Prezada Ministra,
Nos últimos anos assisti a infindáveis discussões sobre as mudanças na Lei Rouanet. Confesso que não tenho uma idéia precisa dos resultados que estas discussões produziram. Mas gostaria de deixar aqui uma sugestão para a sua gestão à frente do Ministério da Cultura. Salvo engano, penso que seja algo que, feitos os devidos ajustes, possa ser implementado com alguma rapidez, trazendo benefícios importantes para a cultura brasileira no longo prazo.
Há muitas razões que levam a esta proposta. O artigo 18º foi criado em uma tarde quente de Brasília, pela equipe do então Ministro Weffort, sem nenhuma justificativa plausível. As intenções de Weffort eram as melhores. Queria fazer crescer o mercado de patrocínios. O resultado, porém, foi outro. O que ocorreu, de fato, ao longo dos anos, foi uma migração artificial do mercado cultural para processos de “enquadramento forçado” de projetos nas áreas culturais autorizadas no artigo 18º. As empresas (não todas, obviamente), interessadas “naquele incentivo de 100%”, passaram a condicionar apoios a projetos se e somente se o produtor cultural encontra-se um enquadramento de seu projeto nos termos daquelas áreas. Produtores culturais são criativos, aprendem rápido, ao longo do tempo de fato fizeram bem o seu trabalho. Ajustaram, enquadraram, adaptaram, fizeram tudo o que era necessário para atender às empresas e usar o artigo 18º. A pergunta é: pra que mesmo tudo isto?
Indo um pouco adiante na argumentação: há algum fundamento lógico para distinguir as áreas que “merecem” 100% de abatimento daquelas que merecem 64%? Isto sempre me pareceu um mistério. Se o produtor cultural decide fazer um colóquio sobre poesia brasileira, o funcionário do Minc é obrigado a enquadrá-lo no artigo 26º e ele leva 64% de abatimento (feitas as contas). Se ele decide mudar um pouco e fazer um vídeo (ou um livro) sobre poesia brasileira (com os mesmos professores e poetas, imaginemos), o mesmo funcionário enquadra seu projeto no artigo 18º e ele a empresa apoiadora leva 100%. Se o sujeito propõe um show de viola caipira, leva 100%; se os violeiros deitarem a cantar, durante o show, o abatimento passa para 64% (haja fiscalização..).
O argumento de que algumas áreas da cultura merecem ou requerem índices maiores de abatimento, para serem viabilizadas, simplesmente não faz sentido. Um projeto de patrimônio histórico pode ser tão chamativo, em termos de marketing cultural, quanto um projeto de ópera ou música popular. Tudo depende da qualidade da produção, do cuidado com a comunicação, com inúmeras variáveis que não vem ao caso neste brevíssimo artigo.
A introdução artigo 18º criou, além da enorme confusão burocrática e artificialidade dos enquadramentos forçados e da indução do mercado, um problema mais sério: o fato de que as empresas passaram a compreender o apoio a projetos culturais simplesmente como uma troca de imposto por patrocínio. Quantas vezes ouvi uma frase no fundo humilhante para quem leva a cultura a sério, por parte de executivos de empresas: se é para dar para o governo, melhor dar pra algum projeto cultural. Sempre considerei positivo, para o mercado cultural, no longo prazo, que o sistema de financiamento de projetos atendesse a uma lógica “público-privada”. O Governo oferecendo o incentivo, mas a empresa aportando a sua parte. Isto não apenas faz aumentar o “bolo” final aportado em projetos, como faz crescer a responsabilidade das empresas em decidir sobre a realização de patrocínios, e faz também aumentar a exigência de competência dos produtores culturais em apresentar bons projetos, com valor real de mercado, que justifiquem o aporte das empresas para além do mero argumento fiscal do “dinheiro que não vale nada mesmo”.
