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CINEMA NACIONAL – Independência ou Morte?

Estrangulado pela ditadura militar, o cinema nacional ainda herda preconceito deste período. Enquanto gênios da nossa cinematografia são redescobertos pela nova geração, uma onda, doutrinada pela democratização digital, invadem as teias da Internet. Neste panorama, o que devemos esperar para o futuro. Uma revolução glauberiana nas telas do cinema?

O cinema nacional, como a música popular, sempre foi analisado por períodos ou movimentos. Muitos críticos afirmam que estamos em um novo panorama, um novo ciclo, um novo Cinema-Novo. Algo é inegável, há uma nova safra de bons diretores, roteiristas e filmes realizados nos últimos anos. Longe dos temerosos anos do governo Collor, que praticamente extinguiu as produções tupiniquins.

Infelizmente, não são apenas bons filmes que garantem o sucesso e a vida longa nas bilheterias. Afinal, quais seriam os novos rumos para o cinema no Brasil? Apontar principais deficiências do setor pode servir de base para a reestruturação do audiovisual no país. Com este intuito, pesquisadores e estudantes de comunicação do país inteiro estiveram reunidos em debates acalentados durante o XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, realizado em Santos, litoral paulista.

O professor da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Alexandre Figueirôa Ferreira, analisa a infra-estrutura de produção cinematográfica no país. Para ele, estamos no limite de capacidade operacional. “Se houver aumento, mesmo que pequeno, a produção de filmes literalmente pára. Pois os recursos técnicos estão no limite”.

Ferreira aponta dados da Associação Brasileira de Cinematografia (ABC): “no eixo Rio – São Paulo, o maior produtor de audiovisual do país, há somente equipamentos para a produção simultânea de dois longas-metragens, três médias-metragens e quatro produções de baixo orçamento”. Para o professor, o gargalo da produção cinematográfica nacional é reflexo das taxas de impostos de importação e compra de aparatos técnicos. Ferreira propõe uma reformulação às leis de incentivo ao audiovisual, que, segundo analisa o pesquisador, também deveriam englobar aquisição de equipamentos.

As iniciativas de fomento ao cinema, segundo analisa Ferreira, não são apenas de cunho cultural, mas também de caráter econômico. “Pode parecer senso-comum, mas o cinema é uma indústria. A cada filme rodado são criados no mínimo 300 empregos diretos durante as filmagens. Sem contar com os indiretos e após-filmagem”, pontua.

Outro fator decisivo, segundo o professor da Universidade Anhembi-Morumbi, Vicente Gosciola, é a falta de desenvolvimento tecnológico nacional de produção cinematográfica. Segundos seus relatos, com o advento de novas tecnologias, o processo de criação mudou, criando assim novos estilos. “Como não temos uma preocupação em criar nada novo, ficaremos repetindo fórmulas e estilos do exterior”.

Crise de Bilheteria
Mesmo com todos os reversos de infra-estrutura, a produção cinematográfica brasileira vive um bom momento. Por outro lado, nas bilheterias não há o mesmo êxito que em produção. Só no ano passado, 25 longas-metragens não conseguiram entrar no circuito comercial, ficando fora das salas de exibição. Segundo a pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF), Lia Bahia Cesário, falta visão comercial aos produtores nacionais. Lia afirma que não há uma preocupação em conseguir valores expressivos nas bilheterias devido ao fato dos filmes chegarem às salas de cinema pago por meio das leis financiamentos de incentivos.

“Em todo o mundo, o cinema é feito com parcerias na produção. Diferentemente do que acontece no Brasil, parte do investimento na produção vem das bilheterias”, pondera Lia, que também defende uma reformulação no sistema de exibição dos filmes nacionais: “Como a lei do audiovisual exige a exibição em alguma sala do circuito comercial, o filme entra de forma obrigatória no circuito e fica pouco tempo por ter pouca procura”.

