Conferência de Comunicação expõe conflitos do governo Lula


Enquanto o ministro das Comunicações, Hélio Costa, entende que os meios são democráticos e manda a juventude se ‘despendurar’ da internet, o Ministério da Cultura quer mais democracia nos meios e entende como fundamentais a democratização sobre radiodifusão comunitária, produção independente e regionalização da programação.  

Quando Gilberto Gil assumiu o Ministério da Cultura em 2003, o entendimento de políticas culturais foi ampliado para um sentido antropológico. Atual ministro, o sociólogo Juca Ferreira, define que “cultura é todo campo simbólico, toda atividade que ultrapasse o limite funcional, que tenha uma carga simbólica e contribua para a subjetividade”. Assim, políticas culturais envolvem um conceito muito mais amplo do que políticas públicas para a cultura. Elas são transversais a outras políticas e direitos.

Um dos principais entraves para descobrirmos a democracia cultural é formular políticas que promovam e protejam a diversidade das expressões artísticas e culturais nos meios de comunicação e que alarguem os gargalos de concentração de poder da informação. Teóricos entendem que é impossível dissociar comunicação de cultura. O próprio Ministério da Cultura já propôs algumas políticas que obtiveram sucesso – como o debate de Cultura Digital do Cultura Viva, a ratificação da Convenção da Unesco e os Pontos de Mídia Livre – e outros projetos que acabaram massacrados pelas grandes empresas midiáticas – no caso a tentativa de regulação do setor audiovisual com o anteprojeto de criação da Ancinav.

Assim, participação de artistas e pensadores do assunto é fundamental na 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) que se aproxima. Além das incertezas sobre os temas que estarão em pauta e como acontecerão as etapas locais e estaduais (que antecederão o grande encontro em Brasília, nos dia 1, 2 e 3 dezembro), a sociedade civil não empresarial preocupa-se em criar uma arena de debates sem tabus e com a presença dos mais diferentes segmentos sociais. A intenção é que o processo seja marcado não apenas como uma discussão de técnicas e tecnologias, mas que seja uma ampla reflexão sobre democracia e a sociedade que queremos.

A Conferência é reivindicada desde 2006 por entidades como o coletivo Intervozes, Conselho Federal de Psicologia e Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária que formaram em 2007 a Comissão Nacional Pró-Conferência de Comunicação, estabelecendo diálogo com governo. culminou no anúncio do presidente Lula durante o Fórum Social Mundial, em Belém do Pará, afirmando a convocação da Conferência ainda para este ano. Em 16 de abril, o decreto de convocação da Confecom foi publicado e a as entidades que compõem a comissão organizadora foram estabelecidas pelo Ministério das Comunicações (MiniCom), responsável pela organização.

Para acompanhar os passos do ministro das Comunicações, Hélio Costa, Lula convocou os ministros Luiz Dulci e Franklin Martins (secretarias Geral da Presidência e Comunicação Social, respectivamente). Durante coletiva de imprensa por ocasião da criação da comissão organizadora, Dulci afirmou que não existem temas tabus a serem conferidos. Entre os interesses que estarão em pauta nos dia 1, 2 e 3 de dezembro em Brasília, o ministro da Cultura quer afirmar as rádios comunitárias e possibilitar a experiência de TVs comunitárias, a regionalização do acesso a exibição e veiculação dos conteúdos e democratizar os meios de comunicação para que a produção independente tenha acesso aos meios de difusão.

“O Brasil é muito resistente em mudar a legislação. Até hoje, não conseguimos regulamentar o capítulo da comunicação na Constituição, como está previsto. Os interesses são muito grandes e poderos. Mas o povo brasileiro vai conseguir fazer isso”, acredita o ministro Juca Ferreira. O Ministro da Cultura refere-se aos artigos 221 a 224 da Constituição que afirma, entre outros pontos, que “os meios de comunicação não podem ser objeto de monopólio ou oligopólio” e que a programação de radiodifusores deve atender princípios como preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente.

Porém a boa vontade governamental para por aí. Aliás, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, é defensor dos interesses das empresas de radiodifusão e fez de tudo para que a Confecom não acontecesse. Depois de convocada, Hélio Costa já afirmou que os meios de comunicação já são democráticos, portanto não é necessário debater políticas de democratização da comunicação. Além disso, o ministro quer que a Conferência olhe para as novas tecnologias e no Congresso da Abert (associação dos donos de Rádios e TVs), realizado em maio, Hélio Costa afirmou que “a juventude precisa se despendurar da internet e voltar a ver TV”.

