Categories: PONTOS DE VISTA

Declaração de Florença

4 de outubro de 2014

Nós, participantes reunidos em Florença por ocasião do Terceiro Fórum Mundial da UNESCO em Cultura e Indústrias Culturais “Cultura, Criatividade e Desenvolvimento Sustentável” (de 2 a 4 de outubro de 2014), expressamos nosso agradecimento e reconhecemos a generosa hospitalidade das autoridades italianas, da região da Toscana e da Cidade de Florença, que ofereceram um fórum internacional para refletir sobre estratégias efetivas de mudanças transformadoras que posicionem a cultura no centro das futuras políticas para o desenvolvimento sustentável.

Reconhecemos nossa responsabilidade de perseguir uma agenda em prol do desenvolvimento econômico e social inclusivo e da sustentabilidade ambiental. Acreditamos que isso possa ser conseguido por meio de cooperação internacional que demonstre o valor que a cultura e as indústrias culturais geram, como fontes de criatividade e inovação para o desenvolvimento sustentável e das oportunidades que proporcionam às futuras gerações. Reconhecemos a importância de medir o impacto da cultura e da criatividade no desenvolvimento sustentável, para mantê-lo no topo da agenda política e portanto, saudamos a vontade expressa pela Cidade de Florença, de sediar uma instituição internacionalmente ativa nesse campo.

Em um momento no qual a comunidade internacional está delineando uma nova agenda internacional de desenvolvimento, confiamos que as Nações Unidas e todos os governos implementarão plenamente a Terceira Resolução em Cultura e Desenvolvimento Sustentável, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em dezembro de 2013 (A/RES/68/223), que reconhece o papel da cultura como catalisadora e impulsionadora de desenvolvimento sustentável e que requereu que seja dada à cultura a devida consideração na agenda de desenvolvimento pós-2015.

Ouvimos as numerosas vozes dos principais implicados da sociedade civil e dos setores público e privado que foram expressas na estrutura dos Diálogos Pós-2015 em Cultura e Desenvolvimento, liderado em 2014 pela UNESCO, pela UNFPA e pelo PNUD, junto com a cúpula de governos na Bósnia e Hezergovínia, no Equador, no Mali, no Marrocos e na Sérvia, que voltaram a enfatizar a necessidade de um reconhecimento explícito do papel da cultura na agenda de desenvolvimento pós-2015.

Desejamos rememorar a existência de instrumentos normativos da cultura, especialmente a Convenção pela Proteção e pela Promoção da Diversidade das Expressões Culturais da UNESCO, as cinco Convenções sobre o patrimônio cultural, assim como os últimos encontros internacionais de alto nível e as recentes declarações, principalmente a Declaração de Hangzhou “Posicionar a cultura no centro das políticas de desenvolvimento sustentável”, adotada em maio de 2013, a declaração ministerial do debate de alto nível da ECOSOC, os dois debates temáticos sobre a cultura e o desenvolvimento para o programa de desenvolvimento pós-2015 da Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova York, respectivamente em junho de 2013 e maio de 2014. E não nos esquecemos da campanha mundial “O Futuro que queremos inclui a cultura”, conduzida pelas organizações governamentais e não-governamentais de quase 120 países.

Nós também reconhecemos as experiências concretas reunidas na edição especial do Relatório sobre a Economia Criativa das Nações Unidas: ampliar as vias do desenvolvimento local. Ele identifica o papel essencial que as cidades e regiões desempenham para a mudança e os campos nos quais a cultura – a serviço do desenvolvimento humano e em seu seio – reconhece os aspectos monetários e não monetários da economia, por meio da expressão cultural, das práticas artísticas, da proteção do patrimônio material e imaterial, da promoção da diversidade cultural, do urbanismo e da arquitetura.

