Fazia frio em São Paulo na quinta-feira, dia 18 de setembro. Ainda assim, na Al. Nothman, centro da Cidade, o andar de cima do Instituto Pensarte ficou quase sem cadeiras. Algumas 50 pessoas ou mais estavam lá para debater a cultura política e a política cultural. O sofá da direita foi ocupado pelo jornalista, ex-assessor do Ministro da Cultura Gilberto Gil e hoje diretor colegiado da Ancine, Sérgio Sá Leitão. Para debater com ele, Fábio Maciel, advogado, professor de Ensino Superior e candidato a vereador por São Paulo pelo PC do B. Na mediação, o advogado especializado em cultura e esportes Fábio Cesnik, um dos fundadores do Instituto Pensarte. Leia abaixo algumas questões levantadas no debate.
Teoria e Prática
Sérgio Sá Leitão iniciou o debate tocando em uma das mais polêmicas questões no âmbito da política cultural, as leis de incentivo fiscal. Criticando o protagonismo dos instrumentos de fomento, que se tornaram em si políticas culturais, quando deveriam ser apenas instrumentos, para o diretor da Ancine, grande parte dos problemas advindos da Lei Rouanet e outras leis similares, se deve ao fato de que são instrumentos sem política e portanto acabam sendo ineficientes e pouco abrangentes. “Aprendi que muitas vezes a inexistência de uma política, é, em si, uma política.”
Para Sá Leitão, a gestão de Francisco Weffort como Ministro da Cultura dos anos FHC foi marcada pela omissão do Estado na definição de critérios e processos de avaliação. “Já Gilberto Gil, desde o início da sua gestão se colocou o desafio de fazer o Plano Nacional da Cultura, a constituir câmeras setoriais, a debater uma política de direitos autorais, por meio de seminários itinerantes”. Ainda assim, o ex-assessor de Gil acredita que não chegamos, ainda, em um momento de amadurecimento das políticas culturais.
Para exemplificar tal imaturidade basta comparar a cultura com outras áreas tidas como constituintes do bem-estar social, como a saúde, educação e as políticas urbanas. Todo o desenvolvimento urbano de uma cidade se dá por meio de um plano diretor. “Por que não um plano diretor para a cultura? E, mais importante ainda, uma lei geral que fosse institucionalizada e independesse de governo”, questiona o jornalista.
Com a lei geral da cultura, haveria uma sincronicidade maior entre as ações municipais, estaduais e federais, evitando situações como a secretaria municipal da cultura de São Paulo, que oferece um edital para realização de longas-metragens. Com uma produção de 82 filmes no ano passado, o problema do cinema nacional não é a produção, mas a distribuição e exibição dos filmes. Ou seja, ao invés de um edital para produzir mais filmes, é preciso trabalhar de outras formas o cinema desviando o foco da produção para o consumo. Construindo cineclubes pela cidade, por exemplo. Outra solução é o vale-cultura, promessa antiga do presidente Lula. Por conta da demora, a Ancine planeja fazer o vale-audiovisual, aproveitando sua autonomia em relação à burocracia estatal.
Culturas locais
Fábio Maciel iniciou sua fala associando cultura, cidadania e generosidade. Para o advogado cultura política e política cultural possuem uma relação dialética, sendo que uma depende da outra para sobreviver. Entre suas propostas para a Cidade está a valorização da escola como epicentro da diversidade cultural local. Como exemplo, utilizou frase profeciada pelo multiartista Jorge Mautner: “Ou o mundo se brasilifica ou se torna nazista”. Maciel, que ao lado de Fábio Cesnik foi produtor de Mautner, citou o músico para ilustrar a diversidade cultural brasileira.
Mais tarde, essa questão foi questionada por um dos presentes no debate que alertou para a estereotipação dos moradores da periferia, que para alguns só gosta de hip-hop, grafite e nada mais. Como resposta, Sá Leitão contou o caso do Congo do Espírito Santo, expressão tradicional e exclusiva da região que de marginalizada tornou-se única política cultural do Estado, obrigando músicos de outros ritmos a procurarem outros meios que não os incentivos locais.
