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As propostas para a cultura dos candidatos à presidência

Falta de estruturação marca as propostas de Cristovam Buarque e Geraldo Alckmin. Lula se volta para a continuidade de ações e Heloisa Helena não tem programa

Conheça a seguir os programas de governo na área da cultura dos quatro principais candidatos à presidência do país.

CRISTOVAM BUARQUE (PDT) – O programa de governo “Como fazer – a revolução pela educação” lista apenas sete ações de “como fazer para disseminar a cultura no seio do povo”:

1. Implantar o programa Arte na Escola, para o desenvolvimento e o estímulo de atividades artísticas e culturais nas escolas.

2. Implantar o programa Arte nas Ruas, para a promoção de atividades artísticas nas praças públicas.

3. Implantar o programa Temporadas Populares, com a implantação de programação artística a preços populares, disseminando ocontato com as artes pela população brasileira.

4. Recuperar os museus brasileiros, articulando-os às atividades curriculares em todas as escolas públicas e privadas.

5. Liberar o uso das edificações portuárias e de outros imóveis públicos desativados para finalidades culturais.

6. Incentivar a implantação de centros de excelência em dança no país.

7. Fazer valer a lei do curta-metragem nacional, a ser exibido antes das produções estrangeiras nos cinemas.

As ações não parecem fazer parte de uma proposta maior, e não chegam sequer a esboçar um programa de políticas públicas para a cultura. Para explicar a razão de essa área receber tão pouco espaço no programa de Cristovam, o cineasta Silvio Tendler – um dos formuladores do documento para a área da cultura – afirma que o candidato “é um obcecado por educação e fez deste tema sua peça única de campanha. Ao ajudar a redatar seu programa de governo na área evidenciei que a educação não caminha sem a cultura.”

Cultura e Mercado perguntou a Tendler porque a dança recebeu uma menção específica no programa. A resposta: “Não é uma má idéia, você concorda? Um programa é composto por muitas cabeças e preocupado em ouvir muitos. Cristovam contemplou a área de dança convencido que foi da sua importância”. Também questionou como o cumprimento da lei do curta-metragem ajudaria a “disseminar a cultura no meio do povo”, já que a maior parte da população não tem sequer acesso às salas de cinema. “O curta é uma grande escola de cinema, de experimentalismo das vanguardas, elo com a criação brasileira e antídoto ao lixo que nos invade, além de movimentar a economia do cinema. É uma lei que deve ser cumprida”, respondeu evasivamente o cineasta.

E após a liberação de uso dos imóveis públicos desativados para finalidades culturais, conforme proposto pelo programa, quem assumiria os gastos com a construção desses espaços culturais? De acordo com Tendler, “a ocupação de espaços pela cultura tem um valor simbólico que não deve ser delimitado a áreas mas em todos os terrenos. No mundo as áreas portuárias desativadas cumprem diferentes finalidades que não podem obedecer a regras estritas. Cada estado deverá executar uma política de acordo com suas características.”

Um ponto que chama a atenção nas propostas para a cultura de Cristovam Buarque é a ausência de qualquer menção às leis de incentivo, reconhecidas como uma das questões centrais da área cultural no Brasil e que precisam ser melhor resolvidas. Por que elas não aparecem no programa? “Porque Cristovam acredita mais nas coisas que emanam do povo do que na Cultura de Estado. Ele diz, por exemplo, que quando todas as crianças estiverem na escola em boas condições, não precisaremos pedir dinheiro a banqueiros para fazer nossos filmes porque haverá um mercado consumidor forte.”

GERALDO ALCKMIN (PSDB/PFL) – A cultura ganha um capítulo específico dentro do seu programa de governo, com o mote “uma questão estratégica na busca do desenvolvimento”. O documento afirma que “a idéia de desenvolvimento e de justiça social, no mundo de hoje, exige uma postura nova e arrojada em relação à cultura. Há que situá-la no plano das preocupações maiores de qualquer governo, considerando, inclusive, o crescimento da produção cultural no PIB e a forte geração de empregos do setor cultural”.

