Contribuições do Fórum Pensarte

Foto: Gisela Giardino

O Instituto Pensarte, organização cultural de interesse público, com quase dez anos de intensa atuação, realizou, em parceria com o site Cultura e Mercado, quatro semanas de intensos debates sobre a proposta do MinC de substituição da Lei Rouanet, que contou com ampla participação de diversos setores da sociedade.

Dados do IBGE referentes ao ano de 2003 apontam que a Cultura emprega cerca de 4% da população economicamente ativa e pouco mais de 5% do total das empresas brasileiras. Isso demonstra o tamanho da importância do segmento para a economia do Estado brasileiro.

Acontece que a Cultura é ainda muito mais importante por tudo que representa na história de um povo, sendo parâmetro para as políticas educacionais e para a plena consecução da dignidade da pessoa humana.

Neste documento, elaborado por uma comissão de participantes do Fórum, apresentamos o resultado parcial desses encontros, para que o debate continue e sirva de parâmetro para o aprimoramento das leis que regem o setor.

Este documento também é encaminhado para a Casa Civil, sendo uma das contribuições para a consulta pública decorrente do projeto de lei que institui o Programa de Fomento e Incentivo à Cultura – Profic.

Fabio Maciel
Presidente do Instituto Pensarte

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1) Alteração e não substituição

O governo federal propôs a extinção da Lei Rouanet, principal mecanismo de financiamento à cultura do Brasil. É de se destacar que a Lei Rouanet, de 1991, que só ganhou adesão nos últimos anos, contribuiu e muito para a profissionalização e formalização de inúmeros profissionais que atuam no setor. Essa lei foi responsável pelo fortalecimento de importante cadeia produtiva, composta pelos que atuam diretamente no setor, como artistas, produtores, agências, e por aqueles que atuam indiretamente, como funcionários de empresas financiadoras, pessoas e empresas contratadas nos setores de hotelaria, alimentação, transportes, etc.

A economia da cultura gerou recursos, novos profissionais surgiram e o empresariado achou uma nova categoria de investimento indireto. O governo deve sim buscar melhorias constantes nas áreas em que atua, mas no caso da Cultura houve radical inversão de prioridade, tendo em vista que, em vez de lutar pelo aumento de orçamento do Ministério, o MINC preferiu atuar de forma a disputar os escassos recursos existentes, sendo que o maior valor vem justamente das leis de incentivo fiscal, como a Lei Rouanet. Acontece que a proposta apresentada (PROFIC) não altera a lógica do sistema, e nem traz mais recursos ao setor.

Se não bastasse isso, uma substituição da Lei Rouanet acarreta a submissão da nova lei à Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2008, que limita a concessão de qualquer isenção fiscal ao período máximo de cinco anos. Já é motivo suficiente para que não ocorra a revogação da Lei Rouanet, devendo ser apresentado novo projeto que apenas a reformule.

Além disso, deixou o MINC de lado as discussões mais importantes, que realmente poderiam trazer mudanças substanciais para o setor, que é a discussão de um Sistema Nacional de Cultura – SNC, juntamente com a aprovação da PEC 150, projeto de Emenda Constitucional que garante amplos recursos para a Cultura, no âmbito federal, estadual e municipal. A batalha deveria ter sido em prol dessas causas, e não de um arremedo de lei chamado PROFIC. Sem contar na oportunidade de conseguir financiamentos e outros benefícios para o segmento, com o intuito de enfrentar a crise financeira mundial, assunto que também foi deixado de lado pelos atuais componentes do MINC.

2) Dirigismo cultural

Apesar de algumas distorções, a Lei Rouanet vem permitindo que o Estado cumpra o seu papel de incentivar a produção cultural sem grande espaço para o dirigismo governamental.

No entanto, é fato que se os que investem em cultura e arte às vezes não resistem à tentação de dirigir seus criadores, seja para submetê-los aos objetivos do marketing, seja para atrelá-los de alguma forma a objetivos de governo, esses dois dirigismos, dependendo das doses com que sejam ministrados aos “pacientes” culturais, podem se tornar letais à criatividade de uma sociedade.

O texto do Profic demonstra que a proposta que revoga a Lei Rouanet apresenta sinais graves de “dirigismo cultural”. É que o Projeto do MINC deixa algumas das importantes definições da política de financiamento para regulamentação posterior (arts. 4, 7, 9, 11, 20, 21, 26, 27, 29, 33 e 50), em claro atentado à divisão de poderes, já que deixa para o Executivo a função de legislar.