Público e privado
Para Maciel, “existe um patrimonalismo na relação entre o público e o privado no Brasil, sendo que o que deveria ser público fica voltado para atender aos interesses privados de uma minoria.” Mas, otimista, ele defende que o que é histórico-cultural é passível de ser mudado.
E como patrimonalismo e clientelismo caminham lado a lado, Cesnik provocou os debatedores a comentarem uma questão pouco falada nas conversas culturais, que é a postura clientelista da classe artística em relação ao Estado, ou melhor, o Estado-balcão.
Sergio Sá Leitão recorreu ao reduzido histórico das políticas culturais no País –o Ministério da Cultura brasileiro tem apenas 23 anos – e afirmou que desde seu início estas foram destinadas aos artistas e produtores culturais. “O grande desafio que temos no Brasil hoje é o da radicalização e ampliação do grau de acesso aos meios de produção cultural.”
Cultura e desenvolvimento
A exemplo do que prega o SESC, Sá Leitão tocou em questão central, que é a relação direta entre cultura e desenvolvimento. “Sabe-se do impacto que a fruição artística tem no desenvolvimento pessoal. O desenvolvimento cultural de uma sociedade, que passa pelo seu grau de acesso, tem a ver com a dimensão coletiva e diz respeito ao desenvolvimento conjunto da sociedade.”
Desenvolvimento este que pode ser também econômico. Afinal, na divisão do trabalho da cultura, o capital humano é imprescindível e dificilmente será substituído por máquinas. “A origem de um conteúdo cultural é a imaginação. O conteúdo e a transformação deste geram adição de valor agregado, valor este que é gerador de renda.”
O exemplo do cinema talvez seja o mais significativo, já que para a produção de um longa-metragem necessário o trabalho coletivo de cerca de 400 pessoas.
A Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo abriu uma…
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) lançou a página Aldir Blanc Patrimônio,…
Estão abertas, até 5 de maio, as inscrições para a Seleção TV Brasil. A iniciativa…
Estão abertas, até 30 de abril, as inscrições para o edital edital Transformando Energia em Cultura,…
Na noite de ontem (20), em votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) no Congresso…
A Fundação Nacional de Artes - Funarte está com inscrições abertas para duas chamadas do…
View Comments
Porque uma reuini~~ao em São paulo pode avaliar as questões de cultura para o Brasil, sem a participação do resto do Brasil?
Sá Leitão contou o caso do Congo do Espírito Santo, expressão tradicional e exclusiva da região que de marginalizada tornou-se única política cultural do Estado, obrigando músicos de outros ritmos a procurarem outros meios que não os incentivos locais.
------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Essa é uma grande questão.
Falando assim de forma displicente, Sá Leitão nos passa a impressão de que o MINC continua com a crença numa política de concessão e não de direito adquirido pela própria sociedade.
Esta idéia de hierarquizar a cultura brasileira é uma loucura,é, a mesma da tribuna do "levante do Canecão" liderada pelo Almirante Cacá Diegues.
Vamos lá: o congo no Espírito Santo não um artista, é uma representatividade histórica de toda uma sociedade que começa, aí sim, no Espírito Santo e ecoa por todo o Brasil, "Madalena do Jucu", cantada por Matinho da Vila é praticamente uma obrigação em seus shows. Essa música adaptada por Martinho é, na verdade, de um grupo de congo que se soma a dezenas de outros para fazer uma das mais extraordinárias manifestações culturais deste país, "o carnaval do congo em Cariacica", de uma história fascinante.
O congo no Espírito Santo é sustentado pela escolha da sociedade capixaba, assim como a torta e a muqueca também capixabas. Sem falar da padroeira do Estado, Nossa Senhora da Penha que tem uma procissão que vai muito além das questões religiosas, segue muito mais um conceito de expressão, de afirmação, de comunhão social. É aí que vamos estabelecer uma idéia errada de democracia cultural neste país. A democracia é sim construida pelas idéias, pelas práticas, mas não de meia-dúzia, não de um conselho, mas da maioria da população. Democracia tem que, necessariamente passar pela vontade da maioria, porque ela, para se fazer,democracia tem que propor a discussão e colher em números concretos, o resultado de um pensamento coletivo, fora disso, é colégio eleitoral.
