A entrada de Hélio Costa no Ministério das Comunicações, em 2005, fez com que a comunicação social no governo Lula passasse a pender para os “donos da mídia”

Nesta edição, o e-Fórum prossegue o levantamento dos principais fatos que regeram as pautas da comunicação social no governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva. No terceiro ano de administração, em 2005, a mudança de titular na condução do Ministério das Comunicações estabeleceu definitivamente o rumo das questões do setor no governo federal. Se até então o governo inaugurava na história do país a aproximação com os movimentos sociais, a partir da entrada de Hélio Costa no Minicom, a “balança” pendeu mais para o lado dos “donos da mídia”, reproduzindo a prática dos governos anteriores.

Diretrizes ignoradas – Em um documento aprovado no início de 2005, o Ministério das Comunicações recebeu do Comitê Consultivo do Sistema Brasileiro de TV Digital (CC-SBTVD) as diretrizes e as ações que deveriam nortear a introdução da tecnologia digital na radiodifusão. O documento continha proposições elaboradas pela Câmara de Serviços, Conteúdo, Universalização e Inclusão Digital trabalhadas sob novos paradigmas, “aproximando quem produz e quem recebe”, relatava na época Alexandre Kieling, diretor da Associação Brasileira de Televisão Universitária (ABTU), e coordenador da Câmara de Conteúdo do Comitê Consultivo. A contribuição não foi sequer incorporada pelo governo que, entretanto, desacelerou o processo de decisão sobre o SBTVD, programado para 10 de dezembro.

Anatel chama CCS – Em meados de 2005, pela primeira vez, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) convocou o Conselho de Comunicação Social (CCS), órgão auxiliar do Congresso Nacional, a participar da formulação de uma norma. Foi para debater um Plano Geral de Metas de Qualidade para os Serviços de TV por assinatura (PGMQ-SCEMa). No encontro, os representantes do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) na Comissão de TV por Assinatura, Daniel Herz (falecido em maio de 2006) e Berenice Bezerra, apresentaram suas primeiras impressões sobre o texto aprovado pelo Conselho Diretor da agência reguladora. Em princípio, Anatel e CCS concordaram em sua abordagem, mas a expectativa, no Conselho, era de prosseguir com o processo de pesquisa e torná-la mais abrangente. A solicitação da Comissão do CCS era a inclusão de itens como a satisfação do usuário e direitos do consumidor.

A consulta ao CCS sobre alterações na regulamentação do segmento está prevista na Lei do Cabo (lei 8.977/95), mas o governo federal nunca havia cumprido esta determinação. O trabalho de cooperação entre o Conselho e a Anatel foi aprovado no dia 30/6, incorporando as 12 emendas propostas pelo CCS ao texto original, todas no sentido de adequar melhor as regras ao interesse público, à qualificação técnica e operacional da prestação de serviços e, especialmente, à preservação dos interesses e direitos dos assinantes.

Representante dos radiodifusores – A partir de julho, por força das negociações político-partidárias, assume o Ministério das Comunicações o senador Hélio Costa (PMDB-MG), representante declarado das empresas privadas de radiodifusão, sócio de uma emissora de rádio no interior de Minas Gerais. O jornalista assumiu o Minicom prometendo dar continuidade ao trabalho do ex-ministro Eunício de Oliveira, que cumpria a agenda do governo federal para o setor. Costa prometia dar prosseguimento ao processo de discussão e definição do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD) e de uma nova regulamentação para a comunicação de massa, cujo anteprojeto de lei estava em fase de formulação desde o início daquele ano. Ao assumir, porém, Costa adota uma postura diferente da defendida pelo Ministério sobre a questão da TV digital, trabalhando para que o Brasil definisse rapidamente um padrão e desde o início mostrou-se aliado dos radiodifusores na defesa do padrão japonês.