O MINC torna-se senhor absoluto da destinação dos recursos, definindo como e onde os recursos das empresas apoiadoras serão utilizados. Outros apoiadores, que optarem pelo repasse dos valores diretamente ao FNC, terão apenas a vantagem da dedução fiscal. O incentivo a projetos deixa de passar pelo crivo dos apoiadores e do mercado para uma seleção e análise estatal que poderá ser feita até por terceirizados (cf. pár. único do art. 30 do PL). A tendência é que os hoje já poucos apoiadores percam o interesse pelo uso dos incentivos fiscais à cultura, e migrem para projetos esportivos e sociais. Afinal, estes ainda permitem as vantagens de marketing junto à dedução fiscal.  No curto ou médio prazo, a proposta de Lei pode até levar a um enfraquecimento da jovem indústria do entretenimento e do mercado cultural como um todo, pois o interesse dos grandes apoiadores em projetos deficitários ou mesmo polêmicos tende a ser sempre pequeno. As grandes empresas preferirão pagar o imposto ou buscar a mesma dedução através de outras ferramentas mais atraentes.

3) Critérios mais claros para a seleção/ Relevância Cultural

A discussão sobre a relevância cultural é antiga. Remonta o período de implementação da Lei Rouanet, no início da década de 90. Foi longa a batalha de artistas e produtores àquela época, para sustentar e manter o direito à isonomia e à autonomia de todos dedicados ao duro, complexo e pouco reconhecido ofício da cultura.

A atual proposta do MinC para a reforma da Lei Rouanet torna ainda mais nebulosa a questão da relevância cultural. Embora seja questão onipresente na retórica ministerial, o projeto de lei não estabelece qualquer critério para a seleção de projetos, ao contrário: deixa a definição de todos os critérios para o próprio poder executivo, e ainda permite expressamente que tais critérios extrapolem uma análise estritamente técnica e representem uma análise do “mérito”, ou validade cultural desta ou daquela manifestação artística.

O texto do Profic fez desaparecer o artigo 22 da Lei Rouanet, que dizia: “Os projetos enquadrados nos objetivos desta lei não poderão ser objeto de apreciação subjetiva quanto ao seu valor artístico ou cultural.” E há coerência nessa omissão, pois os critérios de avaliação dos projetos culturais, pela nova lei, não são nada objetivos. Fazem uma hierarquização dos projetos, estabelecendo seis faixas de dedução do Imposto de Renda devido – as de 30% e 100% (como atualmente), mais as intermediárias, de 60%, 70%, 80% e 90% – por meio de julgamento vago e facilmente suscetível a influências de caráter político, ideológicas ou partidárias.

Pela proposta ministerial, a definição teria apenas de ser aprovada pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (Cnic). Mesmo sendo um órgão paritário entre governo e sociedade, os representantes desta ainda estão para ser definidos. Aqui, também, seria preferível explicitar uma normatização que impeça a indicação de representantes chapa-branca, numa paridade de fachada.

Questiona-se também se os recursos do Fundo Nacional de Cultura canalizados para os projetos dos Fundos Setoriais da Cidadania, Identidade e Diversidade Cultural, entre outros, conseguirão competir em pé de igualdade com praticamente a totalidade das iniciativas artísticas nas áreas de teatro, circo, dança, artes visuais e músicas. É necessário, no mínimo, criar critérios para orientar um compartilhamento equilibrado dos recursos entre as diversas categorias de projetos e ainda entre aqueles de interesse claramente público e aqueles propostos pela sociedade civil.

No artigo 18, parágrafo 1º, a proposta de Lei aponta que “nos casos em que houver alta relevância cultural (…) o financiamento do projeto cultural poderá ser integral”. Novamente pergunta-se: qual a definição de “alta relevância cultural”? Tais apreciações subjetivas facilitam o uso abusivo e indiscriminado dos dirigentes públicos na aplicação da Lei.

A “alta relevância cultural” (cf. art. 18, § 3º do PL) e “ações transversais”, serão definidas pela CNIC (cf. Art.17, § 3º do PL). Com critérios tão amplos, e sem limitações previstas em lei, a CNIC terá amplos poderes para definir os investimentos em cultura e as faixas de renúncia fiscal, utilizando para tanto até mesmo fatores políticos externos.

