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Culturas Populares: na Câmara por diversidades

Audiência pública articulada a partir do Observatório de Culturas Populares põe em pauta o modelo de financiamento às culturas locais e a promoção da diversidade cultural dentro da Câmara Federal.

No dia 2 de agosto, reuniu-se em Brasília a Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, com a presença dos deputados Gastão Vieira (PMDB/MA), Frank Aguiar(PTB/SP), Pedro Wilson (PT/GO) e Lobbe Neto (PSDB/SP), este último proponente do tema em pauta: as políticas públicas para o fomento às Culturas Populares e o desenvolvimento da Rede de Culturas Populares. A reunião foi proposta como audiência pública, e contou com a presença de Ricardo Lima, subsecretário da Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura, e representantes dos Fóruns de Culturas Populares de São Paulo, Paraná e do Distrito Federal e entorno, além de representante da Associação Brasileira de Teatro de Bonecos, todos apresentando para os deputados suas visões e experiências sobre o tema.

A motivação da audiência ficou clara: os membros da comissão não conhecem a fundo as políticas do Ministério da Cultura ou as propostas de seus membros e, principalmente, dos membros da sociedade civil que dela participam. Igualmente, não pareciam conhecer os fóruns de culturas populares e as comissões de folclore. A crítica, vinda de Maurício Manzatti, representante do fórum paulista, veio acompanhada de uma feliz constatação: não conheciam, mas estão abertos para o diálogo com os movimentos e com os membros do MinC.

A apresentação da sociedade civil e do representante do ministério trouxe para os deputados um quadro geral, um caldo englobando diversos assuntos e posições relacionados às culturas populares: os resultados do II Seminário de Culturas Populares, realizado no ano passado; questões sobre a Lei Geral de Comunicação de Massa e sua relação com as Culturas Populares; e apontamentos e pedidos relacionados ao Plano Nacional de Cultura (PNC) e às Propostas de Emendas Constitucionais que vinculam porcentagens mínimas para a Cultura.

“O debate em cima de todas estas questões deu uma esquentada nestes temas, que aparentemente não estavam sendo debatidos nesta Comissão. Foi um encontro positivo ainda, pois conseguimos a presença de um representante do MinC, que desde o Seminário do ano passado deu uma ‘afrouxada’ na pressão junto à Câmara e nos esforços para organizar ou propor iniciativas para as culturas populares que vão além dos editais”, explica Manzatti, e completa: “foi importante ainda por permitir a articulação dos Fóruns de SP, PR e DF e entorno. Dos deputados, ao menos Frank Aguiar se mostrou interessado no tema e conversou conosco após a audiência, e isso é bom”.

A importância estratégica desta audiência segue uma única lógica: a necessidade de recursos para garantir a continuidade das chamadas Culturas Populares e a sustentabilidade dos que as realizam. Entre os presentes, o deputado Frank Aguiar talvez tenha sido o que mais deveria ter se interessado: é o relator da proposta do PNC, que definirá os recursos para os próximos dez anos. Entre as propostas levantadas na audiência, está a inclusão de um capítulo no plano somente para as Culturas Populares, defendida pela Rede de Culturas Populares e levada em consideração pelo deputado, que declarou, em clara alusão ao potencial econômico do segmento: “a Cultura tem que ser tratada como as outras pastas: Saúde, Educação e Agricultura”.

O reconhecimento não caiu do céu. Desde 2001, duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs), a 324/01 e a 150/03, estão em análise e esperam votação na Câmara. Os projetos vinculam, respectivamente, 6 e 2% das receitas orçamentárias anuais à Cultura, e já foram defendidos por Gilberto Gil na mesma Comissão de Educação e Cultura. Em resposta aos posicionamentos do MinC, foi proposta outra audiência para dar continuidade às discussões, no dia 22 de agosto, Dia do Folclore, pelo deputado Pedro Wilsom. A data não está agendada na página da Comissão na Internet. Aproveitando a disposição dos parlamentares, os representantes dos fóruns de cultura entregaram documento, elaborado no primeiro Seminário Nacional de Políticas Públicas para as Culturas Populares, sob o nome de Carta do Povo, com 30 propostas para o PNC, sete das quais prioritárias, abarcando a inclusão de conteúdos e manifestações populares nos processos educativos formais, o mapeamento, a proteção, o financiamento e a desburocratização da relação Estado – culturas populares. O documento pode ser encontrado no site do Ministério da Cultura (acesse aqui), e mais detalhes sobre a Rede de Culturas Populares na cobertura do 100canais (leia aqui).