Não bastasse a má vontade, o orçamento do MiniCom destinado para a realização da Confecom era inicialmente de R$ 8,9 milhões, mas o governo já anunciou um corte que deixa pouco menos de R$ 1,6 milhão. A criação da comissão organizadora, sem nenhuma consulta, também expõe contradições. Conforme o jornalista Vilson Vieira Jr. denunciou em seu blog, quatro parlamentares que representam o Congresso têm propriedade sobre concessões públicas de rádio e TV. A primeira reunião da comissão aconteceu no dia 1º de junho e o próximo encontro será dia 19 de junho.

Diversidade Cultural
Na abertura do Quinto Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura promovido na UFBA (V Enecut), o presidente da Fundação Cultural Palmares, Zulu Araújo, afirmou que os grandes veículos de comunciação estão promovendo um verdadeiro cerco às políticas de reparação racial a partir das cotas em universidades. “É articulado e anti democrático. A democratização da comunicação é fundamental para repararmos a concentração”, pontuou.

Para o cineasta e pesquisador mineiro Joel Zito Araújo, que também participou do V Enecult, existe um tabu que começou agora a ter uma perspectiva interessante no debate de Tv Pública, a partir dos Fóruns. Ele lembra de uma pesquisa que constatou que no ano passado o número de apresentadores de telejornais brancos era de 93% do total em todo o país. O número de programas que falavam um pouco sobre cultura negra não chegavam a 8% da programação.

“Se nós não estabelecermos uma política para implementar o orgulho da diversidade, a incorporação de forma positiva do índio e do negro, nós não mudamos. Nós estamos presos a uma mentalidade ainda do branco como a melhor representação do humano. Portanto, essa Conferência tem que incorporar esse tipo de mudança. Se a gente não começar debater essa questão nas escolas e entre os profissionais de comunicação, não avançaremos”, acredita Joel Zito Araújo.

Carlos Gustavo Yoda

Carlos Gustavo Yoda é jornalista e comunicador de redes.

View Comments

  • Muito bem Yoda, precisamos ficar de olho, participar e ocupar a Conferência de Comunicação. Os artistas não podem se omitir diante disso.

    Quero discordar apenas de um ponto da análise. No início da primeira gestão do Lula esse conflito apontado existia de fato. Os ministros Helio Costa e Gilberto Gil até trocaram farpas pela imprensa. E o MinC era respeitado pela figura do ex-ministro.

    Acontece que de lá pra cá o MinC enfraqueceu bastante, perdeu ou foi omisso diante de todas as batalhas relacionadas à comunicação social.

    Da Ancinav à TV Brasil, hoje totalmente ocupada pela Rede Globo, faltou o que falta hoje na proposta para a Lei Rouanet: articulação, conhecimento do mercado, senso de realidade, habilidade política, diálogo, capacidade gestora.

    E assim o MinC deixou de existir como força de tensão ou de contrapeso na discussão pública sobre comunicação. Infelizmente, quero dizer, porque perdemos uma força importante (indispensável) nessa arena.

    Como não fez nada para fortalecer os entes da sociedade civil que trabalhavam essa questão, o MinC até contribuiu para enfraquecê-los, pois apropriou-se do discurso e do protagonismo das ONGs, que pensam agora em se reinventar para voltar a fazer oposição, já que no governo não há nenhum agente político de peso para dar voz à demanda dos movimentos organizados nessa área.

    Como eu não acredito em governo e sim na sociedade, considero esta uma excelente oportunidade para retomar a luta.

  • Carlos,
    Acho uma reflexão inicial importante sobre uma conferência tão acalentada pelos movimentos pró-renovação/re-democratização do meios de comunicação no Brasil.

    Agora é o momento dessa demanda saltar os muros e chegar a todos os grupos sociais organizados e a população em geral, afim de que a I ConfeCom possa refletir anseios macro/microscópicos de todo um país.

    Lembro também que em março de 2010, a realização da 2ª CNC (Conferência Nacional de Cultura) já trará muitos subsídios da conferência de dezembro deste ano. Por isso, faz-se importante pensar desde já as interfaces entre as duas instâncias, pois cultura e comunicação - assim como a comunicação para a cultura - soam organicamente integradas.

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