Outras modificações relevantes da proposta de Lei tentam incentivar a chamada “co-participação” de recursos públicos e privados em projetos culturais, e o aporte de dinheiro de pessoas jurídicas diversas em forma de parcerias. Porém, a proposta indica que composições entre recursos não-incentivados de empresas privadas com recursos oriundos do FNC serão sempre limitadas a “ações culturais de interesse estratégico para o desenvolvimento das cadeias produtivas da cultura”, o que deverá ser indicado também pela CNIC (cf. art. 12 do PL), e consequentemente deixa mais uma vez em aberto o entendimento sobre qual balizador estratégico está se falando.

4) Direitos autorais (a questão do licenciamento para o governo/ artigo 49)

Chama a atenção importante mudança na proposta do MINC quanto à propriedade intelectual. O Projeto de Lei explicita claramente que o MINC e os demais órgãos da Administração Pública Federal poderão dispor, para fins não-comerciais e não-onerosos, de todos os bens e serviços culturais financiados com recursos públicos, após um período de três anos da chamada “reserva de direitos” de utilização sobre a obra, sem maiores detalhes sobre como isso irá ocorrer (cf. art. 49 do PL). E em se tratando de fins educacionais, o Estado poderá utilizar como quiser qualquer obra que recebeu recursos públicos, sob qualquer modalidade de incentivo e sem qualquer limitação, após um prazo de “reserva” de um ano e seis meses (cf. par. único do art. 49 do PL).

A disposição acima cria um precedente muito perigoso. Sua abrangência implica que o Estado poderá dispor livremente, e até licenciar para terceiros, obras criadas ou desenvolvidas até com um percentual mínimo de recursos públicos.  Ou seja, a proposta do MINC pode realmente impor aos autores modelos de licenciamento “estatal” não-comercial para seus produtos, e autorizar os entes públicos federais a disponibilizar via Internet, sem qualquer controle, filmes e toda sorte de bens culturais. Pode fazer isso e muito mais, sem qualquer controle externo, desde que comprovado o “uso não-comercial e não-oneroso”.

É como se o Brasil criasse uma “licença compulsória” em matéria autoral, sem qualquer remuneração direta, ao arrepio da legislação específica da matéria.

A proposta pode sim considerar a utilização das obras pelo Estado, nada mais justo, já que financiado com recursos dos impostos, desde que respeite os direitos autorais.

5) Desigualdade regional

O Ministério, em sua defesa pela nova proposta de Lei, apóia-se fortemente no argumento de que a atual Lei Rouanet favorece grande concentração de recursos na região Sudeste.

A realidade é que a proposta de Lei e o MINC não explicam uma questão básica: como fazer com que a modificação de um mecanismo baseado na renúncia fiscal (atrelado, portanto, à existência de empresas contribuintes de impostos) aumente os recursos disponíveis para investimento em regiões onde não há volume equivalente de empresas e de recolhimento de impostos?

Basta olhar o número de projetos apresentados por região (5.525 na Região Sudeste e 146 na Região Norte) e o número de projetos aprovados (4.630 na Região Sudeste e 108 na Região Norte) – dados de 2008.

Seguem alguns aspectos que evidenciam a fragilidade da proposta do MINC quanto a desconcentração dos recursos a serem aplicados na cultura:

Escala de isenção na nova proposta do MINC
O que existe na nova proposta de Lei é o estabelecimento de faixas de isenção escalonadas cujos critérios não são definidos, mais uma vez são deixados para o “regulamento” que não conhecemos hoje. Criar uma escala de isenção pelo suposto mérito do projeto não fornecerá subsídios suficientes para aumentar o aporte de recursos nas demais regiões do país.

Concentração dos recursos de Fundo Nacional de Cultura aplicados pelo MINC
Se analisarmos a distribuição regional dos atuais recursos do Fundo Nacional de Cultura diretamente administrados pelo ministério, veremos que o próprio MINC segue a mesma lógica das leis de incentivo, mantendo a concentração regional.
De 2002 a 2007 o Rio de Janeiro recebeu 25% dos recursos do Mecenato (patrocinado pelas empresas) e recebeu 26% do que foi distribuído pelo Fundo Nacional da Cultura, administrado pelo MinC. Já São Paulo e Minas que receberam 54% dos recursos do Mecenato (artigo 18 + 26 , empresas) também continuaram a receber uma grande parte do FNC; receberam juntos 25% do total do bolo do FNC (MinC). (fonte: MinC 2002-2007)
O mais grave é observar que os Estados do Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Espírito Santo, Maranhão e Mato Grosso do Sul receberam cada um valor próximo de 0% do Mecenato, também receberam um valor próximo de 0% do total aplicado pelo Fundo Nacional da Cultura administrado pelo MinC. (fonte: MinC 2002-2007)
Portanto é evidente que o Fundo Nacional da Cultura também segue a lógica da concentração. Isso é óbvio: a concentração se dá por fatores econômicos e de densidade demográfica, não sendo culpa da Lei Rouanet, e a proposta do MINC não traz critérios para mudar esse quadro.

