Planos definem políticas e escolhas, governadas por projetos bem definidos. É o caso, portanto, do Plano Nacional de Cultura elaborado a partir de uma demanda da I Conferência Nacional de Cultura realizada no ano de 2005. Além do Seminário Nacional Cultura para Todos, em 2003, e das Câmaras Setoriais (atualmente Colegiados Setoriais), instâncias pelas quais os representantes de setores artísticos organizados, instituições e empreendimentos culturais contribuem para o diagnóstico de demandas e a avaliação de prioridades, a experiência da I CNC e o conjunto de resoluções extraídas desse encontro completam a base de sustentação das diretrizes de organização e planejamento da Política Nacional de Cultura, reunidas na proposta do PNC.
As deliberações da I CNC, encaminhadas ao Congresso Nacional em 2006, como ponto de partida do projeto de lei do Plano, desdobram-se nos conceitos, valores, desafios, estratégias e diretrizes apresentados ao debate público. O PNC foi instituído no dia 2 de dezembro de 2010, através da lei nº. 12.343.
E quais são estes conceitos e valores referidos acima?
O Estado brasileiro, que representa o mais amplo contrato social vigente no território nacional, tem o dever de fomentar o pluralismo, coibir efeitos das atividades econômicas que debilitam e ameaçam valores e expressões dos grupos de identidade e, sobretudo, investir na promoção da equidade e universalização do acesso à produção e usufruto dos bens e serviços culturais. (…) Na medida em que pactua linhas de ação condizentes com uma ampla construção federativa da política pública de cultura, o Plano deverá se tornar uma instância articuladora de diferentes políticas, planos, Conferências e Fóruns que aprofundem os compromissos gerais firmados, de acordo com as circunstâncias locais e setoriais. Influenciando e sendo influenciado pelas Conferências de Cultura, o PNC deverá ser sempre atualizado em um processo vivo e, sobretudo, como referência para fazer avançar novas conquistas no campo da política cultural. (PNC, 2009: 10, grifo meu)
Outro aspecto fundamental tratado no PNC é a qualificação da gestão cultural no âmbito do Ministério da Cultura, intensificando o planejamento de programas e ações voltadas ao campo cultural. Dentre as estratégias e ações apontadas para esta diretriz estão o fortalecimento da gestão das políticas públicas para a cultura, por meio da ampliação das capacidades de planejamento e execução de metas; o estabelecimento de padrões de cadastramento, mapeamento e síntese das informações culturais, a fim de orientar a coleta pela União, estados, Distrito Federal e municípios de dados relacionados à gestão à formação, à produção e à fruição de obras, atividades e expressões artísticas e culturais; consolidação e implantação do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC), como instrumento de acompanhamento, avaliação e aprimoramento da gestão e das políticas públicas de cultura e; estabelecimento, no âmbito do SNIIC, de indicadores de acompanhamento e avaliação do Plano Nacional de Cultura. O SNIIC também foi instituído pela lei nº. 12.343.
O SNIIC terá como objetivos principais o mapeamento, a organização e divulgação das atividades culturais brasileiras, incluindo informações, consideradas básicas, sobre: Estrutura – (artistas, equipamentos culturais, grupos, eventos); Gestão – (órgãos municipais, conselhos, fundos, legislações, orçamentos, editais); Economia da Cultura; Patrimônio Material e Imaterial, Estudos. Além disso, as três esferas de governo estarão interligadas por meio de uma plataforma do tipo “amigável”, ou seja, concebida sob os mesmos fundamentos conceituais e sob a mesma base tecnológica interativa. O Sistema será composto por três mecanismos de input dos dados: cadastramento, mapeamento e construção de indicadores.