Por fim, há um argumento bastante mais objetivo do que todos os listados acima. Sendo de apenas 4% do IR devido o limite do abatimento fiscal permitido às empresas, é só fazer uma regrinha de três para descobrir que se a empresa abate 50% (e deduz o valor apoiado como despesa), ela vai utilizar o equivalente a 8% do seu IR para patrocinar projetos culturais. Se ela for induzida a abater (sem a dedução como despesa) os 100% direto do IR devido, dentro do limite de 4%, o valor final que vai para projetos culturais é apenas este. Isto é, a metade da alternativa anterior. Na prática, a adoção da lógica combinada (abatimento e dedução) do artigo 26º simplesmente dobra o valor real que as empresas aportam em projetos culturais. Sempre me pareceu que à época em que o Ministério da Cultura criou o artigo 18º, esta conta bastante simples não foi feita. Nem depois, imagino.
De modo que sugiro realmente que isto possa ser mudado. Haveria ainda um ganho final, em geral não muito considerado quando se produzem políticas públicas e legislações no Brasil: a simplicidade. Por que ter dois enquadramentos (sem uma boa justificativa) do que apenas um? Por que manter esta enorme zona de incerteza, potencial desinformação e ajustes artificiais no enquadramento de projetos e no uso dos benefícios fiscais? Parece pior para o trabalho dos funcionários do Ministério, para os produtores e empresas. Fica a sugestão, com o desejo de um profícuo trabalho à frente do Ministério da Cultura,
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Me parece bastante apropriado enviar sugestão neste momento. Estamos atravessando justamente um momento difícil nesta área da captação e direcionamento de recursos. Não faltam, por um lado, iniciativas louváveis, e de outra parte empresários conscientes de seu papel social. A grande dificuldade sempre é unir estas duas pontas para concretizar e colocar em prática movimentos que sofrem justamente com a dificuldade na captação e adequação dos objetivos, detalhes às vezes nem tão relevantes que direcionam para esta ou aquela alíquota de incentivo.
Todo simplificação será certamente muito útil. Me incluo entre os agentes honestos do meio cultural, aos quais a simplicidade, transparencia e facilidade de fiscalização só favorecem.
Obrigado Fernando pela contribuição à qual dou todo o apoio.
Telmo Jaconi
A pertinência da carta do senhor Fernando Schüler atinge frentes diferentes. Por um lado as novas práticas viabilizariam as ações fiscalizadoras e avaliadoras do próprio ministério, por outro mostrariam mais transparência e objetividade a quem quer patrocinar cultura através desta ferramenta.
Quem elabora projetos sociais e atua na área deve compreender as minúcias, mas empresários e executivos das mais diversas áreas que queiram efetivar doações têm que direcionar equipes e tempo significativo para se apropriarem de detalhes que parecem subjetivos até para quem circula no meio.
Espero que a Ministra e pessoas da equipe ministerial leiam com sensibilidade e vontade política o texto.
Alan Triumpho
Grato ao Alan e ao Telmo pelos comentários.
Aproveito para esclarecer um aspecto, a partir de um questionamento que recebi. A unificação dos artigos disciplinando o incentivo deveriam incluir igualmente a area de produção audiovisual.
grato Fernando
Prezado Fernando,
Não esqueça de considerar, além da questão da Lei do Audiovisual, que hoje permite que o patrocinador ganhe dinheiro com até 125% de abatimento, que há também a concorrência da Lei do Esporte, que hoje fornece 100% de abatimento. Com Olimpíadas e Copa do Mundo, existe um apelo natural para que alguns patrocinadores migrem para esta área. Até mesmo por interesses governamentais em fortalecer a imagem do nosso país com estes eventos. Com tanta "propaganda" espontânea e com vantagens financeiras, fica difícil o setor das artes não perder alguns de seus já não tão numerosos patrocinadores. É um tema bem delicado e que merece ser analisado com mais profundidade. Sou a favor do fim dos 100% desde que haja isonomia para todos os setores e segmentos. A Cultura no Brasil já recebe um orçamento insignificante com relação às demais áreas, e não temos "fôlego" para aguentar uma concorrência desleal com outros segmentos em tese mais atrativos em visibilidade para o patrocinador.
atenciosamente,
Roberto Souza Leão