Lei de comunicação – O então presidente do Congresso Brasileiro de Cinema (CBC), Geraldo Moraes, declarou na época que a escolha de Hélio Costa para o Minicom implicaria no escanteio à tentativa de estabelecer maior controle público sobre o setor de comunicação social. Moraes argumentava que, em diversas ocasiões, Costa se manifestou contrário às questões de regulação. “Hélio Costa tem uma visão muito empresarial, é defensor do livre-mercado e deixou isso muito claro durante as discussões do anteprojeto que criava a Ancinav (Agência Nacional do Cinema e Audiovisual). Acho que todo o trabalho que vinha sendo feito pelo governo nesse sentido estará agora nas mãos do contrário”, afirmava. Quanto ao cinema, Moraes atribuía ao ministro uma atitude muito simplória, alinhada com a TV Globo. “Para ele, regulamentar o cinema brasileiro seria enfrentar as leis do mercado”. Moraes também não acreditava que Hélio Costa fosse desenvolver trabalhos na área da inclusão digital. “Sua visão é mais de tecnologia, de conglomerado. Ele vai se concentrar na implantação da TV Digital”, apostava. O ex-presidente do CBC tinha razão. Todas as suas preocupações foram confirmadas no decorrer da atuação do ministro.

Rádios comunitárias  – No trato com as emissoras comunitárias, Hélio Costa foi sempre contundente: sem outorga, são “piratas”. Sendo “piratas”, devem ser fechadas. Um grupo interministerial (GTI) de Radiodifusão Comunitária formado por oito ministérios, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a Fundação CPqD e representantes do movimento social ligado à radiodifusão comunitária havia trabalhado entre fevereiro e agosto de 2005, em 34 reuniões, para analisar as dificuldades do segmento. Um documento resultou destes encontros com propostas para alterar o quadro de incertezas na radiodifusão comunitária. O documento deveria ser entregue imediatamente ao presidente Lula, mas ficou retido no Ministério das Comunicações para apreciação do ministro Hélio Costa que acabou não encaminhando o relatório. Sem receber novas ordens, os fiscais da Anatel prosseguiram, em todo o país, com o fechamento das rádios de baixa potência, em abordagens junto com a Polícia Federal, muitas vezes de forma violenta.

Monopólio autorizado – O primeiro passo oficial do Estado brasileiro para permitir a fusão entre as operadoras de TV por assinatura DTH Sky e DirecTV foi dado em novembro de 2005 pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que concedeu aceitação prévia para a transferência do controle da DirecTV para a Sky Brasil. No exterior, as duas empresas já são controladas pelo conglomerado News Corporation, do megaempresário Rupert Murdoch. Quanto à evidente caracterização de monopólio, a Anatel considerou o fato positivo: “além de implicar a eliminação de um concorrente, resultará, para o Brasil, numa empresa detentora de mais de 97% do Mercado de Provimento de TV por Assinatura na plataforma DTH e de mais de 34% do Mercado de Provimento de TV por Assinatura, contando as três tecnologias”, informava a assessoria de imprensa da Agência, em comunicado oficial. A posição da Anatel foi criticada pelo FNDC. “Este é um segmento da comunicação eletrônica que tem poder para canibalizar os demais, uma vez que está em todo o território nacional e possui recursos praticamente inesgotáveis para novos investimentos e capitalização”, afirmou o coordenador-geral do Fórum, Celso Schröder.

O lado de Lula – No início de dezembro, o presidente Lula recebia no Palácio do Planalto dirigentes das principais redes comerciais de TV do Brasil, que foram defender sua posição sobre as definições em torno da introdução da tecnologia digital na radiodifusão. O jornal Folha de São Paulo de 9/12 revelava que pareciam existir dois pesos e duas medidas no tratamento que a sociedade civil recebia do governo federal no debate sobre o Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD) e quanto à democracia brasileira ainda está subordinada ao interesse dos “donos da mídia”. Os meses seguintes revelariam posturas ainda mais surpreendentes.

Fonte: FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação)


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