Para conseguir incluir a cultura como princípio fundamental de todas as políticas de desenvolvimento, nós pedimos aos governos que garantam a participação no programa de desenvolvimento pós-215 de metas e de indicadores explícitos, dedicados à contribuição da cultura, especialmente no âmbito dos objetivos propostos pelo grupo de trabalho dedicado aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável: a redução da pobreza, o desenvolvimento das cidades e de uma urbanização sustentáveis, a qualidade da educação, as mudanças climática e ambiental, a paridade e a autonomia das mulheres, a inclusão social e a resolução dos conflitos sociais.

Em consequência das observações precedentes e das discussões realizadas durante o terceiro forum mundial da UNESCO sobre a cultura e as indústrias culturais, nós, participantes, voltamos a nos engajar em aplicar as resoluções e políticas acima mencionadas e em promover as prioridades e os princípios fundamentais seguintes, com vistas a incluí-los no processo de criação do programa de desenvolvimento pós-2015.

1) A integração plena e inteira da cultura nas políticas e estratégias de desenvolvimento internacionais, regionais, nacionais e locais deve se basear em instrumentos normativos internacionais que reconheçam os princípios fundamentais dos direitos humanos e da liberdade de expressão, da diversidade cultural, da igualdade entre homens e mulheres, da sustentabilidade, bem como os princípios de abertura para as outras culturas e expressões de mundo e o equilíbrio entre todas as culturas.

2) Para um desenvolvimento econômico e social inclusivo, os sistemas de governança da cultura e da criatividade devem responder às demandas e às necessidades das populações. Um sistema de governança da cultura transparente, participativo e informado deve envolver diferentes atores, especialmente a sociedade civil e o setor privado, nos processos de elaboração das políticas, de acordo com os direitos e as expectativas de todos os membros da sociedade. Do mesmo modo, tal sistema subentende uma cooperação de todas as autoridades públicas pertinentes, em todos os níveis governamentais e em todos os setores – econômico, social, ambiental.

3) As áreas urbanas e rurais são laboratórios do desenvolvimento sustentável. Por cidades mais seguras, mais inteligentes e mais produtivas, é preciso posicionar a criatividade e o bem-estar no cerne da planificação e da renovação urbana e rural, sustentável e respeitosa dos princípios de proteção do patrimônio. Para vencer os desafios do desenvolvimento urbano e rural, bem como do turismo sustentável, as políticas devem levar em conta a cultura e respeitar a diversidade.

Além disso, a proteção do patrimônio cultural imaterial (ou seja, a promoção de técnicas agrícolas tradicionais e respeitosas do ambiente) permite implantar processos de produção agrícola sustentáveis e de qualidade, essenciais para enfrentar o crescimento da população, ao mesmo tempo em que minimiza o impacto ambiental.

4) O potencial criativo é igualitariamente distribuído no mundo, mas não pode ser plenamente expresso por todos. Do mesmo modo, nem todos têm acesso à vida cultural, à expressão criativa, nem mesmo aos bens e serviços culturais, ainda que de sua comunidade. A ausência de expressões criativas provenientes do sul é gritante e é um obstáculo essencial para o desenvolvimento global. Mas o problema pode ser resolvido por um apoio à produção local de bens e serviços culturais, por uma distribuição internacional/regional e por uma livre circulação dos artistas e dos profissionais da cultura.

5) Para chegar a oferecer uma educação inclusiva, qualidade justa e oportunidades de aprendizado ao longo da vida, é necessário haver um duplo engajamento para a cultura e a criatividade para todos. Quando novos talentos e formas de criatividade são estimulados, o aprendizado no nível local, a inovação e os processos de desenvolvimento são fortalecidos. E isso pode também conduzir à autonomia das mulheres e das jovens como criadoras e produtoras de expressão cultural, mas também como cidadãs e atrizes da vida cultural.

