Por Inti Queiroz
O setor cultural tem sido um dos mais afetados pela crise pandêmica da Covid 19 que tem levado milhares de vidas em todo mundo. Fomos os primeiros trabalhadores forçados a parar diante da grave situação e seremos provavelmente os últimos a retornar às nossas atividades de forma “normal”.
É importante lembrar que não é de hoje que o setor cultural no Brasil está em crise. Desde o início da crise econômica global, e principalmente a partir de 2011, temos sentido na pele a diminuição drástica de recursos no setor, seja em termos de investimentos públicos, seja nos investimentos privados. A censura a manifestações culturais também tem sido fator de grande preocupação no país. O Censurômetro, pesquisa criada por agentes culturais brasileiros, apontava no final de 2019 mais de 150 iniciativas censuradas oficialmente entre 2016 e 2019 por entidades públicas e privadas.
Chegamos ao ano de 2020 com um setor fragilizado e com o pior índice de investimentos dos últimos 30 anos. O cenário não poderia ser mais devastador. Somado a isso, a extinção do Ministério da Cultura, em 2016 e novamente em 2018, evidencia nosso grave momento.
Com a chegada da crise pandêmica da Covid 19, a crise no setor se aprofunda ainda mais. Mesmo aqueles que ainda tinham recursos para continuar trabalhando tiveram que parar ou se adaptar à nova situação rapidamente. Projetos parados no meio, teatros fechados, patrocínios bloqueados e contratos encerrados foram acontecendo como um tsunami em todos os níveis do setor cultural.
Os primeiros a sentirem a gravidade desta crise foram os trabalhadores da cultura informais, os técnicos e os desde sempre mais precarizados. Sem alguma garantia salarial, ou mesmo sem uma reserva ou perspectiva de recebimento de recursos via projetos consistentes, boa parte do setor, de um dia para o outro, passou a integrar a grande fatia da população desempregada e sem renda alguma.
Contudo, por sermos justamente um setor que depende muito de público e aglomeração de pessoas, não temos previsão alguma de retorno de atividades. Pensando nisso, ativistas do setor cultural rapidamente buscaram soluções para esta crise.
A nível federal, agentes culturais se aliaram a parlamentares da bancada progressista no Congresso e criaram projetos de leis para tentar garantir uma renda básica emergencial em dialogo com a recém aprovada lei de renda para os trabalhadores de forma geral. Os PL’s 1075 e 1089, atualmente em discussão e que devem ser apensados nos próximos dias numa lei única de “Emergência cultural” tratam prioritariamente da possibilidade de uma renda básica de um salário mínimo para trabalhadores da cultura e do auxílio de 10 mil reais mensais para espaços culturais privados a partir do uso das receitas previstas no Fundo Nacional de Cultura, bem como a moratória no pagamento de contas básicas de empresas do setor.
Em alguns estados e cidades, o mesmo caminho vem acontecendo. O estado do Rio de Janeiro foi pioneiro na aprovação de uma lei para a cultura. A lei 8772 de 23 de março de 2020, “autoriza o governo do estado do Rio de janeiro a prover renda mínima emergencial a empreendedores solidários em casos de emergência ou calamidade”. O valor do auxílio busca garantir 50% do valor do salário mínimo. A lei diz ainda que “os empreendedores da cultura, que farão jus ao benefício previsto nesta lei, são aqueles mapeados pela Secretaria de Estado de Cultura, nos termos do Art. 46 e inciso I, da Lei n.º 7.035, de 07 de julho de 2015”. Isto é, remetem à lei do Sistema Estadual de Cultura e a suas ferramentas de cadastro e mapeamento.