Aplicação dos recursos segue a lógica econômica e um padrão de comportamento
A Lei Rouanet e o projeto atual coincidem em um ponto central: só podem se beneficiar dos incentivos fiscais as empresas que estão no regime de lucro real, ou seja, a atual Lei Rouanet passa a ser obrigatória para empresas com receita bruta anual acima de R$48 milhões.
A opção por restringir o universo dos possíveis investidores em projetos culturais fez com que se definisse que esses investimentos fossem feitos somente pelas grandes empresas. Ora, se a maior parte das grandes empresas nacionais estão sediadas na região Sudeste, e se a tendência de qualquer investidor é aplicar o seu recurso nas ações que aconteçam na sua esfera de atuação estratégica/geográfica, continua não havendo na lei mecanismos que permitam a distribuição regional, obrigando que os empresários invistam mais num local ou em outro.

Reclamar da concentração, portanto, é, no mínimo, hipocrisia. Ou simplesmente má fé. A lei induz à concentração. E o projeto repete a dose.

6) Modelo de análise/ morosidade

Existe outro problema que gera sérios entraves ao funcionamento e a efetividade da Lei Rouanet: a burocracia para a aplicação de recursos em projetos incentivados, especialmente para o patrocinado.

7) Diversificação de financiamento (Ficart/FNC)

A aprovação pelo Congresso Nacional, em 1991, da Lei 8.313, definiu normas para o financiamento federal à cultura brasileira. Junto com a Lei 8.313 três mecanismos de financiamento a cultura foram instituídos: Mecenato, Fundo Nacional de Cultura e Ficart, estes dois últimos com o propósito de fortalecer o papel do MINC, destinando recursos a projetos que ficariam a margem da lógica de mercado e do interesse de investimento das grandes empresas.

Ao longo desses 17 anos de mecenato brasileiro assistimos, no entanto, ao quase falecimento do Fundo Nacional de Cultura e do Ficart, dado o baixo valor aplicado através destes mecanismos e também a falta de informação sobre estes mecanismos.  Fica claro que a diversificação das fontes de financiamento é ponto fundamental e necessário para o fortalecimento do papel institucional e estratégico do MINC.

Neste sentido é bem-vinda a sugestão do MINC de diversificar formas de acesso aos recursos públicos, a exemplo do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), instituído pelo Ministério da Cultura no ano passado, que garante a participação social dos setores envolvidos.

Outros exemplos de fontes financiadoras que merecem atenção são microcrédito, as Parcerias Público-Privada e o Vale Cultura, outras formas de incentivo que podem viabilizar uma nova aliança entre poder público e mercado, para a constituição de uma economia criativa sólida no país.

A diversificação de fontes de financiamento deve ser vista como modalidades de financiamento a serem utilizadas de forma integrada e complementar a renúncia fiscal. Ou, em outras palavras, que é possível garantir a sua efetividade através da reforma da atual Lei e não de sua revogação.

Na proposta apresentada pelo MINC ainda fica muito obscuro de que forma o Governo pretende transformar renúncia fiscal em fundos públicos, garantindo orçamentos para a Cultura.

8) Fortalecimento do FNC (Setorização da FNC – por área cultural – artigo 8/Renúncia fiscal X Fundo Público/ Loteria da Cultura)

O mecanismo do FNC é essencial para a saúde da política cultural, porém, sua forma de aplicação há que ser melhorada.

A partir de 1999 o fundo passou a ser gerido somente pelo Ministro da Cultura, sem participação dos demais membros do Ministério ou mesmo da CNIC. A CNIC, para a Lei Rouanet original, representa a garantia de uma forte participação da sociedade na gestão dos recursos públicos, que sofre aqui com a diminuição de seu papel.