Em 2006, houve uma queda de 3% nas bilheterias nacionais se comparado com o ano anterior, mesmo com relativo aumento na produção. Lia, assim como muitos, é defensora de “um maior apelo comercial dos filmes nacionais”. A pesquisadora critica a falta de dados oficiais de bilheterias e vendas de DVDs e afirma que não há um mapeamento ou auditoria da cadeia produtiva de audiovisual no país. Sem estas informações (sonegadas, segundo especialistas, para mascarar arrecadação de impostos) não existe a possibilidade de análise de mercado. A pesquisadora defende “metas de produção e de exibição por parte dos produtores”.

Para além da Economia
O cineasta e professor da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Leonardo Henrique Lago Falcão, tem visão contrária. Para ele, a produção artística não deve ser limitada pelo “poder econômico”. Falcão é temeroso em possíveis edições dos filmes para “agradar os financiadores da obra”.

O temor que o cineasta tem é prática comum. A professora da Universidade Paulista (UNIP), Luiza Cristina Lusvarghi, assegura esta atividade. “Em todo os contratos da Globo Filmes, para citar um exemplo, há uma cláusula que dá à produtora direito de corte. Não é só ela, esta ação é comum em todos os contratos”, afirma.

Segundo Luiza, as produções da Globo Filmes servem para ser “uma alternativa de exportação do seu principal produto, as telenovelas”. A professora também aponta o chamado “cross-mídia” (possibilidade da utilização de uma campanha de marketing em vários meios) realizada pela produtora, em conjunto à programação da emissora. Além de experiências em linguagens e formatos em realização de filmes ou minisséries. “Todas estas ações visam marcar o produto para o mercado de DVD”, conclui a comunicóloga.

O tamanho do buraco
Um breve exercício de memória nos remete a alguns das maiores bilheterias de filmes nacionais vieram de filmes editados de minisséries. Rostos famosos das telenovelas, filmes que parecem capítulo de novelas, programas televisivos com a duração estendida, verbas de financiamentos a pequenos grupos produtores, interesses mercadológicos das grandes distribuidoras, pouca penetração na população de baixa renda. Entre outros diagnósticos, este parece o mais comum ao retratar o panorama das produções nacionais. Mas há outro fator, segundo a pesquisadora Lia, o idioma falado no Brasil impossibilita à co-produção com outros países da América Latina e até mesmo com Portugal. “Na América Latina, e na Europa, é comum a co-produção entre países. No Brasil, o idioma atrapalha, não apenas na co-produção, mas também na venda do filme para o exterior”, pontua.

No Brasil, 92% das cidades não possuem salas de projeções. Maior parte das salas se concentra no eixo Rio – SP, e a diferença é abismal em relação ao restante do país. São Paulo, Estado com maior número de salas, soma 728. Acre, o Estado com menor número de salas, possui apenas três. Desde 1997, quando o fenômeno Multiplex (cinemas com várias salas em shopping-centers) aportou no país, o número de cinema de ruas tem diminuído. E, consequentemente, o custo do ingresso aumentou.

Nos anos 70, uma entrada custava 1/3 de dólar. Nos dias atuais a entrada vale pelo menos seis dólares. Críticos apontam este fenômeno como um dos pontos que tem afastado parcela da população de ir ao cinema. “Antes as pessoas iam ao cinema, hoje vão ao shopping, daí quem sabe verão o filme. Isso excluiu uma parcela da população, pois os preços são bem mais caros e o ambiente exige certo tipo de vestimenta”, pontua Lia.

Se apenas 8% das cidades do país possuem salas de exibição, a televisão, por outro lado, abrange 99,9% do território nacional. Desta forma, segundo analisa Ferreira, pensar em audiovisual apenas para as telas de cinema é estanque. O pesquisador destaca os novos formatos que o advento das tecnologias tem proporcionado. Novas linguagens de produção têm ligação direta com a democratização da comunicação. A TV é a maior forma de distribuição do audiovisual no país. Esta caracterização teve início nos anos 70, e com o declínio do Cinema-Novo. Muitos diretores deste movimento aderiam à proposta de “dar nova cara” à programação da TV brasileira. Nos dias atuais, estamos limitados a poucos espaços à produção cinematográfica brasileira nas grades de programação das grandes emissoras. Até mesmo nos canais a cabo há poucos espaços, estima-se que 80% dos filmes nacionais transmitidos nesse meio pertence a um único canal.

