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Cultura é direito fundamental

O grande desafio político do Brasil em relação à cultura é a conquista dos direitos e liberdades culturais, base de qualquer democracia, estrutura necessária para desenvolvimento e dívida do Estado para com a população, desde a constituição de 1988, onde foi colocada como garantia fundamental a todos os cidadãos.

O abismo existente ente o projeto constitucional e a real condição da política cultural brasileira é tão profundo, que tenho dúvida da nossa capacidade, como nação, de estabelecer as condições necessárias para supri-lo. Pelo menos nos moldes dos chamados países desenvolvidos, com bibliotecas, centros culturais, museus e teatros acessíveis a todos. E sobretudo, oferta cultural farta e diversa, em todos os cantos do país.

Mas existem alguns caminhos que, conjugados, podem diminuir esse abismo de maneira significativa. O primeiro deles é o Plano Nacional de Banda Larga, previsto para inserir 80% da população no maravilhoso mundo da rede mundial de computadores até 2014. Não podemos abrir mão de uma proposta concreta, integrante do Plano, de produção de conteúdo aberto, de forma independente, tirando de vez o monopólio da informação das mãos tanto do Estado quanto da indústria cultural dominante.

Este projeto não está dissociado das Praças do PAC, complexos com salas de cinemas, bibliotecas e estrutura para esportes e inclusão digital. Um projeto desenhado pelo próprio Lula, em parceria com a atual presidente Dilma Rousseff e delegado à ministra Ana de Hollanda. Serão 800 praças no total. Já foram escolhidas as 400 primeiras, num projeto que é prioridade do governo federal.

Ainda não tenho segurança sobre a solidez conceitual do projeto, mas é o único desde a ditatura a abordar de maneira ampla a garantia de acesso à cultura, fundamental para a conquista dos direitos culturais. Trata-se de uma promessa de campanha de Lula em 2003, frustrada com o naufrágio das BACs, em 2004.

Os Pontos de Cultura nasceram com uma função até mais nobre que esta, que é dar voz e vez às comunidades culturais, e não apenas acesso. Mas não supriu este outro lado, necessário à formação de repertório, à circulação da produção cultural e fundamental para a formação, sobretudo das classes sociais emergentes, ainda muito dependentes dos meios de comunicação de massa. E acabou funcionando para ativar grupos culturais inseridos em comunidades e não a comunidade como um todo.

Por isso, a conjugação entre as Praças do PAC e os Pontos de Cultura faz-se necessária. A programação cultural, a conexão com redes e circuitos que permitam a troca entre as diversas formas de produção cultural, são elementos que não podem ficar de fora dos planos do novo MinC, que começa a ganhar forma.

Mais oportunidade ao setor cultural, sobretudo o fora do eixo. O diálogo com o poder público local é agora, mais do que nunca, essencial para o fortalecimento do processo de descentralização tão sonhado e pouco realizado até aqui.

Leonardo Brant

Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

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  • O MinC ganhou forma de quê Leonardo? De Frankstein?

    Ana de Hollanda disse que queria consolidar um campo dentro do MinC para os criadores, mas ao contrário, ela, nessa metamorfose, está fortalecendo a criatura, o Ecad, o Frankenstein multinacional. Ana não se comporta como autista, nem como artista ou ministra, mas como uma alterofilista que chegou exibindo os músculos como uma espécie de maçaranduba querendo dar um mata-leão nas conferências e fóruns de cultura da sociedade e, com isso criou uma publicidade negativa. Colocou seus cangaceiros em prontidão para distribuirem socos e pontapés em blogs progressistas de quem discorda de sua verdade absoluta, que não é outra senão a verdade do Ecad.

    Não há quem encontre freios aos desmandos de Ana de Hollanda. Zé Dirceu acaba de publicar em seu site um artigo sobre as extravagâncias de Ana, indicando a leitura da entrevista de Marcelo Branco, um dos maiores críticos das políticas de hecatombe cultural provocado pelo MinC de Ana de Hollanda.