No estado de SP, entidades e movimentos organizados do setor se aliaram à Frente Parlamentar em Defesa da Cultura na Alesp, liderados pela bancada do Psol com a deputada estadual Leci Brandão. Juntos criaram o projeto de lei 253/2020, que prevê o pagamento de um salário mínimo estadual no valor de R$ 1.163 mensais e R$ 3.500 para espaços culturais de todo o estado por todo o período que estiverem parados por conta da pandemia. O estado ainda não tem um Sistema Estadual de Cultura aprovado em lei e, no início de abril, o governador João Dória congelou de 68% dos recursos da cultura previstos na LOA 2020, causando centenas de demissões nas Organizações de Cultura do Estado.
Na cidade de SP, representantes de diversos movimentos e entidades de cultura se tem se reunido virtualmente e de forma periódica com vereadores de diversos partidos e com o Secretário Municipal de Cultura Hugo Possolo. No dia 17 de abril no âmbito da Subcomissão do Plano Municipal de Cultura que integra a Comissão de Finanças da Câmara Municipal de Cultura da cidade desde 2017, representantes de movimentos do setor leram uma carta com “Propostas para enfrentamento da crise no Setor da Cultura gerada pela Pandemia do COVID-19” buscando: 1. a garantia de um apoio emergencial para trabalhadores da cultura no valor de R$ 600; 2. Apoio Emergencial de R$ 3.000 por três meses para associações culturais, cooperativas e equipamentos comunitários de cultura (teatros, ocupações culturais, espaços de formação); 3. Criação de edital para fomentar a realização de 10.000 ações culturais que também poderão ser executadas em formato virtual no valor de R$ 3.000 a R$ 5.000 e também de um “Portal da Cultura” para concentrar e divulgar os conteúdos produzidos para a ação; 4. Garantia da manutenção e execução de todos os editais de fomentos e contratos publicados até aquela data. Como resposta às reivindicações da classe, a Secretaria Municipal de Cultura, até o presente momento, manteve a execução dos editais lançados anteriormente e lançou quatro chamamentos com grande demanda burocrática de inscrição para projetos culturais que orientam para a produção de vídeos de apresentações, vivências e intervenções artísticas por meio de vídeo mapping. Os chamamentos premiam com R$ 700 propostas de pessoas físicas e até R$ 5.000 os de Pessoa Jurídica, com a limitação de R$ 700 para cada integrante do grupo.
Aliado a isso, o vereador Toninho Vespoli do Psol inscreveu no dia 06 de abril o projeto de lei 227/2020 que visa prioritariamente destinar um valor mensal emergencial de um salário mínimo federal por trabalhador da cultura e também suspender “as cobranças de tributos municipais incidentes sobre casas de espetáculo, cinemas, circos, museus, cinematecas e demais instituições museológicas e quaisquer outros estabelecimentos dedicados a apresentações artísticas e culturais mediante a venda de ingressos ao público”.
Apesar da crise, pesquisas recentes estimam que o Brasil conta com mais de 5 milhões de trabalhadores da cultura de acordo com dados do IBGE e do MUNIC municípios. A produção do setor é responsável por mais 5% do PIB nacional e tem apresentado um crescimento estimado de mais de 9% ao ano. O Banco Mundial estima que a cadeia produtiva da cultura foi responsável por 7% do PIB do planeta em 2008 e que esse número vem crescendo desde então, sendo vista como uma alternativa positiva à diminuição de postos de empregos pela automação digital em outros setores. Entretanto, investir no setor nesse grave momento é uma questão de sobrevivência. Boa parte dos trabalhadores da cultura está sem renda para gastos mais básicos como alimentação e moradia. Muitos espaços de cultura estão prestes a fechar as portas em definitivo e empresas culturais podem falir em breve se nada for feito. O colapso iminente do setor pode ser evitado com a aprovação dos projetos de lei em tramitação e medidas de enfrentamento da crise construídas em diálogo com os agentes culturais.
É importante que todos os trabalhadores do setor estejam engajados e unidos pela aprovação dos projetos de lei de renda emergencial da cultura em todos os âmbitos, mas também devemos continuar a construção de políticas públicas estruturantes gerais e regionais, visando principalmente consolidar e garantir recursos e infraestrutura para os tempos difíceis e imprevisíveis que virão nos próximos meses.
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