Muita gente reclamou, no decorrer do ano, que 2014 estava sendo ruim para o setor cultural. Copa do Mundo, eleições e diminuição dos investimentos de tradicionais patrocinadores foram apontados como alguns dos principais culpados – Cultura e Mercado avaliará isso com mais profundidade nos próximos meses. Mas uma coisa é certa: 2014 foi o ano em que importantes estudos sobre o perfil do público de cultura no Brasil foram lançados.
Em abril, o Sesc e a Fundação Perseu Abramo apresentaram os hábitos e demandas dos brasileiros, com o objetivo de orientar ações do setor. Em setembro, a segunda edição do Panorama Setorial da Cultura Brasileira – iniciativa das pesquisadoras Gisele Jordão e Renata Allucci, da 3D3 Comunicação e Cultura – foi lançada buscando compreender as motivações do consumo das artes no país. E nesta semana, a JLeiva Cultura & Esporte apresentou a pesquisa “Cultura em SP: Hábitos Culturais dos Paulistas”, encomendada ao Instituto Datafolha.
O estudo traz dados sobre o comportamento, interesses e conhecimento cultural dos moradores do Estado de São Paulo. “As cidades visitadas reúnem 50% da população do Estado. Além dos recortes tradicionais por gênero, idade, renda e escolaridade, o estudo também permite leitura por religião e cor da pele”, explica o consultor João Leiva, idealizador da pesquisa.
Um dos aspectos que chama a atenção é que, na capital, os parques e as praças são os espaços mais lembrados como locais de atividade cultural (20%), seguidos por museus (11%), centros culturais (9%) e shoppings (8%). Em todo o Estado, os eventos culturais mais importantes foram aqueles que acontecem na rua (18%), seguidos de feiras e exposições (13%) e shows musicais (9%). E a maior parte das atividades realizadas pelos entrevistados são gratuitas (65%).
“Os resultados reforçam a visão mais contemporânea de que a cultura tem vocação para ocupar diferentes espaços nas cidades, da rua aos shoppings”, afirma Leiva. “Não diria que os eventos fechados e pagos estão afastando o público, mas os eventos gratuitos estão atraindo mais, principalmente numa cidade como São Paulo, onde temos problemas de educação e renda. Há uma tendência contemporânea recente de a cultura ocupar o espaço público.”
Para Leiva, quem investe em cultura pode interpretar essa informação de duas formas: indo atrás de projetos que sigam essa tendência, mas também identificando as áreas mais carentes, de menor consumo cultural, e oferecendo mais oportunidades. “Essa é uma forma de eles utilizarem um recurso próprio para fazer uma ação em benefício do conjunto, da comunidade, ou seja, ações culturais com benefício público”, defende.
Eliane Costa, consultora em gestão cultural e economia criativa e ex-gerente de patrocínios da Petrobras, concorda que é importante buscar empreendimentos e ações coletivas, em rede, onde se compartilham recursos e energia. “Acho que os patrocinadores precisam estar atentos não só a este aspecto mas às várias reinvenções no campo cultural, em todas as suas transversalidades: com o espaço urbano, o meio ambiente, o cotidiano, as periferias, o desenvolvimento, as redes culturais, os novos protagonistas que se juntaram nos últimos anos ao campo cultural etc.”
Para ela, muitas vezes os preços dos ingressos dos eventos fechados afastam o público. Além disso, há todo o custo de transporte e as dificuldades de mobilidade urbana. “Por outro lado, há também todo um desejo de ocupação das ruas, de valorização de espaços urbanos degradados ou subutilizados, com eventos livres que buscam a humanização da cidade.”
Territórios culturais – Ana Carla Fonseca Reis, especialista em economia criativa, vê uma confluência de pelo menos três fatores. Na dimensão cultural, projetos potentes como a Virada Cultural, os concertos e as sessões de cinema no Ibirapuera e no Minhocão chamam as pessoas para a rua. Por outro lado, o redesenho de projetos que costumavam ser restritos a quatro paredes e agora as transvasam, gerando mais permeabilidade entre os espaços culturais e as ruas, como a programação ao ar livre da Bienal de Arte. Já na dimensão urbana, a relação entre a pessoa e cidade, o consumidor/fruidor cultural e o cidadão, as discussões e tentativas de apropriação social do espaço público nunca estiveram tão presentes – inclusive como resposta aos vários problemas que São Paulo atravessa, como disse Leiva.