A preocupação crescente com a avaliação no campo da cultura e a busca de aprimoramento de seus modelos e práticas, “mais do que um modismo metodológico e gerencial” (Barros, 2007) expressa o reconhecimento de sua importância e centralidade na vida contemporânea. No caso específico da cultura, para o conhecimento da área necessita-se da produção de indicadores, mas, antes, de informações confiáveis. Há, assim, uma circularidade entre produção e utilização de informações no campo cultural, quer dizer, tanto a produção de informações é pré-condição para a prática de avaliações, quanto a definição de modelos avaliativos adequados à singularidade é condição para se alimentar bancos de dados.
A título de exemplo: Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna
A título de exemplo da importância de uma gestão eficiente na consecução de políticas culturais que se pretendem democráticas, apresento alguns gráficos relativos ao Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna, instituído em 2006. O objetivo do Prêmio é claro: fomentar a produção nacional, contribuindo parcial ou integralmente para o desenvolvimento das atividades de grupos e companhias na modalidade dança. A diretriz institucional para a área da dança, constante do Plano Nacional de Cultura, é valorizar e estimular a circulação das diversas práticas de dança, detalhada da seguinte forma:
A rica oferta da produção brasileira na área de dança está restrita a uma pequena parcela da população. O intenso diálogo entre tradição e inovação, cultura experimental e cultura popular, não é apresentado de modo amplo e contínuo ao público. A dependência de modelos de financiamento baseados em mecanismos de renúncia fiscal não superou ainda o problema da exclusão de grande parte das manifestações coreográficas do acesso às fontes de financiamento e oportunidades de difusão e preservação. É preciso promover a formação de público e dos artistas, estimular a circulação da produção, garantir que as atividades realizadas no país sejam identificadas, registradas e divulgadas e estabelecer modelos sustentáveis de manutenção dos grupos de baile e da pesquisa na linguagem da dança.
De acordo com o Edital 2010, os grupos interessados escolhem entre duas categorias, circulação nacional de espetáculos e atividades artísticas na área da dança. No caso de projetos de circulação os proponentes devem realizar no mínimo dez apresentações incluindo, pelo menos, dois Estados e, no mínimo, quatro cidades. Fica clara a importância de estabelecermos indicadores de esforço e de resultados de avaliação das ações institucionais.
Gráfico 1. Total de inscritos, por ano.
O número de inscritos no Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna registrou um significativo aumento de mais de 70% entre a primeira e a quarta edições, pulando de 363 para 631. Uma possível causa pode ser a melhor divulgação por parte da Funarte, tanto de sua assessoria de comunicação quanto da coordenação de dança.
Gráfico 2. Distribuição dos inscritos, por região do país.
BRASIL
Ao nos determos na distribuição dos inscritos por região do país, verificamos pouca oscilação, para mais ou para menos, nas três primeiras edições do Prêmio. Nas regiões sul e sudeste a variação não chega a 10%; 11% na região norte; 17,5% na região nordeste. A exceção é a região centro-oeste, cujo número de inscritos variou mais de 50% entre 2006 e 2009. Se atentarmos apenas para a primeira e a quarta edições, verificamos que o número de inscritos nas cinco regiões praticamente dobrou, reforçando a idéia de que a melhor divulgação do Prêmio contribuiu para a maior participação do público-alvo.
Gráfico 3. Número de municípios com projetos inscritos, segundo a região.
À exceção da região sul, inalterada, as demais registraram aumento no número de municípios participantes do Prêmio através de projetos, dobrando nas regiões norte e centro-oeste; aumentando em 50% na região nordeste e em 25% na região sudeste. A difusão da informação amplia o acesso da população aos meios de financiamento, exigindo inevitavelmente a eficiente articulação entre o poder público nas esferas federal, estadual e municipal.
Se, por um lado, verificamos um aumento em números absolutos tanto no número de projetos inscritos quanto no número de municípios participantes no Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna, por outro, o alcance deste instrumento de política institucional ainda está longe de ser considerado satisfatório conforme observado no gráfico 3. Isto porque o percentual de municípios com existência de grupos de dança representados no Prêmio varia de 2,4% (região sul) a 6,3% (região sudeste), de acordo com os dados levantados Suplemento de Cultura da Pesquisa de Informações Básicas Municipais – MUNIC 2006. Há, portanto, um longo caminho a percorrer no sentido de democratizar efetivamente o acesso aos meios de produção e fruição culturais.
