deste mercado: “é sabido que a total falta de controle nas transações de compra e venda de obras de arte no Brasil faz com que esse mercado seja fértil para operações de lavagem de dinheiro de origem ilícita”, diz o autor.
Luciano fala ainda sobre a Bienal de São Paulo e sobre o domínio das grandes corporações sobre as instituições culturais brasileiras. Leia a entrevista na íntegra:
Leonardo Brant – Como está o Brasil em relação ao mercado global das artes? Qual o tamanho do mercado local e como ele se relaciona com o panorama mundial?
Luciano Trigo – É muito difícil dimensionar o tamanho do mercado, porque os indicadores são vagos e não há transparência. É certo que, na arte contemporânea – por convenção, a arte produzida por artistas nascidos após 1945 – surgiram, nas últimas duas décadas, alguns nomes brasileiros que conseguiram se inserir no circuito internacional, por mérito próprio e pela maior profissionalização de galeristas. Vale citar aqui a importância crucial da ação estratégica, nos anos 80 e 90, do falecido Marcantonio Vilaça, a quem toda uma geração de artistas deve muito. Isso é bom, mas se a gente analisar os indicadores mais confiáveis do exterior, a conclusão é que a participação brasileira ainda é muito pequena. Por exemplo, o portal Artprice elabora um ranking rigoroso com base em vendas realizadas em leilões no mundo inteiro. No último ranking divulgado, entre os 500 artistas mais valorizados, só aparecem quatro brasileiros (Vik Muniz, Adriana Varejão, Beatriz Milhazes e Cildo Meireles) enquanto artistas de outros países emergentes, como a China e a Rússia, se contam às dezenas. Ou seja, existe um discurso ufanista de que a arte brasileira está “bombando” lá fora, mas são casos pontuais. Nossa posição ainda é periférica.
LB – O seu livro escancara as relações entre artistas, galerias, marchands, curadores e dirigentes de museus e instituições culturais. Quais os desvios de função mais aparentes desses profissionais? Você acredita numa retomada ética no mundo das artes? Para onde vamos com isso?
LT – É uma questão complexa. Em qualquer época, agentes, práticas e instituições se articulam para constituir um sistema da arte, que privilegia e valoriza determinadas formas de expressão artística em detrimento de outras. A minha hipótese é que, por uma conspiração de fatores, hoje não existem, fora do mercado, critérios para diferenciar uma obra boa de uma obra duvidosa. Há uma comunhão de interesses entre as elites dos diferentes setores do sistema: as práticas dos críticos, professores de arte, curadores e administradores de instituições se confundem cada vez mais, e frequentemente eles trocam de papéis. Isso favorece uma lógica de compadrio, da panelinha, do clube fechado, na qual os relacionamentos contam muito mais que o valor artístico. Daí a multiplicação de obras extravagantes apresentadas como relevantes, no Brasil e no exterior: na França um importante museu de arte contemporânea abriga uma exposição de porcos tatuados, do artista belga Wim Delvoye. Já no Salão de Artes Visuais que está acontecendo agora em Natal, uma artista fez uma performance em que ficou nu e tirou um terço do ânus – isso num Salão oficial. Ou seja, a absoluta falta de critérios, justificada por um suposto pluralismo pós-moderno, está transformando em arte oficial, acadêmica, uma produção tola, uma releitura tosca de práticas que, na melhor das hipóteses, foram inovadoras 50 anos atrás. Acho que não se trata de levar isso para o campo da ética, até porque o principal argumento de quem defente esse tipo de produção é acusar de moralista e reacionário qualquer tipo de questionamento. Meu propósito no livro “A Granfe Feira” foi investigar um fenômeno sociocultural, não tive a pretensão de fazer julgamentos éticos.
Agora, por outro lado, é sabido que a total falta de controle nas transações de compra e venda de obras de arte no Brasil faz com que esse mercado seja fértil para operações de lavagem de dinheiro de origem ilícita. Não é á toa que banqueiros, megainvestidores e até narcotraficantes condenados pela Justiça nos últimos anos eram donos de coleções milionárias de obras de arte. Mas esse assunto já foge ao escopo do livro. Outra questão importante, que merece ser investigada com mais profundidade, é a da privatização da cultura, com a ação de grandes corporações intervindo no mercado e esvaziando o papel dos museus públicos.
LB – Como a arte serve a indústria financeira nos dias de hoje?
