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Arte + mercado: um ecossistema

“Somos um mercado de grandes empresários, precisamos nos tornar também um mercado de grandes empresas.”

A afirmação é de Pedro Tourinho, publicitário, especialista em entretenimento e mídia, com passagem pelos Grupo ABC, Rede Record e Organizações Globo.

Para ele, a relação entre marcas e artistas no Brasil sofre com a informalidade e a fragilidade nas negociações. Dessa constatação, e com o objetivo de ajudar os protagonistas desse negócio no desenvolvimento de todo o seu potencial artístico, de entretenimento e de mercado – sem precisar de um segundo plano -, foi que surgiu a ideia de criar a NoPlanB.

Focada em comunicação e desenvolvimento de negócios para marcas, artistas e personalidades do mundo do entretenimento, a agência tem poucos meses de vida, mas já está presente no Rio de Janeiro, onde fica sua sede, em São Paulo e Los Angeles. Entre seus principais clientes estão Gilberto Gil e Criolo.

A ideia de Tourinho é trabalhar em três frentes: para o mercado publicitário, oferecendo uma forma mais eficiente e econômica na negociação com artistas e talentos em geral, inclusive internacionais; para os artistas, serviços de branding e comunicação, planejamento de carreira, agenciamento, além de desenvolvimento de projetos especiais de entretenimento; e no desenvolvimento de projetos proprietários em parcerias de co-criação e co-produção entre marcas, artistas, produtores e canais de distribuição.

Em entrevista ao Cultura e Mercado, ele analisa o mercado de entretenimento no Brasil e conta como pretende atuar nesse cenário.

Cultura e Mercado – Quando e como nasceu a ideia da NoPlanB?
Pedro Tourinho – A NoPlanB surgiu da clara percepção de que o mercado de talentos no Brasil precisa dar um passo em direção a tornar-se uma indústria mais profissional, formal e estabelecida. Esse gap de profissionalismo abre espaço para oportunistas de todos os tamanhos. Enquanto você tem um ambiente de mídia maduro e formado, grandes produtoras de conteúdo atuando no mercado, uma rede de grupos de comunicação e publicidade alinhadas internacionalmente, no Brasil o ecossistema dos talentos, das carreiras artísticas, dos direitos autorais e de imagem, ainda funciona quase na informalidade. Somos um mercado de grandes empresários, precisamos nos tornar também um mercado de grandes empresas. É o caminho natural de crescimento e de consolidação. Assim aconteceu com os grupos de mídia, com as agências de publicidade, vem acontecendo com as produtoras de conteúdo e nossa aposta é de que irá acontecer também com os gestores de talentos.

CeM – Você se baseou em que modelos de negócios – nacionais ou estrangeiros – para criar a empresa?
PT – Quando resolvi fazer minha transição profissional do mercado publicitário para o do entretenimento passei uma temporada em Los Angeles, vivendo e estudando Hollywood. Lá o mercado de talentos é gigantesco e as empresas oferecem seus serviços de forma segmentada. A NoPlanB segue, de um lado, o modelo das grandes talent agencies, como CAA, WME, UTA, etc. São agências que representam um número maior de artistas de diversos segmentos, que trabalham junto com os empresários e que estão no mercado para construir carreiras e fazer negócios. Por outro lado, vamos seguir também o modelo de outras empresas americanas que atuam também na área dos talentos, mas com atividades mais voltadas às marcas e ao mercado publicitário. Acreditamos que um modelo híbrido é o mais indicado para o nosso mercado neste momento.

CeM – A agência tem sido divulgada como uma empresa que surge para “facilitar a conexão entre marcas e artistas”. Na prática, como isso deve acontecer?
PT – Estive dos dois lados da mesa de negociação: tanto como publicitário e executivo de marketing, tanto como representante de artistas e de marcas de entretenimento. A negociação sempre acaba por ser complicada porque falta repertório comum entre as partes e não há métricas, parâmetros nem boas práticas estabelecidas no mercado. A agência de propaganda se relaciona com o artista como se estivesse comprando o produto numa prateleria, e o artista, que não quer ser vendido, na maioria das vezes tira um preço qualquer da cartola. Nos mercados mais desenvolvidos o papel de fazer esses negócios é de empresas, agências especializadas em talentos, que têm domínio sobre o mercado. Afinal, não se pode exigir que o artista ou a agência de publicidade estejam confortáveis com linguagens e atividades tão distintas do que fazem no dia a dia.