Considerações finais
A urgência na construção do SNIIC, articulando os entes federados e os órgãos vinculados ao MinC, foi uma das trinta diretrizes prioritárias aprovadas na I Conferência Nacional de Cultura. A diretriz número 21 deixa clara a proposta: “criar e implementar um sistema nacional de informações culturais, estruturado em rede, para gerar indicadores que orientem a elaboração, implementação e avaliação das políticas públicas de cultura numa perspectiva da transversalidade”. Já na II CNC, realizada entre 11 e 14 de março deste ano, um de seus objetivos foi a proposição de estratégias para a implantação dos Sistemas Nacional, Estaduais, Distrital e Municipais de Cultura e do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais.
A política do Ministério da Cultura deve orientar-se para a construção e consolidação de uma sociedade que contemple os direitos culturais de toda a população. É a chamada cidadania cultural, que diz respeito à necessidade de todos verem respeitados seus direitos à (s) identidade (s). De nada adianta, por outro lado, louvar a diversidade cultural brasileira, por mais que tal fato seja verdadeiro, se o Estado não “destampa o caldeirão” simbólico, se não conhece de fato quantos são os grupos, que manifestações culturais representam, onde estão, de modo a elaborar diagnóstico o mais preciso possível da demanda de acesso aos meios de criação, produção, circulação e fruição culturais. Daí a importância central de uma gestão eficiente da política institucional a partir da análise e interpretação dos dados dos diversos prêmios e programas oferecidos, conforme demonstramos no caso do Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna.
Referências bibliográficas
BARROS, José Márcio. Para uma cultura da Avaliação da Cultura. Texto produzido a partir dos debates da mesa redonda “Avaliação no Setor Cultural”, realizada no “Seminário Indicadores Culturais: debate Brasil e Espanha”, promovido pelo Instituto Itaú Cultural nos dias 11 e 12 de novembro de 2007. São Paulo.
MINISTÉRIO DA CULTURA. Plano Nacional de Cultura. Brasília: MinC. 2009.
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Bom, Marcelo. Boa análise.
O Plano Nacional de Cultura, que agora é Lei, é uma conquista histórica. Forjado de forma democrática, nas conferências nacionais de cultura, nas câmaras setoriais e outros espaços de participação democrática, é uma forma de fazer política pública que merece o nosso aplauso. O teu texto dá um belo exemplo de como isso se dá na prática.
Enfim, o PNC taí, é lei, e esperamos que seja cumprido. Mesmo após essa trapalhada inicial que atropelou algumas das diretrizes previstas na Lei. Não quero ser chato, esse tema já cansou, mas não posso deixar de citar:
1.9.12 Incentivar o desenvolvimento de modelos solidários de licenciamento de conteúdos culturais, com o objetivo de ampliar o reconhecimento dos autores de obras intelectuais, assegurar sua propriedade intelectual e expandir o acesso às manifestações culturais.
1.9.13 Incentivar e fomentar o desenvolvimento de produtos e conteúdos culturais intensivos em conhecimento e tecnologia, em especial sob regimes flexíveis de propriedade intelectual.
No mais, vamos em frente. A gestão do MINC tem mesmo muito que melhorar. Ficamos na torcida, e que a lambança inicial tenha sido somente um acidente de percurso.
O "pequeno" detalhe nisso tudo é que a maioria dos editais e prêmios promovidos pelo PNC - sigla bem expressiva, com o perdão do barbarismo,-ainda não foram pagos. Prolixidade na apresentação dos dados não vai transformar a realidade fundamental e a natureza quase inoperante que essas pseudo-iniciativas tem na prática.