Mas o conjunto de dezesseis propostas parece desestruturado. Duas delas trazem a questão do isolamento das áreas cultural e educacional, que já começou a receber atenção da gestão atual do MinC: “Estender a política cultural aos campos da educação e da comunicação e estimular atividades culturais com potencial de gerar riqueza e emprego” e “Intensificar o Programa de Criação, Edição e Leitura em parceria com o MEC e instituições da área de literatura (editoras, entidades corporativas e pró-leitura, escritores)”.

Assim como no programa de Cristovam, as leis de incentivo não surgem em nenhuma das propostas, ao menos não diretamente. Uma delas afirma que o governo Alckmin irá “estruturar e implantar uma política de fomento público, com atenção especial à política tributária”.

Algumas propostas fazem referência a ações empreendidas pela gestão atual do MinC, mas sob uma perspectiva de revisão. O programa propõe “redefinir as Conferências Nacionais de Cultura, ampliando a participação de todas as áreas envolvidas na questão cultural”, deixando no a indagação da necessidade de ampliação, já que as conferências realizadas pelo MinC tiveram uma partipação expressiva dos diferentes setores culturais.

Outra proposta diz respeito ao Programa Cultura Viva, considerado por muitos como o projeto mais bem-sucedido do governo Lula na área da cultura. Chamado no documento de “programa de Pontos de Cultura”, a proposta é de redimensioná-lo, “incorporando as secretarias estaduais ao programa, e formulando critérios mais claros e transparentes para a seleção e localização dos pontos”.

A assessoria de campanha de Geraldo Alckmin foi procurada por Cultura e Mercado, mas não atendeu à solicitação de entrevista.

Leia a íntegra das propostas do candidato para a cultura: s://www.geraldo45.org.br/metas/programaCultura.htm

HELOÍSA HELENA (PSOL) – Procurada por Cultura e Mercado, a assessoria da candidata informou que o programa de governo não foi lançado, e não soube informar se haviam propostas específicas para a área da cultura. Uma solicitação formal de material feita por email (de acordo com orientação da assessoria) também não foi respondida.

LULA (PT) – Além do programa de governo geral, foi desenvolvido especificamente um Programa Setorial de Cultura, o que faz com que o candidato à reeleição seja o que mais apresente (e detalhe) propostas para a área. Por outro lado, a maior parte delas está centrada em continuidade de ações já implementadas nos últimos quatro anos.

A introdução do documento afirma que as idéias apresentadas “buscam aprofundar a perspectiva de recuperação do papel da esfera pública nos processos culturais do país conduzida pelo Ministro Gilberto Gil e sepultar, em definitivo, a perspectiva Tucano-Pefelista representada pelas idéias organizadas na cartilha Cultura é um bom negócio, já derrotadas em 2002”. Prossegue defendendo as políticas públicas de cultura “como direito básico dos cidadãos e como políticas de Estado integradas às políticas de Educação e Comunicação Públicas”.

O programa faz uma ampla introdução com as ações e políticas culturais desenvolvidas pelo governo Lula, descrevendo o que foi realizado e quais as diretrizes no caso de um segundo mandato. Entre os tópicos, surgem a Economia da Cultura (“Nosso desafio é consolidar as condições para a realização do imenso potencial do país nesse campo”); audiovisual (“A diretriz é preparar o Brasil para se tornar um grande produtor e exportador de conteúdos e não apenas um mero consumidor”); e Programa Cultura Viva (“Os resultados já obtidos indicam um caminhofecundo para dar consistência à rede horizontal dos Pontos de Cultura: incluí-los no Sistema Nacional de Cultura”). Em seguida, são apresentadas uma série de propostas a partir de seis eixos principais: Cultura – Educação – Comunicação; financiamento; Sistema Nacional de Cultura; direito à memória; políticas do livro e da leitura; e audiovisual.

Cultura e Mercado conversou com Glauber Piva, da Coordenação do Programa de Governo na área da cultura. Ele explicou como o MinC conseguiria chegar ao valor de recursos almejado para a próxima gestão, de 2% do orçamento da União: “Trata-se de um processo que passa pelo debate no Congresso Nacional renovado; pela PEC 150 atualmente em tramitação; e pela capacidade de articulação institucional do próprio MinC que ampliou significativamente o diálogo com as demais áreas do governo, rompendo a situação de isolamento em que se encontrava durante a era FHC”.

