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Democracia e participação nas Praças dos Esportes e da Cultura

Nos dias de hoje, espaço público está relacionado ao lugar da coletividade, onde se processam os temas relativos à vida em comum dos cidadãos. Assim, espaço público é tanto o espaço físico comum, a rua, a praça, a cidade, como também as instituições através das quais uma sociedade pensa sobre si mesma e encaminha soluções aos seus problemas, o espaço da cidadania. Há muitos exemplos de temas que eram considerados privados e hoje são tratados no espaço público, gerando debates mais ou menos acalorados de grupos favoráveis e contrários à sua incorporação na agenda política. Apenas como exemplo, podemos citar os temas da liberdade de orientação sexual, da liberdade religiosa, da violência contra a mulher e contra as crianças.

Quando falamos de participação cidadã, comunitária, associativa, estamos falando de participação política. A vida política não é só a vida do governo, mas é a vida da coletividade, do espaço público. Até a Constituição de 1988 não havia no Brasil relação entre direitos sociais e cidadania social. Os direitos sociais, em especial previdência e saúde, eram garantidos aos trabalhadores formais e da cidade. Isso acontecia com muitas outras necessidades sociais, algumas das quais só seriam reconhecidas como direitos sociais no pós 88. Muito do que foi estabelecido pela Constituição ainda está longe de se concretizar, mas é importante pensar que a Constituição foi o marco inicial, um conjunto de valores que a sociedade persegue e seu cumprimento depende não só do estado, mas de toda a cidadania.

A própria noção de cidadania era vaga e ausente do imaginário e valores da população. O cidadão era o indivíduo de nacionalidade brasileira e não o cidadão com direitos. É somente na Constituição de 1988 que se encontra o termo “direitos sociais”, incluindo educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados e, por último mas não menos importante, cultura. Com a Constituição de 1988 o cidadão passa a ser, formalmente, aquele membro da comunidade investido de um conjunto de direitos comuns e universais, onde os direitos sociais são centrais. A democratização é determinante para isso.

Mas o fato de um tema “entrar” no espaço público, entrar na agenda política, não significa que medidas serão tomadas para resolvê-lo. Às vezes um tema entra no espaço público, é reconhecido como um problema da coletividade, mas medidas não são tomadas. Da mesma forma, não são só as leis que garantem que um problema seja suficientemente tratado. Para a maioria dos problemas, são necessárias políticas públicas que dêem conta de tratar um determinado problema. As políticas públicas são um fluxo de decisões públicas, orientado a manter o equilíbrio social ou a introduzir desequilíbrios destinados a modificar essa realidade. Decisões que são condicionadas pelo próprio fluxo e pelas reações e modificações que elas provocam no tecido social, bem como pelos valores, ideais e visões dos que adotam ou influem na decisão.

É possível considerar as políticas públicas como estratégias que apontam a diversos fins, todos eles de alguma forma desejados pelos diversos grupos que participam do processo decisório. A finalidade última de tal dinâmica constitui o elemento orientador geral das inúmeras ações que compõem uma determinada política. As políticas públicas sempre respondem a uma dada orientação e essa orientação vai influenciar as escolhas feitas para seu funcionamento. Poderíamos dizer que ela

é um sistema de decisões públicas que visa ações ou omissões, preventivas ou corretivas, destinadas a manter ou modificar a realidade de um ou vários setores da vida social, através da definição de objetivos e estratégias de atuação e da alocação dos recursos necessários para atingir os objetivos estabelecidos. (SARAVIA 2006)

Assim, o espaço público é também o espaço de tratamento dos temas e problemas considerados relevantes pela sociedade e a abrangência desse tratamento através de políticas públicas vai depender do quanto ele é considerado relevante. Muitos temas “entram” no espaço público e se transforma em políticas públicas a partir da reivindicação da sociedade civil, através dos movimentos sociais, daí a importância da participação dos cidadãos. Sempre haverá o risco desses interesses sociais se transformarem em mais um “cliente” do orçamento público, por meio das políticas governamentais, quando eles próprios se tornam objeto de tais políticas. O que importa aqui, no entanto,

é perceber que os atores governamentais estão expostos cada vez mais a variadas frentes de negociação quando se trata de executar aquilo que (…) constitui um dos principais resultados de sua ação, que são precisamente as políticas públicas. (SANTOS, 2005)

A breve reflexão que se segue trata do programa das Praças dos Esportes e da Cultura – PEC como exemplo de política pública norteada pelos princípios da participação social e gestão compartilhada a partir da integração de vários ministérios. Resume, grosso modo, o exposto até aqui, por colocar em prática noções abstratas que só fazem sentido ao homem comum, ao cidadão, quando postas em práticas, quando estabelece a ponte entre teoria e prática. A reflexão teórica é fundamental, porque procura, de alguma maneira, dar sentido à experiência de vida, à forma como esta experiência é entendida subjetivamente. O desafio, portanto, é estabelecer uma relação concreta entre subjetividade e objetividade, o ideal de cidadania e o exercício de fato desta noção, a princípio, abstrata e distante da realidade do homem comum.

*Continua no dia 9 de outubro. Clique aqui para ler.

Marcelo Gruman

Antropólogo e especialista em gestão de políticas públicas para a cultura. Administrador cultural da Funarte.

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