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Decifrando a crise dos festivais de teatro

No ambiente nacional de declínio público, os problemas dos festivais de teatro vêm sistematicamente à tona. Para terminar com os enigmas insolúveis e quebra-cabeças mágicos que envolvem mostras de caráter continuado é necessária uma reflexão sobre a sustentabilidade e a renovação do setor no país.

Acreditar que a crise é cambial, ou de redução de patrocinadores, ou de custeio de carga, esvazia o caráter objetivo de penetrar na raiz do problema e dilata autojustificações, além de induzir ao erro. A maioria dos festivais de teatro aborda suas negociações com o Estado, podemos dizer, com certo espírito de resignação. É uma debilidade pública que tem um alcance muito mais amplo do que as transações políticas e empobrece a todos nós brasileiros.

A atuação do Estado por intermédio do Ministério da Cultura (MinC), das leis de incentivo e de parcos recursos das estatais tem patrocinado os festivais de teatro e a difusão das suas atividades. Esse mecanismo se concentra, majoritariamente, no apoio à produção e difusão, e não no desenvolvimento e na organização desse setor cultural de imensa capilaridade.

O grupo de trabalho do setor vem desenvolvendo pesquisas que visam a apresentar indicadores de impactos sociais, econômicos e de resultados formativos desses eventos. Assim, nos moldes atuais, uma atuação mais enérgica, política e pública do MinC propiciaria o estímulo necessário ao crescimento do setor, à profissionalização da gestão e à estruturação das cadeias produtivas da economia e da cultura.

A atuação dos festivais nacionais e internacionais de teatro em conjunto com o MinC e em parceria com outros órgãos – como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), a ApexBrasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada), a Secom (Secretaria de Comunicação Social) e as estatais – é decisiva para potencializar a execução e a formulação de políticas de instrumentos financeiros para o desenvolvimento setorial. Essas ações são prioritárias para promover efetivamente o desenvolvimento do setor no Brasil.

Com o objetivo de ultrapassar seus desafios e ampliar a produtividade de tais parcerias, os gestores dos festivais tomam iniciativas para melhorias na captação de insumos, como a proposta de desenvolvimento de um sistema de indicadores dos festivais brasileiros, cujo objetivo seria o de fornecer informações essenciais ao planejamento e controle dos processos gerenciais e artísticos, possibilitando, ainda, o monitoramento e o controle dos objetivos e metas estratégicas no desenvolvimento de uma politica setorial. Diante desse contexto, o grupo de trabalho do setor vem desenvolvendo, desde 2015, pesquisas que visam a apresentar indicadores de impactos sociais, econômicos e de resultados formativos desses eventos. Deste modo, estabelece um movimento nacional, sem um assembleísmo inócuo e heroísmo momentâneo, que propicia o arranjo institucional para o desenvolvimento de uma política pública setorial.

Ao MinC foi solicitado adotar um novo enfoque cultural para o setor como parte de sua função institucional. Essa demanda clara foi apregoada no I Encontro Internacional de Políticas de Fomento e Sustentabilidade para Festivais de Teatro, ocorrido entre 6 e 8 de novembro de 2015, em Fortaleza. Mais precisamente, os gestores estão solicitando um enfoque que migre da visão de patrocínio para a de desenvolvimento e fortalecimento dessa cadeia produtiva, que possui inerente potencialidade de geração de resultados econômicos, emprego e renda, e ainda inegável capilaridade e valor como expressão simbólica da cultura desenvolvida em nosso país.

São inúmeros os festivais na iminência de não acontecer no ano de 2016, porque vêm acumulando perdas que estão abalando o seu sistema de financiamento nos últimos anos, crise que se potencializou recentemente.

As perdas estão relacionadas a editais públicos nacionais que deixaram de existir ou não tiveram continuidade; à perda de investimentos no setor; e a um desarranjo institucional do MinC com as estatais. Em alguns casos, os recursos dos editais públicos representam cerca de 40% dos orçamentos dos festivais de artes cênicas independentes. Uma minoria dos estados da federação possui linhas de financiamento, ou fomento específico para o setor, e a participação dos municípios é praticamente nula nesse processo.

O mercado cultural brasileiro dos festivais é vigoroso, mas não é estruturado. A competência dessa estruturação cabe ao MinC, em parceria com as diversas cadeias produtivas da cultura brasileira. Portanto esse setor está solicitando uma escuta mais apurada do ministério e de seus secretários de Estado.

Os últimos anos têm sido turbulentos para a realidade social, econômica e politica do Brasil. O conservadorismo e a violência se espalharam por todo o território nacional. Nesse contexto a economia vem moldando as ideias dos festivais e as causas são as circunstâncias da crise brasileira e a falta de uma política nacional de cultura setorial para os festivais. O impacto disso é um relativismo na dinâmica da programação e na logística organizacional, o que faz com que esses eventos percam suas identidades e entrem em declínio no sentido público.

Sem uma ação emergencial e estruturante em conjunto com o MinC as consequências serão desastrosas. Podemos projetar a própria extinção de festivais, ou passivos orçamentários, o que pode ser traduzido por não pagamento de serviços, dívidas com juros acumulados, títulos protestados e inadimplência. Sem contar evidentemente a perda do sentido de capilaridade que esses festivais possuem ao fazer chegar à população brasileira a produção de artes cênicas de outras regiões.

*Continua: Para compreender a relação da Lei Rouanet e os festivais de teatro no Brasil

Alexandre Vargas

Ator, diretor e empreendedor cultural. Diretor artístico e coordenador geral do Festival Internacional de Teatro de Rua de Porto Alegre. Fundador do CPTA – Centro de Pesquisa do Trabalho do Ator (2013).

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