A democratização dos meios de comunicação e a revisão da regulamentação desse setor terão um maior envolvimento do MinC no caso da reeleição, já que na gestão atual o Ministério teve pouca atuação nessa área? “Trata-se de um desafio que envolverá governo e sociedade, e não apenas o MinC. Evidentemente o Ministério da Cultura tem um papel relevante a cumprir nesse debate. Em particular no que toca à democratização dos espaços de difusão – em obediência à Constituição Federal – para ampliar o acesso das expressões culturais populares, étnicas e regionais e fazê-las chegar aos lares dos brasileiros”.

Ele falou ainda sobre a criação do Programa de Cultura do Trabalhador Brasileiro, que seria viabilizado com recursos da Lei Rouanet e de empresas brasileiras e lançaria o Ticket Cultural, que visa democratizar o acesso aos serviços e produtos culturais. Mas a criação de mais espaços culturais para viabilizar esse acesso não seriam também necessárias? “Demos passos importantes no sentido de abrir espaços culturais onde antes não havia por meio do Cultura Viva, sem necessariamente construir estruturas. Quem as constrói, tem que pensar nos custos da sua manutenção. A idéia do Ticket deve vir combinada com as políticas de financiamento do BNDES, com o investimento em distribuição e exibição buscando o fim último de toda a obra cinematográfica: o espectador, o cidadão. Para tanto julgamos indispensável o investimento na ponta, na criação de espaços de exibição”.

Piva afirmou que a superação do cenário de distorções causados pelas leis de incentivo passa pela articulação de ações na esfera pública entre as áreas da Cultura, Educação, e Comunicação, e complementou: “Um novo padrão de financiamento das políticas públicas de cultura no país envolverá o esforço da União, estados e municípios, mas também desafiará as empresas privadas a sair da situação confortável em que se encontram, hoje, para dar um passo além, no sentido de oferecer sua contribuição efetiva no campo do patrocínio. E não apenas fixar suas imagens na sociedade, como apoiadoras da cultura brasileira assentadas exclusivamente no imposto devido”.
Ao ser questionado se a reforma estrutural na Lei Rouanet prometida para o atual mandato ocorrerá em uma eventual segunda gestão, ele evitou se comprometer: “Penso que avançamos, mas menos do que desejávamos. A necessidade de correções na Lei – que, não há dúvida, prestou muitos serviços às culturas do país – se impõe como fator incontornável de democratização da oferta de recursos para a realização das políticas públicas de cultura”.

Leia a íntegra do Programa Setorial de Cultura da candidatura Lula:
s://www.lula.org.br/site/download/militante/cartilha/Cultura_205x265.zip

André Fonseca

Redação

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  • O descaso dos candidatos com a plataforma cultural dos seus programas de governo impressiona, mas também é reflexo da maneira como a sociedade brasileira enxerga a cultura e da pouca pressão que o setor cultural faz em cima desses candidatos. Quanto ao Lula, as ações empreendidas pelo MinC nesses últimos anos foram talvez a melhor coisa do seu mandato, mas é uma pena que suas novas propostas sejam basicamente de continuidade. Um pouco mais de ousadia para avançar no que já que foi aberto por Gil não seria nada mal.

  • A questão crucial das mudanças de base na Lei Rouanet, pela leitura dos programas, continua um vespeiro no qual ninguém quer mexer

  • Muito bom este acompanhamento que o Cultura e Mercado está fazendo. Dá orgulho de fazer parte da revista. Parábens!

  • Uma candidata sem programa de governo a poucos dias da eleição? Não sei se é pior isso ou um "programa" como o proposto por Cristovam Buarque. E foi necessário chamar uma equipe para elaborar sete propostas totalmente despropositadas e que não dialogam entre si? Como cantava Legião Urbana, "que país é esse?"

