Os venezuelanos do estúdio Enlace e a arquiteta Elisa Silva foram premiados em um concurso que buscava resolver um problema mais social do que arquitetônico. O Bulevar Sabana Grande, em Caracas, tinha sido tomado por ambulantes, oportunistas e todo o tipo de distúrbio urbano. O medo fez com que muitos cidadãos evitassem a via de importância histórica – no início do século XX, ela ligava a capital venezuelana às grandes plantações.
A ação dos arquitetos vencedores foi simples, mas drástica: juntar rua e calçada e recuperar a memória do lugar como via pública, empregando um tradicional pavimento sinuoso. O gesto de confiar na coexistência de pedestres e veículos lentos no centro da cidade e o ato de falar à memória coletiva através da revitalização são as bases do projeto. Mas o mundo tem muito mais a aprender com quem está acostumado a trabalhar com a escassez e quem exige da arquitetura responsabilidade, não só no aspecto da cidade, mas também na vida dos cidadãos.
A VIII Bienal Ibero-Americana de Arquitetura e Urbanismo (BIAU) – evento que ocorre em setembro, em Cádis, na Espanha – visa botar essa informação na pauta de discussão. Para definir a arquitetura do futuro, é importante que esteja claro que para ser cultural deve primeiro ser social. E, sobre isso, os 26 projetos da Argentina, Paraguai, Portugal, Peru, Chile, Espanha, Brasil e Venezuela, selecionados por um júri presidido pelo arquiteto Carme Pinós, têm muito a dizer.
Em suas duas décadas de vida, a Bienal tem visto os grandes edifícios sendo substituídos por intervenções urbanas e projetos com poucos recursos. Apenas cinco anos atrás seria impensável a inclusão dos habitantes de Palomino – uma vila no Caribe colombiano – no prêmio, como co-autores da transformação de um povoado estigmatizado.
Inteligencias Colectivas é o nome do grupo organizado pelo arquiteto Charles Correa Hernández, um designer que, sem abrir mão da emoção, levou nov0s parâmetros de exigência à arquitetura do futuro. “Em Palomino estão representados todos os problemas do país. A crise dos valores humanos, a perda de identidade cultural, a intolerância e a discriminação racial, a falta de políticas claras, o desaparecimento de espécies, a corrupção do Estado, a ineficiência ou a perda de confiança na resolução de conflitos”, diz ele.
Seu projeto é um experimento. Ele trabalhou junto à população, propondo alternativas para a melhora da qualidade de vida dos habitantes. A abordagem do projeto não está na cor ou nos azulejos do banheiro, mas em como fomentar uma revolução urbana. E isso inclui a revisão do modo de construir.
No povoado, a tradição remete ao clima, mas muitos habitantes associam o progresso à ocidentalização de suas casas. Superar essa ideia impulsiona as mudanças urbanas. Há trabalho para todos: fazer cestas com sacos de plástico, tecidos com folhas de palma e giz a partir do cal. Foram organizadas coletas de lixo comunitária, cinema ao ar livre, grades móveis e redes de pegar coco, enquanto arquitetos trabalhavam realizando oficinas, construindo protótipos e formando cidadãos.
“Quanto dano causou a história dos três porquinhos, fazendo com que as pessoas cobicem os blocos de concreto e depreciem a ventilação contínua dos espaços de madeira e palma”, diz Hernandez. Em Palomino, a cultura de sustentabilidade e colaboração ainda deve enfrentar muitos desafios. Nesse caso, a arquitetura está mais ligada à formação do que construção. E esta formação é cultura.
Construir com poucos recursos, assumir e aprender com as tradições, recuperar e fomentar as autoconstruções e promover a participação cidadã poderia, não só romper a endogamia da arquitetura, mas também resolver muitos dos problemas dos habitantes. Esse é o valor de uma Bienal que, ano a ano, indica um caminho de retorno e mostra como a Europa poderia aprender com o que é feito na América Latina.
Entre as 26 obras premiadas – que serão expostas durante a Bienal – além da inteligência, da revitalização das tradições e das transformações urbanas, a variação do orçamento oferece um outro grande parâmetro de comparação. E de indignação. As contas transparentes da arquitetura são elementos-chave para tirar do obscurantismo todas as ações de interesse não-cidadão e não-arquitetônicos que envolvem, e por muitas vezes engasgam, os edifícios e as cidades.
Para ler a matéria original, em espanhol, clique aqui.
*Com informações do jornal El País
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