Categories: NOTÍCIAS

Casa de marimbondo


Associação do segmento editorial se posiciona contra a revisão da legislação de direitos autorais e evidencia que debate está longe de consenso.

Para o ministro Juca Ferreira (Cultura) o universo do direito autoral, por sua singular complexidade, assemelha-se a uma “casa de marimbondo”. A comparação foi feita durante uma coletiva de imprensa em Fortaleza, logo após a abertura do Seminário Internacional Sobre Direito Autoral, promovido pelo Ministério da Cultura (MinC) em parceria com a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi) e com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Na ocasião, Ferreira afirmou que “todas as partes envolvidas concordam que o direito autoral precisa ser revisto”.

Com as mudanças, oportunidades e desafios que avançam em ritmo frenético na onda das novas tecnologias, parece óbvio que “mudar” seja o destino certo. A previsão vale para todos os segmentos de negócios do setor cultural e não apenas para o caso da legislação que rege os direitos autorais. Claro que todos concordam com isso, certo? Errado. Para a Associação Brasileira de Direito Reprográfico (ABDR), a revisão do direito autoral é um retrocesso. Quem afirma é Dalton Morato, consultor jurídico da associação e coordenador de um grupo que, segundo ele, representa as quinze maiores entidades do setor do livro.

“Acreditamos que a legislação atual (Lei 9.610, de 1998) representou um grande avanço em relação a anterior (Lei 5.598, de 1973), ao invés de falarmos sobre uma revisão, deveríamos discutir o porquê do não cumprimento da lei, afinal, muitos de seus artigos são violados quase que diariamente”. Descumprimento que, segundo Morato, refere-se à questão da exclusividade dos direitos de autores e das editoras. “Além de entidades, representamos mais de 5.000 autores e entendemos que a lei atende os interesses do mercado editorial”.

Um dos avanços que o advogado destaca é sobre os contratos de edição sem a participação do Estado. A lei de 1998 extinguiu Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA), órgão público de fiscalização, consulta e assistência relacionadas a direitos de autores. De acordo com o advogado, o órgão também era responsável por uma série de entraves burocráticos no segmento editorial. “É comum em vários outros países essa relação privada entre autor e editor ser regulada pela livre iniciativa, não há interesse público que justifique a intervenção do Estado no setor”. Para o consultor jurídico da ABDR, a revisão de 1998 trouxe ainda novos mecanismos de punição para o caso de descumprimento dos direitos.
Usos educacionais

Além de todo o extenso debate sobre equilíbrio ou desequilíbrios no que se refere a direitos de criadores, intermediários, investidores, entre outros personagens, questionamentos não faltam. Por exemplo, como fica o direito da sociedade de acesso ao conhecimento e à cultura? E os usos educacionais? A legislação atual não prevê a utilização de conteúdos protegidos para fins educacionais, científicos ou de pesquisa. O uso de cópias de pequenos trechos de livros em universidades, permitido na atual legislação, também está na mira da ABDR. “Existe um segmento de comércio que explora o serviço de reprografia se apropriando de conteúdos de autores e editoras, são verdadeiras cadeias de copiadoras, de pessoas físicas ou jurídicas, que atuam em várias instituições de ensino superior e que lucram com isso”, diz Morato.     

Na esteira desse embate, alunos, professores e instituições se tornaram alvos de processos, acusados de pirataria – apesar da lei brasileira permitir cópias de pequenos trechos. Para Alexandre Linares, há dez anos no mercado de livros, uma perseguição que contraria a função social do segmento. “A produção editorial precisa estar a favor da difusão do conhecimento, e não a serviço do lucro de uma empresa privada”.

Na opinião do jornalista Rogério de Campos, diretor da editora Conrad, o debate sobre direito autoral no Brasil vai da má-fé à ingenuidade. “De um lado tem a má-fé dos grandes proprietários em busca de manterem seus negócios, que não é o de criar, mas de ser donos de suas marcas e conteúdos, e do outro a ingenuidade e a falta de bom censo de pessoas que ao olhar pro futuro, e principalmente pra internet, sentem medo e simplesmente seguem a onda”.
Controle da informação

A discussão sobre copyright, na opinião de Campos, beira a censura e se alinha a um movimento mundial de controle da informação. “Vivemos tempos negros para a liberdade de expressão, a concentração de mídia e o ‘politicamente correto’ já oferecem uma boa dimensão do problema”. O diretor da Conrad, que na década de 80 esteve à frente de publicações de vanguarda, como a revista General e a Animal (de quadrinhos), conta que na época tinha mais liberdade do que atualmente. “As opiniões hoje têm muita dificuldade de circular”.     

O jornalista lembra um caso exemplar e polêmico de perseguição que envolveu um dos cartunistas brasileiros mais conhecidos no mundo, o carioca Carlos Latuff. Conhecido por denunciar injustiças sociais em suas charges, o cartunista em 2007 se viu às voltas com uma intimação policial. O motivo? Charges onde se constatou o uso indevido de imagens que faziam referência ao Pan, entre elas, a do mascote dos jogos segurando um fuzil ao lado de uma viatura da policia fluminense, mais conhecida como “Caveirão”. “A censura foi privatizada, há casos de cidades que conseguiram na justiça proibir até a circulação de revistas de horóscopo”, conclui Campos.

Carlos Minuano

Repórter de cultura. Além dos trabalhos em reportagem, dedica-se atualmente à produção de dois livros: Memórias Psicodélicas e a ficção Cigarro Barato.

View Comments

  • Efetivamente a questão dos direitos autorais é complexa.
    Agradeço a escolha da imagem.
    Abraço,
    Joel Marinho

Recent Posts

Consulta pública sobre o PAAR de São Paulo está aberta até 23 de maio

A Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo abriu uma…

6 dias ago

Site do Iphan orienta sobre uso da PNAB para o Patrimônio Cultural

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) lançou a página Aldir Blanc Patrimônio,…

1 semana ago

Seleção TV Brasil receberá inscrições até 5 de maio

Estão abertas, até 5 de maio, as inscrições para a Seleção TV Brasil. A iniciativa…

1 semana ago

Edital Transformando Energia em Cultura recebe inscrições até 30 de abril

Estão abertas, até 30 de abril, as inscrições para o edital edital Transformando Energia em Cultura,…

2 semanas ago

Congresso corta 85% dos recursos da PNAB na LDO 2025. MinC garante que recursos serão repassados integralmente.

Na noite de ontem (20), em votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) no Congresso…

3 semanas ago

Funarte Brasil Conexões Internacionais 2025 recebe inscrições

A Fundação Nacional de Artes - Funarte está com inscrições abertas para duas chamadas do…

3 semanas ago