Referindo-se a governos anteriores, secretário muncicipal de Cultura de São Paulo ataca modelo que teria deixado a cultura nas mãos do mercado. Leia a íntegra do discurso25/04/2003

Leia abaixo a íntegra do discurso do Secretário Municipal de Cultura de São Paulo, Celso Frateschi, na reunião preparatória do Fórum Cultural Mundial.

Bem-vindo a todos. Bem-vindos à nossa cidade e à nossa Secretaria Municipal de Cultura. Como vocês devem ter percebido, ainda estamos de mudança. Hoje estamos inaugurando este auditório; e o resto do andar, que vocês devem ter estranhado estar vazio, receberá a partir do mês que vem o Departamento do Patrimônio Histórico, que cederá o seu espaço atual, a Casa Ramos de Azevedo, para o Arquivo Municipal, a nossa Casa da Memória. Na verdade, muitas mudanças ainda estão em pleno andamento. Mudanças que seguem um direcionamento muito claro visando à reconstrução de nossa cidade.

Temos a certeza de que terminaremos a nossa gestão nesse mesmo processo de mudança, não porque tenhamos mudado pouco, mas porque há quase tudo para ser reconstruído. Mudamos nossa sede da região da Paulista para o Centro da cidade, revitalizamos o nosso Teatro Municipal, estamos criando o centro cultural da Galeria Olido, estamos reformando a biblioteca Mário de Andrade, o Centro Cultural São Paulo, estamos criando o Museu da Cidade de São Paulo no prédio onde hoje funciona o Gabinete da Prefeita, que se mudará para o viaduto do chá. Estamos criando junto à Secretaria da Educação 45 complexos culturais junto aos CEUs (Centros Educacionais Integrados), 19 deles começando a funcionar em agosto deste ano, beneficiando os bairros mais carentes de São Paulo. Informatizamos a nossa rede de bibliotecas e estamos ampliando a nossa atual rede de 67 bibliotecas para 112 até o final da gestão, atingindo assim todas as regiões da cidade.

Criamos uma política para a área teatral que hoje é referencial para todo o país. Criamos um circuito cultural que hoje atinge todas as nossas subprefeituras. Reconstrução da cidade foi o tema da campanha da atual gestão e podemos dizer, com muito orgulho, que é nesse sentido que temos trabalhado todos os dias. E agora, depois de dois anos, todos já podem usufruir os primeiros resultados.

É exatamente dentro desse esforço de reconstrução que a cidade de São Paulo sente-se feliz e orgulhosa de sediar, no ano em que comemora os 450 anos de sua história, o Fórum Cultural Mundial.

Durante esses 450 anos, a cidade vem mudando e se reconstruindo a partir da diversidade étnica e cultural, e isso nos caracteriza. Aqui convivemos os mais variados povos que contribuíram e contribuem com a construção do nosso modo de ser a agir. Essa diversidade nos ensina a tolerância e nos impulsiona permanentemente para o futuro. Aqui nos estranhamos, nos conhecemos e construímos regras de convívio, gerando “a força que ergue e destrói coisas belas”. E entre as coisas belas destruídas, a nossa cultura talvez seja a que deixa feridas mais profundas e seja mais difícil a sua reconstrução.

No entanto, essa é a nossa tarefa. Durante os últimos anos, os governos adotaram como política cultural a política da ausência, entregando ao chamado mercado a decisão do que fazer com os recursos públicos da área cultural. O resultado dessa política de ausência é catastrófico e enfrenta hoje seu esgotamento.

Apesar do enriquecimento rápido de alguns produtores, podemos constatar o empobrecimento flagrante da atividade cultural. Apesar da grande quantidade de dinheiro aplicada em cultura, temos menos públicos em nossos teatros em temporadas cada vez menores, temos cada vez mais filmes nas latas. Cada vez mais livros nas prateleiras e cada vez menos leitores. Nosso patrimônio histórico cada vez mais descuidado e literalmente caindo aos pedaços.

O efeito colateral e profundo desse descaso pela coisa pública que sustenta essa ideologia do mercado é que aumentou a distância entre o cidadão e a política, pois essa relação passou a ser mediada pelos agentes do dito mercado. Nossa tarefa, portanto, se amplia, pois a reconstrução de políticas públicas para a área de cultura deve passar também pela tarefa republicana de se construir a nossa cultura política.

É nesse sentido que aqui em São Paulo trabalhamos na construção de um sistema municipal de cultura que tem como instrumento principal o Conselho Municipal de Cultura, formado por comissões [divididas] por áreas e conselhos regionais em cada uma das subprefeituras. O Conselho está aberto a todas as entidades e cidadãos que irão definir as diretrizes culturais para a nossa cidade e fiscalizar a sua implantação. O Conselho Municipal de Cultura é o espaço onde os esforços e os recursos públicos ou privados aplicados na cidade poderão ser organizados e otimizados num fórum conjunto entre poder público e sociedade civil. No sentido de reforçar o caráter democrático desse processo, estamos organizando um censo cultural que amplo na cidade de São Paulo, de onde pretendmos organizar um banco de dados que facilitará o acesso a todos os artistas, técnicos e serviços disponíveis em nossa cidade.

A ideologia, dita globalizante, dominante hoje no mundo , implantou um sistema de mão única em que a circulação da produção cultural visa à ampliação e solidificação de um mercado que nos reserva o papel de consumidor dos produtos gerados por um único pólo. A diversidade é massacrada pela unicidade de padrões que eliminam a riqueza das manifestações culturais dos diversos povos.

Por isso nos interessa sediar o Fórum Cultural Mundial. Esperamos poder discutir e aprender coma diversidade cultural do planeta. Esperamos nesse processo reforçar a multiplicidade de redes efetivamente globais e buscar nos integrarmos a essas redes sem esquecer da necessidade de se estabelecer redes locais, regionais e nacionais que foram abortadas pela política da ausência.

Esperamos discutir não apenas a produção cultural do ponto e vista da produção, mas principalmente pelo consumo, colocando assim o cidadão como ponto central de nossas preocupações.

Esperamos que o Fórum Cultural Mundial promova, sim, o acesso aos mercados culturais e o desenvolvimento econômico e social, mas como conseqüência da construção de um mundo justo, fraterno e múltiplo que cultue a diversidade, a tolerância e a paz – valores sem os quais qualquer discurso em termos globais torna-se cínico e demagógico.

Por tudo isso estamos felizes em sediar o Fórum Cultural Mundial e nos colocamos lado a lado com os demais promotores desse importante evento. A cidade de São Paulo está inteiramente aberta para juntos organizarmos o que certamente será um marco muito importante no desenvolvimento das atividades culturais do mundo inteiro.

A cidade de São Paulo agradece.

Muito obrigado.

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