“Uma empresa, uma organização ou até mesmo um profissional liberal precisa ser empreendedor, administrador e técnico para que sua atuação seja sustentável ao longo do tempo, ainda que sua vocação e seu perfil sejam de criativo.”
Graduado em Música pela Universidade de São Paulo (USP), Krulikowski tem mais de 15 anos de experiência em gestão executiva de projetos e negócios, com ênfase em finanças, planejamento estratégico, plano de negócios e desenvolvimento institucional. Ele estará na sede do Cultura e Mercado, em São Paulo (SP), de 24 a 26 de junho para mais uma edição do curso Finanças Aplicadas à Cultura, onde apresenta os conceitos básicos da gestão financeira e contábil para quem trabalha no setor.
Em entrevista, ele explica por que é importante que os profissionais da área cultural entendam de finanças e fala sobre como buscar a sustentabilidade de projetos e negócios culturais.
Cultura e Mercado – Os profissionais da área cultural vêm sendo demandados, cada dia mais, no sentido de compreender seu trabalho também sob a ótica administrativa, financeira e contábil. Mas isso ainda é muito difícil para grande parte desses produtores, gestores e até mesmo artistas que precisam cuidar da sua própria carreira. Ser criativo e administrador é mesmo esse bicho de sete cabeças?
Erick Krulikowski – Realmente é bastante difícil encontrar essas duas características na mesma pessoa, até porque são vetores de trabalho de certa forma distintos. Há muito que a administração estuda o perfil do empreendedor ou do criativo, buscando maneiras de compreender sua atuação em uma organização. Michael Gerber, no livro “O mito do empreendedor”, consolida três perfis básicos em uma empresa ou instituição: o empreendedor (aquele sonhador, visionário, uma personalidade criativa), o administrador (o planejador, pragmático, treinado para ver problemas e organizar) e o técnico (aquele que adora fazer, feliz trabalhando nas tarefas e em seu modo de fazer – é o ‘mão na massa’). É lógico que não somos somente um ou outro perfil, mas a grande maioria de nós acaba se encaixando mais em um perfil do que em outro. O artista, por exemplo, adora investir sua energia na produção da arte; um músico adora estar estudando, ensaiando e tocando, e não quer se envolver em negociação financeira ou contadores, certo? Assim, ele assume um papel de técnico. E os principais problemas neste tipo de posicionamento se revelam desenvolvimento de uma visão de longo prazo e em lidar com as questões práticas do dia-a-dia. Uma empresa, uma organização ou até mesmo um profissional liberal precisa ser empreendedor, administrador e técnico para que sua atuação seja sustentável ao longo do tempo, ainda que sua vocação e seu perfil sejam de criativo.
Acredito ser complicado ser muito bom criativo e muito bom administrador, por serem de fato focos de trabalho distintos. E aí é que se torna importante estar cercado de uma equipe ou de parceiros complementares, que possam apoiar o criativo nas outras áreas, como um financeiro, um manager e outros. Mas de qualquer forma, o criativo não pode simplesmente ‘delegar’ completamente essas tarefas para outros, deve se preparar e ter conhecimentos básicos de gestão e finanças para saber o que pedir, quando pedir e entender se alguém está fazendo alguma coisa errada. Por que, no final das contas, a responsabilidade será sempre do empreendedor criativo, então é preciso assumir essa responsabilidade ao invés de negar esse fato.
CeM – O setor cultural ainda vive uma lógica muito baseada em projetos, editais e leis de incentivo. É possível conquistar a sustentabilidade da cultura com essa visão?
EK – Existem duas questões a serem abordadas aqui: primeiramente, o conceito de sustentabilidade, para muitos, significa não ter tantas dificuldades para captar recursos. Só que isso não existe. Até grupos e instituições consagradas têm que trabalhar muito para captar e vender, continuamente. Assim, a sustentabilidade não é uma situação estática, mas sim um processo contínuo que faz uma empresa ou organização se manter equilibrada, gerando valor sociocultural, ambiental e econômico.
O outro ponto diz respeito à lógica de financiamento atual: a maioria das produtoras e instituições culturais no Brasil vive mesmo de projetos, tanto captados pelas leis de incentivo quanto por meio de editais. Para isso, acabam lidando com uma diversidade grande de projetos, sendo que nem todos eles contribuem de fato para que a organização cumpra sua missão – são apenas formas da organização conseguir alavancar recursos para manter sua equipe. Esse círculo é perverso e, muitas vezes, pode contribuir para que as instituições se tornem auto-centradas, focadas em prestar contas para o governo para conseguir mais recursos e menos preocupadas no impacto junto ao seu público-alvo. Afinal, se quem paga a conta é o governo, e o governo não se preocupa com avaliações de resultado (basta entregar o produto ou realizar o filme), a avaliação sobre a qualidade artística ou o feedback do beneficiário final do projeto fica em segundo ou terceiro plano. Com isso, a relevância do produto cultural e artístico fica prejudicada. É por isso que defendo que as instituições devem investir, cada vez, no desenvolvimento de produtos e serviços para atuarem no mercado. Não se trata somente da criação de fontes de recursos para tornar a instituição mais sustentável, mas também de buscar formas de testar a relevância do que se está fazendo. Como se fossem pequenos testes que nos indicassem que estamos no caminho correto, criando fluxos e energias importantes para a sobrevivência das instituições. Além de um efeito na relação com a sociedade, a diversificação de fontes de financiamento é um item primordial para uma estratégia de sustentabilidade financeira de uma empresa ou organização. A concentração de recursos em um mesmo cliente/financiador ou em um mesmo projeto é arriscada, e o ideal é criar um composto que permita aproveitar oportunidades ou ter uma saída para o caso de um patrocinador interromper o investimento.
