O curioso é que, enquanto o capitalismo entra em crise, surge dentro dele mesmo os embriões de nossa cura. Cada vez mais a criatividade é um ativo em todas as áreas do conhecimento e da economia. Inovação virou uma palavra chave e os inovadores conquistam o mercado. E a criatividade surge com mais vitalidade em ambientes que propiciam seu desenvolvimento.
Empresas, instituições e projetos organizados de forma mais democrática começam a ganhar o mercado das empresas menos centralizadoras e menos criativas. Autores como Domenico de Masi (“A Exceção e a Regra”, “O ócio criativo”) dão consultorias para grandes corporações discutindo modelos de gestão que permitam o surgimento da inovação. Uma empresa como a “Pixar” (criadora de Toy Story) é um exemplo de empresa organizada de forma a permitir o surgimento da criatividade. A Pixar reinventou a animação para crianças e fez um imenso sucesso no mercado, chegando a ponto de comprar a “Disney”. Sansão comprou Golias. O livro “A nova novidade” (de Michael Lewis) narra outro exemplo, agora a aplicado à indústria de softwares, narrando a vida de Jim Clark, fundador da Netscape e que se notabilizou por criar pequenos grupos criativos que conseguiam superar a inovação e ganhar mercado da imensa corporação de Bill Gates (Microsoft).
Esses são alguns poucos casos entre milhares de outros possíveis. O que ocorre em empresas também ocorrem em movimentos sociais. Uma rede como o Fora do Eixo, organizada de forma coletivizada, consegue sucesso distribuindo bandas alternativas, criando um mercado de cauda longa e um novo circuito paralelo que prescinde totalmente da corporação de mídia. Alguns desses sucessos chegam até o mainstream, realimentando e inovando o mercado.
Se isso crescer ainda mais teremos uma verdadeira revolução libertária. Eu arriscaria até mesmo dizer que teremos A VERDADEIRA revolução libertária. E o que começa no campo da cultura pode chegar a todas as áreas. No dia que consumidores escolherem livremente por produtos agrícolas orgânicos que só existem se cultivados em pequenas propriedades e de forma mais artesanal haverá a necessidade econômica de uma reforma agrária. Não precisará sequer de invasões de terras, pois o modelo econômico da pequena propriedade ganhará a disputa de mercado com o modelo econômico da grande propriedade. A revolução agrária, portanto, começa na mesa de jantar de sua casa.
No dia que mais coletivos artísticos conseguirem criar obras artísticas que agradem o público mais do que as obras produzidas de forma industrial iremos vencer as corporações de mídia. Vencer naturalmente. No dia que um jornal produzido de forma cooperativada por jornalistas independentes e livres conquistar o mercado dos jornais produzidos por grandes corporações de mídia teremos a Democratização da Comunicação. No dia que divulgação boca a boca das redes de internet e redes físicas suplantar a divulgação de massa das corporações televisivas deixará de existir a indústria cultural. Não precisaremos sequer combater e tentar destruir as corporações de mídia. Basta sermos felizes e criativos, fortalecendo as redes mais rizomáticas. Ambos os movimentos já estão acontecendo no dia-a-dia. Os grandes ataques contra as corporações capitalistas que acumulam capital não estão vindo do ataque frontal a elas. Os grandes ataques dos últimos anos vieram da ação afirmativa de pessoas que começaram a criar novos mercados que funcionam de forma mais democrática. Como exemplo, podemos citar as redes de cultura digital.
Por estranho que possa parecer para socialistas mais tradicionais, é no ambiente do mercado que o capitalismo começa a ser vencido. A revolução começa na forma de organizar as instituições (empresas, coletivos, etc..) que ganham o mercado.
A economia criativa que acredito é essa. Não é o capitalismo tentando gangsterear o conceito de Economia Criativa para “dominar” a criatividade, fixar patentes e roubar criadores. O capitalismo pode tentar, mas não conseguirá. Chegou a era da verdade e da consciência, não tem mais como aprisionar criadores. A economia criativa que acredito é uma economia onde os criativos são conscientes de seu poder e se organizam em instituições (empresas, ONGs, redes, etc..) mais democratizadas. E, por que não dizer, em empresas socializadas. É uma economia que supera o problema do capitalista que detém os meios de produção. Pois afinal, os “meios de produção” que interessam hoje são nossas mentes criativas. E, se eu realmente tiver consciência, não há capitalismo que possa prender minha mente. A economia criativa que defendo é baseada na democratização radical que vai além da representativa e do voto e chega as todas esferas da organização social: as empresas, ONGs, gestão do estado, igrejas, etc…
A Ética da Floresta é mais apropriada ao desenvolvimento dessa nova Economia Criativa. E como isso resolve o dilema em criar uma sociedade mais feliz e mais harmônica que valoriza seres humanos e natureza. Que seja ecológica sem negar o ser humano, que valorize a natureza sem esquecer que o homem é parte dela.
Uma nova utopia
Precisamos de uma nova utopia. É a utopia quem dá o caminho a ser seguido. É a utopia que nos une e nos dá uma visão e um novo rumo. As utopias mudam o mundo e têm a força de efetivar grandes transformações.
Nossa crise atual é decorrente da vergonha em ter novas utopias. Depois da distopia comunista o mundo ficou com medo de sonhar. Mas o medo já passou. Chegou a hora de sonhar de novo.
Como diz Garaudy, vivemos no “Monoteísmo do Mercado”. A solução que ele encontrou foi radicalmente oposta, o islamismo. A nossa pode ser outra, uma ética mais democrática, criativa e ecológica: a ética da floresta.