6) O potencial das indústrias culturais que estão no centro da economia criativa deve ser gerenciado para estimular uma inovação a serviço do crescimento econômico, do pleno emprego produtivo e da criação de empregos decentes para todos. Quando as indústrias culturais e criativas se tornam um componente do crescimento global e das estratégias de desenvolvimento, sua contribuição para o despertar das economias nacionais, da criação de empregos verdes, do estímulo ao desenvolvimento local e da criatividade não é mais questionado. Os estudos mostram que essas indústrias oferecem novas vias de desenvolvimento local, baseadas em conhecimento e em perícias tradicionais existentes.

7) Para resolver os problemas ligados ao uso de recursos preciosos ou raros e promover modelos de consumo e de produção sustentáveis, a cultura deve ser plenamente tida em consideração. A criatividade humana, que passa pelas expressões culturais e pelo poder transformador da inovação, é uma fonte única e renovável que leva à criação de novos produtos, mas também de novos modos de vida, de organização e de percepção de nossas sociedades e de nosso ambiente. O acesso a trunfos criativos, competências e perícias tradicionais pode ajudar eficazmente a encontrar soluções imaginativas para o desenvolvimento e mais adaptadas para responder aos desafios internacionais, tais como o impacto negativo da mudança climática e do turismo não- sustentável.

8) A criatividade deve ajudar a criar sociedades abertas, socialmente inclusivas e pluralistas, se as variadas fontes de inspiração e de inovação forem estimuladas a se expressar. Atingimos então uma melhor qualidade de vida e maior bem-estar individual e coletivo. E quando a criatividade se baseia nos direitos humanos fundamentais e nos princípios de liberdade de expressão, as pessoas podem desenvolver suas competências, com vistas a levar a vida que desejam, graças ao acesso a recursos culturais, em toda a sua diversidade. E isso pode permitir eliminar as tensões e os conflitos, suprimir a exclusão e a discriminação e, no final, contribuir para a estabilidade, a paz e a segurança.

No respeito aos princípios e prioridades acima mencionados, solicitamos aos governos, à sociedade civil e aos atores do setor privado que tomem as medidas no quadro de uma parceria internacional, a fim de promover os ambientes, os processos e os produtos criativos, defendendo:

1) o fortalecimento das capacidades humanas e institucionais nacionais e locais, especialmente dos jovens, a fim de favorecer uma percepção holística da cultura e do desenvolvimento sustentável a serviço de sistemas de governança da cultura eficazes e do crescimento de setores criativos vivos;

2) ambientes legais e políticos mais sólidos, com o objetivo de promover a cultura, apoiar a emergência de indústrias culturais e criativas dinâmicas e reconhecer as cidades como laboratórios de criatividade, de inovação, de proteção do patrimônio e de sustentabilidade;

3) novos modelos de parceria e estratégias de investimento inovadoras, a fim de apoiar a pesquisa, a inovação, a produção local de bens e serviços culturais, o desenvolvimento de mercados nacionais e regionais e o acesso a plataformas de distribuição e de troca internacionais;

4) programas de promoção, projetos e ações concebidos pelos governos e/ou a sociedade civil, para promover o papel da cultura nos aspectos econômico, social e ambiental do desenvolvimento, incluindo a aplicação das convenções culturais da UNESCO;

5) a criação e a implementação contínua de indicadores de valor e de impacto, com vistas a monitorar e a avaliar a contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável, incluido a coleta, a análise e a difusão de informações, estatísticas e melhores práticas em matéria de políticas.

*Este texto foi originalmente publicado pela UNESCO em inglês e francês e teve livre tradução, não oficial, para o espanhol (por Carlos Villaseñor), o italiano (por Melissa Pignatelli) e, aqui, por Ana Carla Fonseca (Garimpo de Soluções).

Ana Carla Fonseca Reis

Economista, mestre em administração e doutora em urbanismo, autora dos primeiros livros brasileiros em economia da cultura, economia criativa e cidades criativas. É consultora e conferencista em 29 países e sócia-diretora da Garimpo de Soluções.

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