  • Vejo a questão dos direitos e liberdades culturais como a base de qualquer política cultural minimamente engajada com o projeto de Dilma. O lema do governo agora é "País rico é país sem pobreza". Cultura tem tudo a ver com isso!

  • Oh, Leonardo, tá procurando uma boquinha no MINC ao defender a Ana de Hollanda? todos sabem que ela é absolutamente despreparada para o cargo, acho até que foi por isso que a nomearam, para ficarem manipulando. O Grassi desfila como ministro de facto. E ainda tem o Palloci forçando essa reedição das BACs do início do governo Gil. Leonardo, toma jeito, vc sabe que essas Praças do PAC são só uma meneira de gente esperta ganhar muito dinheiro, já conhecemos essa história. O Gil quase caiu por isso, lá em 2003, felizmente encontrou o Célio Turino, que trouxe conteúdo e competência para o MINC. Ponto de Cultura com Praça do PAC não dá, um é o oposto do outro. Olha só, a minstra anunciou R$ 220 milhões para essas pracinhas e enquanto isso não paga os Pontos de Cultura nem os editais do ano passado. Tá certo que essa é a herança maldita do Juca Ferreira (quanta gente se enganou com ele que só queria saber de poder e ao final transformou o MINC em um grande balcão para o FicaJuca), mas mesmo assim deve ser honrada por quem está no governo. Toma jeito Leonardo, Ana de Hollanda não dá e logo vai ser conhecida como Ana Furacão.

  • No Brasil, inexplicavelmente, a intelectualidade nacional de classe média, que junto com os sindicalistas e movimentos sociais sumiram, das ruas e dos noticiários nestes últimos 08 anos em troca de benefícios e cargos no estado, agora falam em nomes dos pobres, considerando-se legítimos procuradores duma classe que vem sendo mantida miseravelmente viva através de programas sociais como o bolsa família, resta saber quem lhes forneceu esta procuração... a área cultural, no Brasil, se transformou na casa da mão Joana, onde todo mundo opina, e o que é pior, até atua, desde desocupados, desempregados, assessores de políticos, e toda a sorte de malucos, alguns enraizados e fixos nos dogmas, crenças e filosofia dos anos 80, com todos os chavões e romantismo da época. Se o Ministério da Assistência social, não comportar e abrigar esta gente toda, talvez fosse melhor criar um ministério especifico para todos eles, Ministério dos Malucos Desocupados do Brasil, onde poderiam criar grandes teses e projetos baseados na sua experiência teórica dum governo “revolucionário”, do qual fazem parte.
    Isto permitiria, quem sabe, que o Ministério da Cultura, com participação dos profissionais da área cultural, pudesse debater alguns temas interessantes como:
    - os reais motivos e as conseqüências do Ministério da Cultura, continuar com minguados 1% do orçamento federal;
    - avaliar a eficácia, os resultados e métodos aplicação de programas de inclusão social, através da cultura;
    - criação de novas leis que ampliem parcerias com o mercado e a iniciativa privada, que possibilitem a sustentabilidade de projetos e ações culturais;
    - capacitar, profissionalizar e assegurar os direitos trabalhistas dos trabalhadores que atuam na área cultural;
    OBS: Não temos procuração, para falar em nome de nenhuma classe social, a não ser em nosso próprio, como trabalhador cultural.

  • José, acho que seria bom vc dar uma espiada nesse artigo de Mino Carta, quem sabe, vc não reconsidera suas posições....