A Pedra de Sísifo
Se no eixo Rio-São Paulo já é complicado fazer cinema, fora é ainda mais. O cineasta mato-grossense Joubert Lobato Evangelista conta as dificuldades de produção local. “Não temos equipamentos. Tudo é de forma improvisada”. Ele é um dos fundadores da AMAV (Associação Mato-Grossense de Audiovisual), que já realizou a produção de quatro curtas-metragens e dois longas. O cineasta comemora eufórico a aquisição recente de um equipamento. “Agora vai ficar mais fácil, não precisaremos alugar um de São Paulo”, comemora.

O financiamento para a realização vem de um fundo para incentivo à cultura da hidrelétrica do Estado. “Precisamos concorrer com músicos, escritores, peças de teatro”, pontua. Entre outras atividades, a AMAV realiza mostra de cinema itinerante. “Vamos em escolas, universidades, paróquias de igreja, ou em telões nas ruas”. O propósito é a formação de um público consumidor de cinema na região. “Depois disso, quem sabe, poderemos viver de cinema. E ser um pólo de produção”, teoriza o cineasta.

Buscando incentivos, parcerias, os cineastas brasileiros abusam da criatividade. As novas tecnologias de distribuição têm sido o maior incentivador de novos talentos. E a internet a maior ferramenta de divulgação destes filmes. Em muitos pontos do país há movimentos de “uma idéia na cabeça e uma câmera simples na mão”, em uma reformada visão glauberiana de fazer cinema. Toda a realização de um filme pode ser feita com poucos recursos. A independência tem sido o maior produtor cultural do Brasil nos últimos tempos. E as possibilidades são infindas (leia entrevista de Leopoldo Nunes, um dos diretores da Agência Nacional de Cinema).

Mas ainda é abismal a diferença que separa os dois extremos. De um lado, apenas quatro gigantes distribuidores controlam as bilheterias das salas de exibições do país. Do outro, cineastas independentes lutam contra a maré para levar seus projetos ao maior número de pessoas. Curtas-metragens e experimentações de linguagem, que antes ficavam restritos a poucos freqüentadores de cines-clube, fazem sucesso no Youtube. Serão estes os novos rumos do cinema nacional? Torceremos que sim. Enquanto isso, as leis de incentivo ao cinema, baseadas em modelos ultrapassados, priorizam apenas aos grandes nomes do cinema nacional, que precisa destes nomes para dar visibilidade aos patrocinadores. Em uma trabalho monótono, como a pedra carregada ao alto do cume por Sísifo.

Eduardo Henrique Brandão *
* reportagem experimental produzida na I Oficina Itinerante de Jornalismo Cultural, promovido pelo 100canais.

Redação

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  • Fico feliz em ver o interesse de todos pelo cinema nacional e espero que o governo seja sensível às carências comentadas na matéria e crie incentivos para a produção e divulgação de nosso cinema.

  • Bonita matéria, pois fui um proprietario de cinema e passei dificuldades com o declínio do cinema nacional. Hoje resisto e tenho um projeto de abrir uma boa sala de cinema em minha cidade, pois acredito que o governo será senssível com a grande indústria audivisual que gera milhôes de emprego neste pais.´
    Osvaldo Pontes de Melo

  • É isoo aí, precisamos reformular as leis do audiovisual no Brasil, esse é um novo momento onde as novas tecnologias estão de fácil acesso, com isso, naturalmente surgirão novas idéias, novos estilos, novas fórmulas, novas revoluções com o propósito de se fazer um cinema nacional realmente nosso, realmente novo..

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