CeM – Ainda há muita gente que critica a relação entre cultura e mercado, alegando especialmente que o patrocínio privado se sobrepôs ao fazer artístico e hoje é quem define o que é criado e para quem – em detrimento de quem “realmente faz”. Você acredita que hoje seria possível separar as duas coisas? Existe algum jeito de viver de arte hoje sem pensar em relações de mercado?
PT – Arte e mercado sempre fizeram parte do mesmo ecossistema. Sempre. Existem os que topam tudo por dinheiro, existem os que não consideram patrocínios uma possibilidade e há os que sentam à mesa para conversar, e essa é a maioria. O importante é que o artista se mantenha íntegro com o que acredita. Nas relações com o mercado vale a máxima popular de que “o combinado não sai caro”. E nosso papel como agentes é deixar tudo muito bem combinado, para que não haja mal estar no decorrer do percurso. Acho que no Brasil existe um medo muito grande no relacionamento entre empresas e artistas exatamente porque essa relação tem sido em geral mal administrada, trazendo uma experiência ruim para ambas as partes. Temos de atuar como facilitadores para promover parceiras e relações de longo prazo mais tranquilas, justas e positivas para todos.

CeM – De que maneira a relação artista e empresas/marcas pode ser trabalhada sem prejudicar – e pelo contrário, estimulando – a criação artística e o acesso a uma maior diversidade cultural?
PT – Durante o processo de negociação não se pode perder de vista que o que está na mesa: o trabalho do artista, e a relação que o mesmo tem com seu público. É isso que fez a empresa ter interesse e muitas vezes temos de lembrar isso durante o percurso, para não se perder de vista o objetivo central da conversa. O artista, por outro lado, tem de entender que o combinado não sai caro. Simples. Se combinou algo, tem de cumprir, se não pode se comprometer, não vai ficar à vontade, não coloca no contrato. O segredo para essas relações darem certo é manter o diálogo nesse nível de clareza e consciência, e sempre no sentido de construir parcerias de verdade onde todos saiam ganhando.

CeM – A NoPlanB também deve desenvolver projetos patrocinados? Qual a sua visão sobre as leis de incentivo à cultura? Hoje seria possível atuar sem elas?
PT – As leis de incentivo à cultura e ao mercado existem em todos os lugares, até mesmo em Los Angeles, que recentemente aprovou um plano de incentivo para que os filmes continuassem a ser rodados na cidade, pois estavam perdendo espaço para outros países e estados americanos. É natural, é política de Estado e ao meu ver não só deve seguir, como deve aumentar. Mas é preciso que se desenvolva mecanismos para que haja um equilibrio maior entre cultura e mercado na distribuição dos incentivos. Como a grande contrapartida, além da isenção fiscal, é a visibilidade que o projeto cultural dará ao patrocinador, naturalmente grandes eventos e grandes artistas são privilegiados em detrimento ao produtor e artista independente. Fora isso, tornou-se quase impossível atuar sem as leis, pois a maioria desses grandes patrocinadores só investem através das mesmas, o que é errado, cria uma distorção de propósitos – só vale investir em cultura se houver isenção fiscal? – e tem de ser ajustado. Ou seja, precisamos de programas de incentivo à cultura, a Lei Rouanet é muito importante para o país, mas o modelo atual tem de ser revisitado. A NoPlanB desenvolve projetos patrocinados através de lei, vamos seguir jogando o jogo ao passo que vamos trabalhando para mudar o jogo.

CeM – Você está trabalhando com dois músicos de duas gerações distintas, mas ambos reconhecidos por público e crítica. Quais os desafios na criação de novas estratégias para cada um?
PT – Cada artista que trabalhamos tem uma trajetória única, demandas específicas e estratégias que elaboramos juntos para atingir seus objetivos. Aprendemos também com a jornada e as questões de cada um, e essa troca é muito rica para todos. O grande desafio é não cair nas formulas fáceis, entender que cada artista tem sua própria jornada, seu próprio caminho, e o que funciona para um não necessariamente funciona com outro.

CeM – O que você identifica como principais erros dos brasileiros no mercado do entretenimento?
PT – Na minha opinião, o principal erro do mercado do entretenimento é render-se ao oportunismo e à informalidade. É aquela velha pergunta, “com nota fiscal ou sem?”, são as inúmeras comissões para terceiros em cima de qualquer negócio, a falta de leis trabalhistas adequadas ao trabalho que realizamos, leis populistas como a da meia entrada, que ignoram – e inviabilizam – nossos modelos de negócio, é a ausência de cursos superiores no segmento… a lista é grande, mas temos de ter fôlego para brigar pelas mudanças que nosso mercado precisa. É nessa direção que temos de seguir, de construção de um mercado sério e formal.

Mônica Herculano

Jornalista, foi diretora de conteúdo e editora do Cultura e Mercado de 2011 a 2016.

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