LT – Outra hipótese que levanto no livro é que a importância dos artistas mais valorizados no mercado internacional hoje está em valer muito dinheiro – e apenas nisso. Assim, se um quadro de Matisse vale como arte independente do que diga o mercado, as obras de Jeff Koons e Damien Hirst só valem dentro do mercado, que é altamente manipulável pelo marketing e pela mídia. Ninguém daria atenção a esses artistas se não soubesse que valem milhões de dólares. Sintomaticamente, Jeff Koons trabalhou no mercado financeiro, enquanto Damien Hirst foi praticamente inventado pelo magnata da publicidade Charles Saatchi, que ficou famoso por comandar a campanha vitoriosa do Partido Conservador, da neoliberal Margaret Thatcher, que tirou os trabalhistas do poder na Inglaterra – história bem documentada em mais de um livro. Ou seja, tudo se articula. Ao triunfo do modelo econômico neoliberal correspondeu a emergência de um sistema neoliberal da arte, no qual a esfera do lucro e da espetacularização se sobrepôs à arte propriamente dita. É a lógica desse sistema que eu tento decifrar em “A Grande Feira”, certamente de forma imperfeita. Mas o livro está tendo respostas muito boas em todo o Brasil, o que mostra que havia uma demanda reprimida por esse debate.
LB – Em sua opinião, a ausência de uma política para as artes é um dos fatores dessa fragilização ética? Como poderia atuar uma política nacional para as artes?
LT – Como eu disse, prefiro afastar a discussão da esfera da ética. Também não tenho muita clareza sobre qual deve ser a ação ideal do Estado na área das artes plásticas. Mas certamente a posição da classe artística também não é consensual: recentemente o Cildo Meireles deu uma entrevista criticando o “dirigismo cultural” e defendendo que a arte é assunto para a esfera privada, mas duvido que a maioria dos artistas concorde com isso. Eu, pessoalmente, acho que o foco deveria ser estimular uma produção mais diversificada e fortalecer o mercado interno, valorizando as manifestações artísticas regionais e independentes. Arte não deve ser monopólio de uma elite frequentadora de bienais e feiras internacionais. O discurso sobre a arte tampouco deve ser monopólio de uma elite. Também é preciso parar para refletir sobre o ensino da arte nas universidades. Muitos professores de arte hoje babam para Damien Hirst mas nunca ouviram falar, por exemplo, de Samico, o maior gravurista brasileiro vivo. Numa das centenas de mensagens que recebi, uma estudante de Artes Visuais da UERJ contou que um professor disse em sala que não era mais preciso aprender técnica, pintura, nada. “Deve ser porque ele não sabe pintar”, ela disse. E tem toda razão.
LB – Quais as suas expectativas em relação à Bienal de SP, prevista para o segundo semestre de 2010?
LT – Depois do fiasco da última Bienal, chamada de “Bienal do Vazio”, o que vier será lucro. Mas é quase consensual hoje que esse modelo das grandes Bienais está em crise. Em todo caso, a lista de artistas convidados já divulgada mostra que há uma valorização de nomes brasileiros dos anos 70, combinada com a presença de algumas estrelas internacionais, como Steve McQueen – cuja obra mais famosa é a reencenação de um trecho de um filme pastelão do Buster Keaton, uma grande bobagem que lhe valeu o Turner Prize, que aliás costuma premiar grandes bobagens. Também li que vão montar meia dúzia de terreiros no pavilhão, o que já é algo preocupante. Por fim, um dos curadores declarou numa entrevista que essa Bienal será um laboratório para algo que ele ainda não sabe direito o que é. Essa declaração é muito reveladora do atual estado das coisas.
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UM PING PONG ONDE LUCIANO AFIRMA QUE O MERCADO ESTA MAIS A SERVIÇO DA LAVAGEM DE DINHEIRO,OU SEJA:CORRUPTO,E DEPOIS AFIRMA QUE FORA DO MERCADO NÃO SE TEM RECURSOS PARA AVALIAR SE A ARTE É BOA OU RUIM.
BLÁ,BLÁ,BLÁ!
FOGE DE COMENTAR A ÉTICA E OS MÉTODOS USADOS AQUI NO BRASIL E...,FEZ UM LIVRINHO PRA GANHAR DINHEIRO!
PODE ABAFAR,BRANDT!
Olá Leonardo,
não concordo com o "altamente recomendado" sobre esse livro e esse autor.
Se quiser saber algo de fato sobre o que acontece no campo das artes visuais teria que entrevistar profissionais (artistas, criticos ou curadores, pesquisadores e etc) com trajetória e PRÁTICA no campo que se fala ou discute.
Simplificar as coisas em "fiasco", ou mesmo delegar respostas específicas ao contexto das artes visuais para alguém que superfizializa e banaliza a produção contemporânea de arte, sem chegar nas camadas além do que óbviamente se vê, é bem complicado.
atenciosamente,
r.