Outros passos
Neste segundo semestre, ainda sem data definida, o MinC deve realizar a terceira edição do Seminário para as Culturas Populares, segundo informações de Lima. Enquanto as edições anteriores discutiram alternativas e modelos de financiamento (veja matéria sobre o tema), esta edição será estratégica, por formar uma proposta popular de PNC, que deve ser apresentada à Comissão na Câmara, e por auxiliar na formação de Fóruns de Cultura Popular em boa parte dos estados da união. Deverá ser decidida, ainda, a criação de uma cadeira de culturas populares no Conselho Nacional de Política Cultural, reconhecendo o caráter essencial desta vertente da cultura e de sua valorização na sustentabilidade das comunidades. “Cada estado deverá realizar uma edição própria do fórum, a fim de eleger representantes para o fórum nacional. O mais aguardado neste fórum é a mobilização, fomentada pela articulação dos fóruns nas secretarias de Estado. Se metade dos estados sair deste ano com fóruns, já teremos um ótimo resultado”, coloca Manzatti. Hoje, só o fórum de São Paulo é constituído como entidade, tendo o próprio Manzatti como presidente, e está mobilizado desde 2002. Há fóruns se organizando no Rio de Janeiro, Paraná e Distrito Federal, e já há estruturas e comissões de folclore com atuação próxima aos fóruns em diversos outros estados.

Leia também especial da Agência Carta Maior sobre Culturas Populares

Guilherme Jeronymo

Morador do Campo Limpo (Zona Sul de São Paulo), é jornalista e mestre em comunicação, além de pesquisador no núcleo Alterjor, da ECA/USP.

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  • Tomando como exemplo a própria lenda brasileira do "Curupira", temos que ter coragem para discutirmos o que é, de fato, diversidade cultural no Brasil. É o reflexo de um pensamento espontâneo estimulado pelo sentimento universal de democracia do homem e seu meio? Ou entra sorrateiramente neste caldeirão, elementos discutíveis impostos pele indústria do entretenimento que gera grandes negócios com o alinhamento de culturas a partir de uma idéia perigosa do homem universal sob a lógica do mercado via mídia? Imagino que não podemos enxergar algo com os olhos dos outros. Imagino que não tenho como enxergar o mundo com os olhos dos europeus ou dos americanos. Imagino legítimo, humano e, ai sim, universal, em que eu tenha direito de escolha e que essa escolha seja movida pela própria visão que tenho de mundo através da minha própria cultura e não o que a mídia ditou sob as ordens do seu patrão, o grande capital. Tenho observado que há um movimento que caminha em defesa desta indústria multinacional do entretenimento no sentido de estabelecer, através do discurso de alguns patrulhadores e inquisidores que eles classificam de xenófobos, todos aqueles que defendem limites para a troca de idéias e valores de outras sociedades. É um alarido que espalha uma visão de que qualquer defesa de cultura nacional representa um perigo à liberdade de expressão e, com isso, possamos cair no campo tenebroso da intolerância, do totalitarismo nacionalista que estimula teorias fundamentalistas. Alguns chegam a exemplos de que os nazistas tinham como pilar central uma defesa feroz de sua cultura e, assim, vão espalhando o medo. Quero lembrar que esses mesmos agentes usaram como o nosso querido personagem "Curupira", em outras circunstâncias, outras vestimentas, que o neoliberalismo inconseqüente usou para estimular a defesa da importação de tecnologia, atrasando e muito um pensamento científico autônomo de pesquisa. Talvez, os senhores que defendem a abertura para qualquer coisa em nome do balanço da livre iniciativa privada ou mesmo da “liberdade” de escolha sob a ótica de um grande mercadão mundial sem fronteiras, contra todo e qualquer protecionismo, estejam cegos, surdos e, consequentemente, mudos diante do Brasil real. Mas temos que alertar que, se há o perigo da intolerância como os nossos bem-aventurados defendem em nome da globalização, suas matrizes de pensamento, temos, no presente, uma realidade brasileira certa e límpida de segregação. É uma realidade que nos salta aos olhos, que pode ser lida sem muito esforço no nosso cotidiano e que nos revela o quanto toda a sociedade brasileira caminha para pagar a fatura social que essa perversa visão do “tudo pode”, em nome de um primeiro-mundismo idealizado pela nossa pretensa elite econômica e cultural que tratou de espalhar em nome do desenvolvimento, um quadro que beira aos campos nazistas de concentração, como pode ser lido hoje no jornal O Globo na série de reportagens, “Os brasileiros que ainda vivem na ditadura”, que revela que, só na cidade do Rio de Janeiro, o acúmulo de uma série de absurdos neoliberais vem deixando de herança para a sociedade brasileira. O que há por trás disso? Importação de modelos e as portas escancaradas que dão início à sustentação destas questões sociais, o modelo idealizado de elevação cultural falada, em alto e bom som, pela nossa pretensa elite sócio-cultural. Quanto ao Curupira, esse personagem romântico criado pelo imaginário popular, nos deu de presente, fábulas que, entre tantos benefícios, uma bela revelação das múltiplas escolas de técnicas, construção e afinação da viola brasileira, possível somente pela liberdade real que a diversidade promovida pelo regionalismo despretensioso pode criar dentro de um Brasil naturalmente plural.

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