CeM – Muita gente ainda tem dificuldade em entender que suas ideias podem – ou até devem – ser vistos como empresas, negócios que precisam ser pensados estrategicamente para se manterem vivas. A que podemos atribuir isso? É uma questão brasileira, ou acontece em outros países também?
EK – Essa não é uma questão somente brasileira, mas é inegável que existem formas diferentes de lidar com o dinheiro e com os negócios em cada país. É cultural. O Brasil é um país latino com forte tradição católica, com uma culpa quase franciscana por ganhar dinheiro, diferente de países protestantes como os EUA e a Inglaterra, onde se valoriza a prosperidade. Nosso ensino superior tem grande ênfase no ensino de humanas, diferentemente de um país como a Coréia do Sul, por exemplo, cuja ênfase está no campo de exatas. Na Inglaterra, empresários bem sucedidos acreditam que parte de sua função é ajudar outros empresários a crescer; aqui, quem é bem sucedido é alvo de inveja dos demais e não compartilha o que aprendeu com os demais. Sem contar com um certo ideal romântico que temos do artista ou do empreendedor social, que devem ser abnegados e não devem se preocupar com o dinheiro ou com coisas superficiais como documentos, impostos, gestão. O que sobra neste caldo? Um capital humano pouco qualificado para pensar estrategicamente a forma como nossas empresas e organizações podem ser sustentáveis e atuar no mercado. Quando pensamos em gestão e na nossa própria relação com o dinheiro, muitas vezes fazemos as perguntas erradas. A grande questão é: o que fazemos com o dinheiro? Qual papel ele representa em nossas vidas? Ele é um meio ou um fim? Termos como planejamento, gestão e finanças são muitas vezes vistos como chatos, caretas. Na real, não são. A gente os entende como meio e não como fim: como forma de viabilizar a criação e o pensamento.
CeM – Qual a importância de mudar esse paradigma no Brasil? E por onde começar?
EK – É fundamental mudar esse paradigma, sob o risco de não conseguirmos desenvolver um ecossistema realmente mais sustentável. E devemos começar dentro de casa, nos capacitando, olhando para o que fazemos de outra forma, pedindo feedback e melhorando a cada dia.
CeM – Vamos supor que eu sou uma produtora cultural que não tenha nenhum conhecimento de finanças, mas identifiquei que preciso tomar conta disso pro meu projeto ou negócio cultural se manter. Como saber se vou conseguir fazer isso? Qualquer pessoa pode se tornar apta a fazer essa gestão financeira?
EK – É fundamental que você, como produtora, tenha um mínimo de conhecimentos sobre finanças para poder efetivamente gerenciar um projeto ou um negócio, ainda que a operação fique sob a responsabilidade de outra pessoa. Neste sentido, costumo dizer que se você compreender os principais conceitos que envolvem administração e finanças, conseguirá se sair bem na grande maioria das situações. O que um gestor cultural precisa ter é uma visão gerencial sobre finanças para poder dialogar com um contador, com o financiador ou mesmo com o financeiro da instituição na qual trabalha. Sem esse mínimo de conhecimento, o produtor fica refém sempre do outro, sem critério de avaliação. Digo isso por conhecimento de causa: sou músico e comecei minha carreira fazendo gestão de projetos culturais por meio da Rouanet. Tive que aprender ‘na marra’ como gerenciar financeiramente um projeto e como prestar contas, e para isso discuti muitas horas com contadores e analistas. Afinal, a responsabilidade pelos projetos era minha, e eu tinha que saber o que pedir e o que cobrar de cada um. Se eu tivesse um mínimo de conhecimento naquela época, teria facilitado muito a minha vida. Foi quando percebi que, para poder fazer com que os projetos e instituições fossem melhor geridos e poder crescer profissionalmente como gestor, seria imprescindível ter conhecimentos sobre finanças e negócios. A área cultural precisa de gente que consiga falar de igual para igual com gente do mercado financeiro e com empresários, para conseguir defender suas ideias e pautar a cultura e a criatividade na agenda do desenvolvimento econômico e social.
CeM – Quais fatores devem ser levados em conta para o processo de planejamento e gestão financeira de um projeto/negócio cultural?
Novamente, um fator muito importante é saber antes onde se quer chegar e que tipo de números são importantes para o negócio. Cada número tem um significado, e utilizar qualquer número para ‘terminar a tarefa de completar a planilha’ é um erro que cobrará sua fatura depois. Novamente fazendo uma alusão ao planejamento como uma história, os números devem ajudar a traduzir essa narrativa de maneira lógica e matemática. Cada linha é um personagem desta história, e precisamos saber quais os personagens principais da nossa história, não?
É preciso também que tenhamos a consciência que todo planejamento pressupõe estabelecer hipóteses sobre o futuro e fazer projeções, e que elas podem não acontecer. Muitos empreendedores ficam verdadeiramente ‘travados’ com o fato de consolidar numa planilha uma projeção de crescimento, pois tem medo de não conseguir dar conta do que estão planejando ou de acontecerem coisas fora do controle. Na verdade, muitas coisas podem acontecer diferente do planejado, mas se você souber onde quer chegar consegue mudar a rota no meio do caminho.
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**Publicado originalmente em 30 de julho de 2015
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