    A maior desgraça
    Mino Carta
    3 de março de 2011 às 16:57h

    Três séculos de escravidão vincam até hoje os comportamentos da sociedade brasileira. Por Mino Carta. Imagem: Rover Viollet/AFP

    Três séculos de escravidão vincam até hoje os comportamentos da sociedade brasileira

    Escrevi certa vez que se Ronaldo, o Fenômeno, se postasse na calada da noite em certas esquinas de São Paulo ou do Rio, e de improviso passasse a Ronda, seria imediata e sumariamente carregado para o xilindró mais próximo. Digo, o mesmo Ronaldo que foi ídolo do Brasil canarinho quando adentrava ao gramado. Até Pelé, creio eu, nas mesmas circunstâncias enfrentaria maus bocados, embora se trate de “um negro de alma branca”.

    Aí está: o protótipo do preto brasileiro, o modelo-padrão, está habilitado a representar e orgulhar o Brasil ao lidar com a redonda ou ao compor música (popular, esclareça-se logo), mas em um beco escuro­ será encarado como ameaça potencial. Muitos, dezenas de milhões, acreditam em uma lorota imposta pela retórica oficial: entre nós não há preconceito de raça e cor. Pero que lo hay, lo hay. Existem provas abundantes a respeito e a reportagem de capa desta edição traz mais uma, atualíssima. Na origem, obviamente, a escravidão, mal maior da história do Brasil.

    Há outros, está claro. A colonização predatória, uma independência sequer percebida pelo povo de então, uma república decidida pelos generais, avanços respeitáveis enodoados por chegarem pela via da ditadura de Vargas. E o golpe de 1964, último capítulo do enredo populista comandado por uma elite que, como diz Raymundo Faoro, quer um país de 20 milhões de habitantes e uma democracia sem povo. Enfim, um esboço de democratização pós-ditadores fardados ainda em andamento.

    A desgraça mais imponente são, porém, três séculos de escravidão e suas consequências. A herança da trágica dicotomia, casa-grande e senzala, continua a determinar a situação do País, dolorosamente marcada pela desigualdade. Há quem pretenda que o preconceito à brasileira não é racial, é social, mas no nosso caso os qualificativos são sinônimos: o miserável nativo não é branco.

    A escravidão vincou profundamente o caráter da sociedade. De um lado, os privilegiados e seus aspirantes, herdeiros da casa-grande, e os empenhados em chegar lá, e portanto ferozes e arrogantes em graus proporcionais. Do outro lado, a maioria, em boa parte herdeira da senzala, e portanto resignada e submissa. De um lado uma elite que cuidou dos seus interesses em lugar daqueles do País, embora o Brasil represente um patrimônio de valor inestimável, de certa forma único. Do outro, a maioria conformada, incapaz de reação porque, antes de mais nada, tolhida até hoje para a consciência da cidadania.

    O povo brasileiro traz no lombo a marca do chicote da escravidão que a minoria ainda gostaria de usar, quando não usa, e não apenas moralmente. Aqui rico não vai para a cadeia, superlotada por pobres e miseráveis, e não se exigem desmedidos esforços mentais para localizar a origem dessa situação medieval. Trata-se simplesmente de ler um bom, confiável livro de história.

    Será possível constatar que afora o devaneio de alguns poetas e a reflexão de alguns pensadores, o maior problema do Brasil, a desigualdade gerada pela escravidão, nunca foi enfrentado com o ímpeto e a determinação necessários. Nos anos de Lula, agredido por causa do invencível preconceito pela mídia nativa, na sua qualidade de perfeita representante dos herdeiros dos senhores de antanho, a questão foi definida com nitidez. Mas se o diagnóstico foi correto, os remédios aviados foram insuficientes. Poderia ser de outra maneira? Melhorar a vida das classes mais pobres não implica automaticamente a conquista da consciência da cidadania, que há de ser o objetivo decisivo.

    CartaCapital confia na ação da presidenta Dilma e acredita que seu governo saberá dar prosseguimento às políticas postas em prática pelo antecessor e empenhar-se a fundo no seu próprio programa de erradicação da miséria. Sem esquecer que o alvo principal fica mais adiante.

    Mino Carta

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