  • As respostas de Silvio Tendler me fazem lembrar o Lula quando fala sobre a corrupção em seu governo. Totalmente desconectado da realidade, no caso, a cultural. Chega a ser nonsense

  • A campanha do Sr. Senador Cristovam Buarque contempla finalmente a dança. Por que a dança e não o teatro? Boa pergunta. Por que a dança e não as demais áreas artísticas nacionais? Convenhamos que, em nosso país, os centros de excelência em dança inexistem se comparados com os países europeus, Estados Unidos e Austrália. Vejamos com muita pertinência a preocupação essencial que o candidato apresenta-nos para os próximos quatro anos de Governo. Decididamente salutar a sua proposição dos centros de excelência de dança para um país que dança muito, mas que não possui nenhuma gestão efetiva para suas ações dancísticas. A Câmara Setorial de Dança do MINC é um exemplo evidente de uma gestão incapaz de fomentar a dança como possibilidade artística na atualidade nacional. Ainda temos muito para o cinema, para o teatro, para as outras áreas artísticas... e muito pouco foi feito pela dança brasileira nestes 4 anos de Governo Petista, muito pouco.

  • Eu discordo da visão do Alexandre. É verdade sim que a dança merece pouquíssima atenção dos governos no Brasil. Mas especificamente dentro dessas desconjuntadas propostas de Cristovam Buarque para a cultura (pq não se pode chamar aquilo de programa de governo), não há razão para a dança ter mais espaço, assim como não haveria para qualquer outra área artística. Se um candidato apresenta um programa estruturado para a área da cultura, com ações coerentes e que visam a formação de diretrizes para uma política pública de cultura, aí sim começa a fazer sentido pensar em ações específicas focadas nessa ou naquela área. Mas o que são essas sete ações apresentadas? Qual o propósito por trás delas? O que elas em conjunto significam? Um grande nada, um grande vazio, que as respostas viajantes do Sr. Sivio Tendler evidenciam escandalosamente. Está na hora de os profissionais da cultura no Brasil pararem um pouco de enxergar apenas o lado "artístico" que lhe interessa e pensar em propostas para a cultura como um todo, de maneira mais abrangente.

  • Estive, por mais de 10 anos, no setor Cultura do aparelho-de-estado. Depois de estar em outros setores deste, por outros 30 e poucos anos. Por isso, posso afirmar que a área, do nível federal ao local, não dispõe de recursos, nem de propostas, por isso está ausente do imaginário coletivo. Se alguém propusesse sua extinção, levantar-se-iam aquelas mesmas vozes indignadas, beneficiárias preferenciais dos seus parcos recursos. É evidente, trata-se de um círculo vicioso, que pouco mudou, desde que surgiu o SPHAN, nos anos '30. A falta de propostas dos candidatos atuais, ou a sua inconsistência quase absoluta (inclusive no Governo Lula), não é nenhuma novidade. Até mesmo a bibliografia sobre políticas públicas de cultura, em português (inclusive de Portugal) é paupérrima; o mesmo se dá com relação às opções de formação acadêmica no tema. Como praticamente, não há estruturas públicas de cultura (comparáveis com outras áreas desse mesmo aparelho), recursos ou perspectiva de mudança do quadro, que sejam capazes de responder, objetiva e concretamente, às aspirações de mudança da nossa sociedade, as áreas de cultura, em todos as esferas de governo, quase sempre, só conseguem atuar como animadoras de eventos. E, na medida em que é a sociedade, e não o poder público, que 'faz' cultura, este deveria adotar um posicionamento mais apropriado, na formulação e implementação de suas políticas. Um posicionamento mais prospectivo, pautado na necessidade de conhecer, o que a sociedade vem fazendo, tanto no desenvolvimento, quanto na preservação do patrimônio cultural, em cada localidade (onde há, por exemplo, uma escolinha de artes visuais, um grupo amador de artes cênicas, uma banda ou orquestra, um grupo folclórico etc. e quais as competências disponíveis ou necessárias), de modo a atuar supletivamente sobre esses esforços. De forma crecentemente transparente, a fim de permitir a ruptura das estruturas de clientelismo e compadrio, típicas das nossas relações estado-sociedade. Conhecer a realidade sobre a qual se vai atuar, parece ser um pressuposto elementar de qualquer processo de intervenção. A sustentabilidade pode ser um subproduto importante, nesta estratégia de atuação. Mas isso não acontece na Cultura. Em geral, as milhares de oficinas culturais, que o poder público promove, pelo País afora, concorrem e até desmantelam, as iniciativas locais. Mas, como estado e sociedade se pautam por relações oligárquicas, continuaremos vendo o mesmo filme, dos últimos 70 anos, por mais 4 ou 8 anos. Vamos esperar para ver ?

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