“Isso favorece a geração da percepção – e, quem sabe, da consciência – de que a cidade é um grande território cultural. Do Beco do Batman aos grafites da Cruzeiro do Sul, o espaço público vem sendo tratado como espaço cultural”, lembra. Por fim, há uma dimensão que Ana Carla chama de inteligência criativa, ou inteligência coletiva com inovações urbanas, que se refere à expansão dos limites do cidadão dentro de sua cidade. “Dois exemplos sintomáticos disso: movimentos como o Boa Praça, que transformam o espaço público em um espaço de convívio; e as multidões de adolescentes que transformam os parques em palco de sagas.”
Para ela, alguns resultados da pesquisa são grandes balizadores para programas e políticas, privados e públicos e também para a sociedade em geral. Primeiro, a importância da escolaridade na influência sobre as práticas culturais, sobrepondo-se à classe social – “ainda que bastante distorcida pela atual classificação de uma vasta e heterogênea ‘classe média'”. Segundo, a ainda prevalente declaração de não práticas culturais por ‘falta de interesse’ e ‘falta de tempo’ – que, a rigor, deixam uma incógnita: falta de interesse por qualquer temática, em qualquer lugar, em qualquer horário da dita atividade cultural?
“Como quem não tem interesse por algo sempre o tem por outra coisa, é importante cruzar essas respostas, para que tentemos alavancar o interesse com base em algo visto como mais interessante”. diz. E um terceiro ponto é uma potencial indicação de problemas de comunicação das instituições culturais. “É impressionante que um a cada quatro residentes em São Paulo, com 12 anos ou mais, não saibam que o Masp existe e que praticamente dois terços dos que conhecem o Museu da Língua Portuguesa jamais o tenham visitado.”
Esses mesmos aspectos devem ser pensados, defende Ana Carla, por quem produz cultura na ponta. “Se ‘falta de interesse’ é um fator declarado como impeditivo à participação cultural, os gestores culturais precisam encontrar formas de deixar a proposta cultural mais interessante, mais contemporânea e mais bem comunicada”, explica. Isso também dá muita margem, diz ela, para gerar sinergias entre propostas, espaços e diversas formas de participação. “Se o Ibirapuera é o parque por excelência das atividades culturais, mas também esportivas e sociais, trabalhar um modelo de negócios que se paute por essa lógica transversal pode ser uma excelente pedida.”
Outros dados – Apesar da tendência em usar mais os espaços ao ar livre, a pesquisa identificou que a presença de equipamentos culturais de relevância em uma determinada cidade pode estimular o consumo de cultura. Por exemplo: no total da amostra, 12% dos entrevistados foram a um concerto de música clássica no último ano. Em Tatuí, onde a Secretaria de Estado da Cultura administra o Conservatório Dramático e Musical Dr. Carlos de Campos, esse índice chega a 21%.
As novas tecnologias são bastante usadas para a busca por opções culturais e de lazer. Internet e redes sociais são citadas por 40% das pessoas quando o assunto é buscar informações sobre programação cultural, perdendo apenas para a TV, com 46%. Entre os que têm até 34 anos, porém, a internet e as redes sociais já batem a televisão. Contribui para isso o alto índice de acesso à internet em praticamente todas as cidades pesquisadas.
Entre os heavy users de internet (aqueles que acessam a rede todos os dias), o consumo de todas as linguagens culturais é maior do que o da população em geral. “Quem está mais conectado lê mais, vai mais ao cinema, a shows, a concertos, frequenta mais bibliotecas e saraus”, diz João Leiva.
Também buscou-se registrar quais as marcas mais lembradas pelos paulistas por sua relação com os patrocínios culturais. A lembrança é bastante diluída, mas as que investem mais recursos, com maior frequência, consistência e/ou que têm algum espaço cultural com naming rights são as mais citadas. Entre os entrevistados da capital, por exemplo, os bancos aparecem com as maiores citações espontâneas: Itaú (11%), Bradesco (7%) e Banco do Brasil (6%), seguidos por Petrobras (5%) e Caixa (4%).
Mais dados sobre a pesquisa, as planilhas e a publicação com artigos de especialistas estão disponíveis no site jleiva.com.br/pesquisa_sp.