Em 2006 foi editado o Decreto nº 5.761, que altera o poder decisório do fundo, passando-o às mãos do Secretário-Executivo do MinC, com a participação dos demais secretários e presidentes de vinculadas (que passam a integrar a chamada “Comissão do Fundo Nacional de Cultura”). Na verdade, o Ministro nesse caso homologa o plano e projetos apresentados pela Comissão do Fundo. Nada é tratado sobre competência da CNIC ou mesmo sobre participação popular nas instâncias decisórias, mantendo-se a decisão no âmbito da estrutura do MINC.

Com seus instrumentos geridos diretamente pelo Ministério da Cultura, o fundo tem uma destinação de recursos sem uma política definida, para dizer o mínimo. Como a decisão é de competência do gestor de plantão, o formato que os recursos são repassados depende exclusivamente do estilo de gestão. Alguns mandam mais dinheiro para atender um tema específico de interesse, outros favorecem um estado ou cidade que lhe interesse, ou mesmo qualquer deles atende pedidos “políticos” de toda ordem.

A criação de uma nova Lei pretende setorizar novos fundos com maior participação social. Esta discussão é interessante, desde que esses novos fundos sejam realmente setorizados por representantes das cinco regiões do Brasil, não sendo representado prioritariamente por uma única região como acontece atualmente na CNIC.

Entende-se, porém, que as grandes fragilidades do FNC residem na centralização das decisões nas mãos do Governo. Propõe-se que haja a transferência para a sociedade, em conjunto com o Governo, das decisões no âmbito do Fundo Nacional de Cultura e do Mecenato. Assim era no início da lei e assim deve ser novamente: democracia é essencial nesse processo.

9) Faixa isenção (30%, 60% e 100%, e que tem que ser baseadas em critérios muito claros)

O Ministério da Cultura propõe maior número de faixas de dedução: 30%, 60%, 70%, 80%, 90% e 100% dos valores despendidos. Os critérios para tal enquadramento sob responsabilidade da CNIC, no entanto, ainda não foram definidos. Há que se pensar e estabelecer como estas faixas de dedução serão aplicadas de forma a preservar as características do incentivo fiscal, além de se alinharem a uma política cultural de financiamento a cultura.

É importante ainda lembrar que outros mecanismos de Incentivo Fiscal, a começar pela Lei do Audiovisual, sem falar naqueles da área social e de esporte, poderão oferecer melhores condições de participação e patrocínio às empresas.

10) Vale Cultura

Entre as propostas apresentadas pelo Ministério da Cultura na reformulação da Lei Rouanet há o Vale Cultura, com o qual há concordância generalizada.
Como será um projeto a parte e independente, deveria ser encaminhado o mais rápido possível ao Congresso Nacional.

11) CNIC (Parâmetros da CNIC, quem são esses representantes da cultura para decidir sobre os projetos a receberem os incentivos?)

O poder decisório sobre os projetos a serem aprovados no Mecenato era originalmente da CNIC. Em 1999, na mesma lei que altera a competência do fundo, passa-se a decisão de tudo ao Ministro da Cultura e a comissão (CNIC) passa a ter um papel meramente consultivo. De novo, no segundo mecanismo da lei planejado para trazer a sociedade a participar, o Estado corta os instrumentos de participação popular.

Paralelamente ao que está expresso na legislação, a CNIC tinha um papel junto ao MINC, no principio da década de 90, estratégico na construção de políticas públicas. Importantes pensadores da área cultural de nosso país foram membros da comissão nesse período. Ao longo do tempo, no entanto, seu papel foi sendo desprestigiado pelos Ministros que passaram pelo posto. Mais que isso: mesmo não tendo a comissão poderes de aprovação, o Ministério usou a prática de cortar um ou outro membro sem explicação, ferindo os princípios republicanos de gestão.

O modelo de participação dos setores culturais por meio de conselhos faz parte da atual Lei de Incentivo e de todas as Leis de Incentivo do País. É a melhor forma de garantir participação da sociedade. É necessário o fortalecimento deste conselho, aumentando sua participação e responsabilidade sobre a divisão dos valores da cultura. Nada melhor que os próprios conselheiros setorizados para saberem a realidade de cada segmento cultural.
PROPOSTAS

1. Alteração e não revogação da Lei Rouanet, com a conseqüente supressão do limite de 05 anos para o mecenato, garantindo a continuidade do mecanismo ao preservar a vigência da Lei 8.313/91.