O capitalismo já foi uma utopia e, por isso, conseguiu mudar o mundo. A ética protestante e o capitalismo trouxeram avanços em determinado momentos históricos. Permitiu, por exemplo, as navegações e o acúmulo de capitais para importantes pesquisas cientificas. No entanto, já há um bom tempo, o discurso da liberdade no mercado começou a ser aprisionado pelas mesmas energias gângsteres e escravocratas que tentam se apoderar de todos os discursos. O capitalismo utópico de Adam Smith sonhou com um mercado livre e auto regulado por seres humanos livres. Mas sua utopia se transformou numa distopia, aonde os seres humanos ficaram presos aos interesses de algumas mega corporações que detêm a “propriedade sobre os meios de produção” ou, para ser mais contemporâneo, a propriedade abstrata sobre o dinheiro acumulado no mercado financeiro.
O socialismo foi outra utopia e seus ideais também foram aprisionados por energias gângsteres e escravocratas. O absurdo foi tamanho que o comunismo chegou a ponto de promover uma “coletivização” forçada por uma ditadura. O discurso da coletivização foi usado como argumento para Stalin matar milhões de camponeses russos, no que se convencionou chamar de “coletivização forçada” da agricultura. Hoje todos sabemos que não existe socialismo sem liberdade e o coletivo não pode se opor ao indivíduo. Ao contrário, o coletivo tem que existir para potencializar os indivíduos. Se for para escolher entre coletivo e liberdade individual, a escolha é sempre a liberdade individual. A liberdade individual é o valor maior, mas os seres humanos espertos percebem que é legal viver experiências coletivas. É na comunidade que o individuo se potencializa. Mas coletivização forçada é obviamente uma contradição em si, mais um exemplo de ideal distorcido.
Hoje, no entanto, estamos corrigindo os erros e estamos colocando em prática o melhor das utopias. Vários coletivos artísticos se espalham pelo mundo reinventando o modelo de produção e criação e disputando o mercado de consumidores livres com as corporações. Temos condições de ter liberdade, igualdade, fraternidade e uma sociedade mais justa e inclusiva. Tudo isso se efetiva numa só palavra: democracia. Mas é claro que uma democracia muito além da democracia representativa do sistema político. Falamos de uma democracia radical que se efetive em todas esferas, inclusive na esfera econômica.
Chegou o momento de lutarmos novamente por nossa liberdade. Chegou o momento de nos liberarmos da escravidão espiritual dos desejos capitalistas animalescos que inventamos para nós mesmos. E da escravidão espiritual de nossos desejos egóicos de poder ditatorial. Chegou a hora de conquistarmos nossa alforria e aprendermos a alegria de viver num mundo repleto de pessoas livres.
E a utopia já esta acontecendo. Em oposição ao desespero do capitalismo exacerbado muitas pessoas começam a almejar e a viver uma vida mais sustentável, mais equilibrada, mais bela e mais em paz. Muitas dessas pessoas vêm há décadas organizando experiências sociais diferenciadas, criando novas éticas e novas instituições, que podem servir de exemplos a serem multiplicados (e retransformados, um dos princípios da ética xamânica é a transformação permanente) em outras instituições e outros grupos. A questão agora é unificar essas experiências em uma narrativa que ao mesmo tempo tenha identidade e permita a diversidade.
E essa utopia deve ser universal. Não pode servir apenas aos grupos independentes, tem que servir a todos. O socialismo quando surgiu não era classista, apenas para uma classe: ele sonhava um mundo melhor para todos. Os ecologistas sempre foram assim, mas poucos dos que trabalham com cultura entenderam que seu ideal é para todos. Não falamos de cultura apenas para quem faz arte. Falamos para todas as pessoas que querem viver melhor, numa cultura mais humana. Não falamos de novos modelos de produção que possibilitem a criatividade apenas para quem trabalha em coletivos independentes. Falamos de como esses novos modelos podem recriar até mesmo a vida de quem trabalha para grandes corporações. Uma utopia, para ser realmente utópica, tem que ter a pretensão de incluir todos os seres humanos e resolver os dilemas de todos. Só assim o mundo ela tem forças para transformar o mundo.
Tudo isso vem de uma nova ética, uma ética que criará um mundo mais belo e mais pacifico.
A beleza já existe. Ela está na diversidade do mundo e da natureza. Só quem reconhece a beleza que já existe pode criar mais beleza. Só quem agradece a natureza recebe dela a autorização para recriá-la sem destruí-la. Tal como acontece na cultura indígena tudo começa no diálogo com a natureza. E vale lembrar que a natureza inclui os seres humanos. Tudo começa no diálogo.
A paz vem do diálogo. O diálogo vem do não-julgamento. Tudo isso vem de uma nova ética.
A inspiração na Ética da Floresta, na Ética da natureza, no espírito da ética xamânica que nos ensina os nossos índios está mudando o paradigma da civilização atual e apontando novos caminhos para nossa vida. Isso se efetiva, por exemplo, nas práticas xamânicas mais urbanas espalhadas em inúmeros rituais religiosos de várias matizes e nos coletivos de cultura digital. E começa a ser debatido até mesmo dentro das grandes corporações que, vale lembrar, são “habitadas” por seres humanos que também sonham com uma vida melhor.
Assim como a Ética Protestante possibilitou o desenvolvimento do capitalismo (e vice-versa), o que está acontecendo hoje é que a Etica Xamanica da Floresta está possibilitando o surgimento da Economia Criativa. E que essa economia criativa é que vai superar os limites do capitalismo.
Temos que identificar os valores que já estão ocorrendo e analisar como eles se efetivam em instituições que já existem e já estão dando certo. Dessa forma teremos repertório conceitual e experiência acumulada para irradiar mais rapidamente essa nova energia e acelerar a revolução que o mundo já esta vivendo.
*Clique aqui para ler a primeira parte do texto de Newton Cannito, “A Ética da Floresta e o espírito das economias criativas”
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