Então, alguns artistas que se julga acima da sociedade, acima da arte, logicamente, se julgam homens capazes de interferir no pensamento da coletividade. Vejam só quanto incoerência! Na crença de ser ele um Romário, o nosso isolado pensador jura que está enxergando algo à frente do seu tempo. Pode ser, então que espere o tempo das pessoas chegarem até ele.
Toda essa bobagem repetida de superioridade num mundo cultural que dá ao artista a ilusão de uma brilhante estrela, cria um vedetismo cego, chiliquento. Isso, quando somado com alguns produtores que se julgam um Dom King, o lendário empresário de Tyson, fundidos numa mesma pessoa, teremos a figura do Araquém ou do Bozó. Brincadeiras à parte, Sá Leitão precisa entender que um Estado não pode trabalhar com a lógica de concessão com o que já foi determinado pela sociedade. Sei que em todo esse embrólho onde se misturam mega produções da indústria cultural ou do entretenimento, seja lá que nome tenha, produz essas lendárias idéias de que a arte é algo distante do pensamento comum. Vou aqui tranquilamente dizer que há um grupo no Brasil que insiste em paralisar a música brasileira nas décadas de 60 e 70. Todos os iluminados estavam ali, de lá pra cá nada mais aconteceu, a nossa música parou, ninguém compõe mais nada. Por quê? Porque a idéia santificadora da tropicália e da bossa nova recebe cargas e mais cargas de reedição onde tentam explicar como se tira a calça pela cabeça.
Ora, meus amigos, as vezes me sinto um tolo, um bobo, um abestalhado diante dessa idéia cósmica de arte. Acho que sou assim mesmo, meio jeca, meio sem numerologia e pouco cercado de arquétipos que ganham ares de uma nobreza bastante blefada.
Alguns artistas neste país não se emendam mesmo, julgam a arte por sua individualidade, acreditando estar livres para exercerem a criatividade, não, não estão, estão copiando os homens de preto, as togas do STFs culturais, os doutores, os eruditos, a reedição da santa inquisição contra a bruxaria do povo dos calcanhares rachados. Já disse várias vezes aqui, o MinC se não tem mecanismos suficientes para andar por todo esse território na desburocratização de sua relação com a sociedade, que ele facilite, que faça cálculos, que não julgue, que aceite as demandas contruidas pela própria sociedade. O artista, a arte não aconselham o povo, pode até tentar, mas vai falar sozinho. Todos nós somos literalmente iguais, pensamos e agimos pela nossa sobrevivência. É tolice imaginarmos que vamos ainda continuar na crença de que a arte é fruto de um pensamento privilegiado.
Sá Leitão quando compara uma manifestação tão complexa como o congo do Espírito Santo com um grupo de artistas, fica nítido que o MinC ainda não entendeu em que compasso o povo brasileiro gosta de dançar.
Carlos,
Independente do valor da expressão do Congo, o que o Sá Leitão quis dizer é que é preciso se ter sempre a escolha. Supondo que fulano é do Espírito Santo, não necessáriamente ele precisa querer ou saber tocar o Congo.
Georgia
Não disse que as pessoas tem que tocar, pintar, darçar e etc., mas também não gosto da idéia forçada da diversidade arbitrada, porque senão, vamos ouvir como ouvimos o nosso ilustre "Marinho", com a sua pesada Rede Globo reclamar de democracia. Vou repetir, a Rede Globo reclamando de democracia, de liberdade de expressão!.
O diretio de escolha pode ou não trazer a diversidade, senão isso é tão monopolizante quanto a obrigação por um único gosto.
Podemos ter várias torcidas de vários times, mas se o país inteiro torcesse para um mesmo time, seria também um direito de escolha. O que quis dizer é que, com o discurso populista da diversidade, Sá Leitão tropeçou nas próprias pernas. Tem que ter diversidade? Não sou eu, não é o congo, não é o artista capixaba, nem o Estado e muito menos o governo que irão determinar isso,mas a sociedade.
.
Parabens.Texto objetivo ,conciso e informativo .