2. Manter o artigo 22 da Lei Rouanet, garantindo, dessa forma, que os projetos não poderão, em hipótese alguma, ser objeto de apreciação subjetiva quanto ao seu valor artístico ou cultural.

3. Inserir, no corpo da Lei, quando for o caso, requisitos objetivos para enquadramento de projetos nas escalas de benefício, definição da composição e competência da CNIC e detalhamento sobre a administração e aplicação de recursos do FNC – Fundo Nacional de Cultura.

4. Garantir um período de transição de pelo menos dois anos entre o modelo da lei Rouanet até a completa regulamentação de suas alterações, sem prejuízo para os artistas, produtores e patrocinadores.

5. Ampliar o limite de renúncia para 8%, para empresas com faturamento até R$100 milhões, contemplando também aquelas que recolhem impostos no regime de lucro presumido, visando estimular o investimento de empresas de menor porte, com grande impacto na desconcentração de financiamentos.

6. Na hipótese acima indicada, 1% do valor captado deverá ser destinado ao FNC, e 7% para outros projetos.

7. Para empresas com faturamento acima de 100 milhões, respeitando a proporcionalidade, ampliar o limite do percentual de abatimento do Imposto de Renda devido pelas pessoas jurídicas de 4% para 5%. O limite de 5% poderá ser utilizado unicamente quando o patrocinador destinar 0,5% do abatimento ao Fundo Nacional de Cultura.

8. Ampliar o limite de dedução das pessoas físicas para 10% do Imposto de Renda devido, com abatimento integral da despesa (100%) autorizado para todas as áreas culturais.

9. Em princípio todos os projetos deverão ter 100% de abatimento. Nos casos em que seja evidente a viabilidade econômica, manter 30% e 60%, com autorização para dedução dos valores como despesa operacional. Estabelecer critérios objetivos, em função da viabilidade econômica, para inserir os projetos em 30% ou 60% de abatimento de impostos.

10. Suprimir da reforma qualquer restrição do volume de patrocínios diretos a um percentual do lucro operacional, como proposto no artigo 19 da consulta pública.

11. Manter as mesmas criminalizações já existentes na Lei Rounet, sem ampliá-las, como consta no Profic.

12. Adoção de mecanismos de prestação de contas dos projetos incentivados via Internet, facilitando a transparência e a própria prestação de contas.

13. Estabelecer, no texto de alteração da Lei Rouanet, como será a composição, o processo eletivo e o tempo de mandato dos membros da CNIC, assim como sua competência.

14. A CNIC deverá estabelecer metas percentuais para destinação de recursos entre as cinco regiões do país, considerando o número de habitantes de cada uma delas.

15.  Nenhuma alteração de artigo deve ficar para ser regulamentada posteriormente, como acontece nos arts. 4, 7, 9, 11, 20, 21, 26, 27, 29, 33 e 50 do Profic.

16. Melhorar a gestão do MINC para agilizar a tramitação dos projetos.

17. Autorizar o recebimento de projetos culturais, permanentemente, por intermédio de protocolo de via física, além do envio pela Internet.

18. Garantir que os proponentes possam ser representados, em todo e qualquer ato, por procuradores devidamente constituídos.

19. Vale Cultura: como será um projeto a parte e independente, deve ser encaminhado o mais rápido possível ao Congresso Nacional.

20. Suprimir a proposta de utilização das obras que desconsidera os direitos autorais. A proposta pode sim considerar a utilização das obras pelo Estado, nada mais justo, já que financiado com recursos dos impostos, desde que respeite os direitos autorais.

21. Manter a Lei Rouanet e as outras que compõem o segmento da Cultura em consulta pública permanente, como forma de sempre angariar contribuições e melhorias para o setor.

INSTITUTO PENSARTE
www.pensarte.org.br
www.culturaemercado.com.br

Leia também o caderno especial sobre a Lei Rouanet, publicado pelo Instituto Pensarte: clique aqui para baixá-lo em PDF.

Fabio Maciel

Presidente do Instituto Pensarte, professor, advogado formado pela USP, mestre em filosofia do direito e do Estado, autor e ex-editor jurídico da Editora Saraiva.

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  • Que belo trabalho!
    Parabéns!
    Enquanto isso, nos dois últimos dias de "consulta pública", o site do Ministério da Cultura está fora do ar...

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