Ou a arte morreu, ou migrou para outro lugar, que não conseguimos mais enxergar por uma simples questão de espaço-tempo. Tomara que seja a segunda alternativa. Gostaria de saber um pouco mais sobre o "público" de arte também, o que pensa, como reage a esse cenário. Sou ex-frequentador de museus e galerias. A situação retratada na entrevista fez com que eu já há um certo tempo simplesmente passasse a ignorar tudo o que é declarado como arte por estes aparelhos culturais e sua cadeia produtiva. Tanto pela especulação financeira, que contamina o valor (valor, não preço) da obra, quanto pelas questões estéticas/conceituais. Terço saindo do cú e iconoclastias similares já deram o que tinha que dar. E quando eu vejo um Vik Muniz da vida, penso "legal", mas não passa disso.
Leonardo:acampanho seu blog e recebo o newsletter.Oportuna esta entrevista com Trigo pois atualmente não se discute mais arte,os curadores "enfiam goela abaixo" dos espectadores o que julgam ser arte relevante, o que obedece a criterios subjetivos.Hoje como o mercado artistico movimenta milhões de dolares a relação promiscua entre galeristas,curadores e diretores de museus é vergonhosa.Um troca- troca:voce é curador aqui,chama seu rol de artistas ,depois me convida pra ser curador ali,eu levo meu rol de artistas e por aí vai.O capital entrou com força no mercado de arte e hoje cada artista é uma commodity a ser vendida mundo afora.A critica de arte foi dizimada para que o monopolio do que é arte "boa" fique nas mãos do tripé galeristas,curadores,diretores de museus.E tenham certeza muitos dolares entram nesta ciranda.Não se discute mais Estetica,tecnica,proposta,ideologia,basta apenas ter uma boa ideia,fazer uma "bula"que confunda mais ainda o espectador e pronto.Claro ,existem exceções e artistas serios.Recomendo a leitura:voce deve julgar e não deixar "outros"fazerem sua cabeça.Voce como espectador é o mais importante e seu feedback vale mais que o de 1000"experts"Abraços Octaviano,Bahia
Samico, grande Samico, o maior Poeta vivo do brasil - ainda que o brasil não queira, não saiba, não mereça, não faça questão. azar o nosso!
Eu também nunca tinha ouvido falar em Gilvan Samico!
Fui buscar uma idéia vaga (em rgb) da obra dele agora...
Eis um artigo realmente crítico. O problema da dominação das Artes Plasticas pelas elites é determinante de engodos e supervalorizações no mercado . O vídeo e a arte digital são mais democraticos pois teem outros canais de visibilidade . Daí recomendo a Bienal 2010 01 de San Jose, California
O tema da Bienal 2010 01 SJ é Construa seu próprio mundo .
Este tema é baseado na noção de que artistas, engenheiros, designers, arquitetos, corporações e cidadãos, temos os instrumentos para reconstruir o mundo em ambos os sentidos, de modo amplo e de formas pontuais, atuando ao nosso redor.
O diretor da 2010 01 SJ Bienal, Steve Dietz, diz:
"Este ano a Bienal é acerca de como idéias e indivíduos inovativos são poderosos em todo o mundo, como podemos fazer a diferença e juntos construir uma plataforma diferenciada para soluções criativas e engajamento público que envolva cada uma das cidades como um todo.
Estamos falando acerca de alimentar a imaginação e a inspiração necessárias para construir um mundo no qual queiramos viver e no qual somos capazes de conviver".
Os comentários de Luciano Trigo levantam questões importantes em relação ao mercado de arte. Atinge também os conceitos de arte contemporânea que "constroem" artistas ao sabor da mídia atual: arte capitalista globalizada que atende os desejos de galeristas e curadores. Seus argumentos tem que ser considerados e relevados, mesmo não agradando alguns. Esta entrevista mostra um pouco de sua visão. Criticar sem ter lido é apenas um comentariozinho de quem deveria ficar calado.
Hoje a mídia e o mercado fazem ídolos da noite para o dia , mas também destroem ... só não admite isso quem não quer ver ... Falar mal e colocar culpa na mídia e no mercado e fazer usso disso para se tornar conhecido é no mínimo uma incoerÊncia ... para não dizer outra coisa .
BOM DIA,
SOU CRITICO DE ARTE NO JORNAL EL HERALDO DE CHIAPAS ( http://WWW.ELHERALDODECHIAPAS.COM.MEX)E,TENHO INTERESSE EM LER O LIVRO E OPINAR. MAS OS LIVROS DE ARTE DE BRASIL NAO CHEGAM A CHIAPAS.
MAGNO FERNANDES DOS REIS.
BIBLIOTECA DE ARTES PLASTICAS
CAFE RELAX. ARTE Y CULTURA
GALERIA DE ARTE GUSTAVO FLORES DOS REIS
CALLE DIEGO DE MAZARIEGOS, 19
CENTRO HISTORICO
SAN CRISTOBAL DE LAS CASAS. CHIAPAS. MEXICO