Dentro do recorte de valorização do Direito de Autor na Diversidade Cultural, abre-se um caminho para tirar dos grandes provedores de conteúdos o argumento de que eles produzem apenas bens e serviços de entretenimento e, por isso, insistem em ser regulados apenas por leis da Organização Mundial do Comércio, OMC, que tratam das regras do direito da concorrência. Com base nessa possibilidade, o representante do Minc interpreta a Convenção da Diversidade como um posicionamento “contra o crescente predomínio do liberalismo econômico”, mas sua reflexão política não atenta, pelo menos publicamente, para a ameaça que ela traz no pós-neoliberalismo, de apenas trocar de modelos monopolistas por hegemônicos.
A procura por maior clareza diante do complexo cenário atual, deveria, a priori, distinguir conceitualmente Direito de Autor de Propriedade Intelectual, para eqüalizar o entendimento mínimo por ocasião das discussões promovidas pelo Ministério da Cultura. Porém, mesmo antes de sentar à mesa de debate, o Minc já impôs o uso da licença norte-americana Creative Commons no País, causando uma indesejável ambigüidade na sua postura diante da questão. Esperava-se uma atitude do Minc mais próxima do projeto de Brasil que o governo federal vem tentando construir, com o fortalecimento de laços regionais para o diálogo global. Na China, os responsáveis pela cultura não relutaram em levantar a cabeça para encarar de frente os acontecimentos. Empresas como a Google perderam a hegemonia naquele país porque o governo chinês fortaleceu buscadores locais, como o Baidu.
No tocante ao “acesso eqüitativo a uma rica e diversificada gama de expressões culturais provenientes de todo o mundo”, Marcos Alves de Souza diz que “preocupa o Brasil” o direito autoral ser extremo, o que o torna uma barreira a esse acesso. O problema é que, da boca para fora, o Minc parece combater o tratamento de mero objeto mercadológico dado ao Direito Autoral, mas, na intimidade dos seus “especialistas”, não estaria conseguindo livrar-se dessa tentação. Seria muito bom se o órgão de cultura do governo brasileiro pudesse realmente se colocar além do jogo pós-neoliberal vigente, mas, entre o que se vê e o que se ouve, ficam ecoando palavras de “resguardo das criações humanas de ações predatórias” e nada mais.
O posicionamento da Microsoft é parecido com o do Minc. A empresa de Bill Gates defende que a Propriedade Intelectual seja forte o suficiente para encorajar os artistas e os inventores, enquanto a lei deve ser flexível, também o suficiente, para que as pessoas possam usar o que os outros criam. A Microsoft desenvolveu junto com a Creative Commons uma ferramenta de licenciamento de copyright livre para uso nos programas do Office, sob o argumento de que “trabalhando com a comunidade e o CC” a empresa deu asas a um método simples para autores e usuários construírem “idéias” sem deixar de respeitar a legitimidade da Propriedade Intelectual. Vale observar que em 1976 Gates havia chamado o compartilhamento de software de “roubo” e que as empresas norte-americanas não usam a expressão Direito Autoral, do modelo europeu, mas Propriedade Intelectual, que está mais intimamente ligada a negócios.
Quando o coordenador de Direitos Autorais do Ministério da Cultura esclarece que “o governo brasileiro também compreende que não seria justo prover o acesso às expressões culturais, isto é, a obras protegidas por direitos autorais, sacrificando a proteção do autor” dá vontade de acreditar, embora tais palavras soem como uma concessão quase bondosa, uma liberalidade de gestão. Entretanto, quando se observa nas peças do Minc, a marca do velho “copyright” ligeiramente sobreposta em si mesma no selo do Creative Commons e sua luta pelo fortalecimento da nova hegemonia global no mercado de conteúdos e de significados, a verdade dos símbolos fala mais alto do que a voz hesitante do Minc.
A melhor forma de o Brasil se colocar com altivez nos fóruns multilaterais de cooperação que tratam de cultura é defendendo propostas que não estejam subordinadas diretamente aos interesses econômicos de hegemonia. Cada país, isoladamente ou em agrupamentos regionais, por comunidade lingüística, sentido comum e assemelhamentos culturais, poderia fazer o seu portal e o problema de acesso aos trabalhos autorais estaria bem encaminhado, inclusive nas muitas sociedades ainda desconhecidas. Por que é tão difícil fazer assim, o que parece tão fácil? Porque dessa forma as corporações transnacionais, que querem a manutenção da hegemonia do comércio de conteúdos, não aceitam. Além do mais, essa democratização
honesta dos conteúdos culturais quebraria outro tipo de hegemonia que está disseminada na ilusão de que os países que dominam o mundo pela guerra e pelo poder econômico, são também os geradores de valores humanos e estéticos mais recomendáveis para o que chamamos de civilização.
O deslumbramento hiperbólico que sufoca os fins em nome dos meios provoca devaneios nos templários da virtualidade, que passam a propagar apenas a idéia-força da ordem pósneoliberal, mas sem qualquer aprofundamento com relação aos objetivos que lhes deram razão de existir. Assim, qualquer engano bem assimilado por versões de um direito adquirido no passado pré-iluminista, transforma-se num álibi de moral messiânica, de desejo de enraizamento do mundo tecnológico no cotidiano global, que é empobrecedora da ética humana. A principal alegoria dos defensores do Creative Commons é a recorrência a antigas acepções fósseis da negação do autor. Eles operam a projeção de passados para desatinar a
saudável impetuosidade do novo, rumo ao comportamento que lhes interessa.
O resultado dessa perturbação da consciência é que estamos deixando de usufruir mais e melhor da oportunidade histórica que está posta pelo mundo digital, por conta de uma adesão precipitada dos nossos gestores de cultura a engodos pós-neoliberais como o Creative Commons. Temos muito o que compartilhar. O portal eletrônico “Domínio Público”, da Biblioteca Nacional é, por exemplo, uma ferramenta espetacular de disponibilização de obras. Precisaríamos de algo assim para colocar a cultura local na cultura do mundo. O Ministério da Cultura só teria que criar o espaço virtual e um selo tipo “diversidade cultural brasileira”
[dcBR], para distribuição de obras com cópias autorizadas para fins de uso livre pela sociedade, limitadas apenas à exploração comercial. Em contrapartida, o Minc forneceria em seu portal o cadastro atualizado do autor, de seus herdeiros ou representantes legais para que fossem facilmente localizados em caso de buscas para finalidades comerciais.
As pessoas que conquistaram o estatuto do software livre, inspiradas na defesa da circulação plena da informação, merecem ser admiradas, mas, por muitas delas não perceberem que a luta na arena do domínio tecnológico é apenas uma variante do mundo contemporâneo, acabam cometendo equívocos que precisam ser dissipados. Um deles é o de essas pessoas se sentirem autorizadas a decalcar sua tática vitoriosa para o mundo autoral, vendo-o como mero alvo de dívida simbólica, como simples matéria-prima para processamento digital e muitas vezes como adversário. No âmbito das manifestações artísticas e literárias a estruturação da subjetividade não pode nem deve se restringir à idéia homogeneizante que desconhece o outro como alguém que precisa ser recompensado pelo seu ato criador.
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Exelente texto Flavio
Carecemos mesmo de um reflaxão mais profunda sobre o tema!
Cara, desisto.
Bater boca com um surdo é mais produtivo...
Se você não estivesse tão preocupado em escrever períodos longos e vazios de significado, talvez tivesse tempo de pensar um pouco. É uma pena.