A falta de conhecimento do conjunto de mecanismos disponíveis é uma das principais dificuldades das empresas brasileiras hoje ao investir em cultura. O desconhecimento, por exemplo, das contrapartidas que podem ser exigidas, como fruir o beneficio fiscal (que documentos precisam ser anexados aos registros da empresa) e os limites do contrato (como regular a relação com os produtores) são algumas das questões que geram mais problemas ao patrocinar um projeto.
“A ideia surgiu em uma reunião na qual discutíamos a dificuldade dos empresários em enxergarem os incentivos disponíveis para financiamento de projetos. O manual inova ao colocar em uma única publicação todo o conteúdo das legislações de incentivo federal, estaduais e de alguns municípios nas mais diferentes áreas”, conta Cesnik.
E as leis municipais e estaduais de incentivo variam bastante. “Algumas trabalham com escalonamento de abatimento pelo patrocinador (empresas maiores pode investir menos, enquanto empresas menores podem investir mais), algumas exigem contrapartida e outras não, algumas têm fundo público vinculado e outras não”.
Para Julio Cesar Pereira, jurista autor do livro Três Vinténs para a Cultura (Escrituras/Cemec, 2014), sem incentivo fiscal à cultura, “a parcela maciça dos empresários brasileiros atravessaria a rua ao ver um artista”. “É possível que, mesmo sem incentivos fiscais, algum empresário (movido por apreços pessoais) pudesse investir em cultura no Brasil. Em tal cenário, talvez houvesse alguma iniciativa em relação aos espetáculos de apelo mercadológico junto ao grande público, mas mesmo assim tal comportamento seria atípico, equivalente à filantropia que, como sabemos, não é uma constante no meio empresarial”, afirma.
Embora o fim da isenção fiscal de 100% na principal lei de incentivo federal à cultura seja uma das grandes bandeiras levantadas pelo ministro Juca Ferreira, a maioria das empresas só patrocina projetos aprovados no artigo 18 da Lei Rouanet, como lembra Erica Morizono, consultora especializada no planejamento e gestão de recursos incentivados. Dessa forma, sem o incentivo, ela acredita que parte do empresariado brasileiro deixaria de investir em cultura. “Mas acredito na parceria público-privada e acredito na lei. É um importante mecanismo que movimenta o mercado, forma novos profissionais, gera empregos etc. A empresa não é um vilão e a lei não pode ser demonizada”, defende.
Para que distorções sejam corrigidas e a lei seja aperfeiçoada, indica Erica, é fundamental o diálogo, seja com investidores atuais ou trazendo novos investidores, como pessoas físicas. “Atualmente, apenas 0,8% dos contribuintes que adotam o modelo completo de declaração do IR optam por usufruírem do direito de incentivar projetos culturais. Se a empresa criar uma campanha e estimular a doação, os números são animadores”, conta, indicando como exemplo a iniciativa da Unimed BH. Em 2014, 10.016 brasileiros destinaram 6% do IR devido a projetos culturais. Desses, 3.606 foram médicos cooperados da Unimed que aderiram ao Programa Cultural do Instituto Unimed. Eles representam 36% do total de contribuintes de 2014 e levantaram 9,1 milhões.
Lárcio Benedetti, consultor de patrocínio empresarial e autor do livro Editais de Patrocínio Empresarial (SESI-SP Editora, 2014), acredita que uma eventual redução do benefício fiscal provocaria, em curto prazo, uma retração imediata no investimento empresarial. “Acostumadas com a isenção de 100%, grande parte das empresas não utiliza recursos orçamentários (o chamado ‘dinheiro bom’) nos patrocínios”, aponta. No entanto, segundo ele, há muitas empresas que enxergam a renúncia fiscal apenas como um dos muitos benefícios que a atuação em cultura pode oferecer. “São casos em que o patrocínio já deixou de estar condicionado a leis de incentivo e integra a estratégia de comunicação institucional ou de marca.”
Público-privado – A isenção fiscal como principal motivadora ao patrocínio pode induzir a empresa à acomodação e à falta de comprometimento. Como resultado, lembra Benedetti, a atuação é frágil, sem impacto, dependente do planejamento tributário e, portanto, constantemente ameaçada. “Fica inviável estabelecer uma visão estratégica de longo prazo. Só quando as empresas deixarem de atuar na cultura por motivações exclusivamente fiscais é que o patrocínio empresarial no Brasil será elevado a um patamar estratégico”, defende.
Para ele, as leis de incentivo deveriam funcionar como uma real parceria público-privada, com a efetiva colaboração de ambas as partes. Ou seja, projetos culturais com maior alinhamento a políticas públicas devem contar com maior participação do Estado em seu financiamento (maior porcentual de incentivo fiscal); e projetos com maior apelo midiático, visibilidade para marcas, e que atendam a estratégias de comunicação empresariais, devem receber maior financiamento privado (menor porcentual de incentivo fiscal).
“Não é nada fácil encontrar empresas que estejam dispostas a colocar dinheiro próprio nos projetos que patrocinam, mas isso precisa – e pode – mudar”, diz a consultora em gestão cultural Eliane Costa. Ela não vê problema em uma empresa usufruir do incentivo de 100% se ele existe, mas defende que a lei deveria deixar esse percentual apenas para projetos realmente muitíssimo especiais. “As empresas podem ter políticas de patrocínio privadas sem perder de vista o interesse público, seu papel na sociedade, e sem abrir mão de seu posicionamento de marca e de suas prioridades de negócio.”
Para Kuru Lima, fundador da Cria! Cultura, agência dedicada ao desenvolvimento e produção de projetos e programas culturais para empresas e governos, os empresários brasileiros investiriam em cultura mesmo sem incentivo fiscal. “O investimento cultural privado é uma realidade em todas as sociedades nas quais as necessidades básicas materiais foram contempladas”, diz. Isso porque cada vez mais as novas gerações exigem o direito ao ócio e ao bem-estar. “Como ignorar o investimento em cultura apenas por não existir incentivo fiscal? Mas também é óbvio que a parceria com o Estado, por meio de renúncia, é a mais salutar.”
Uma das grandes questões hoje é que os projetos são, em sua grande maioria, eventos. Assim, aponta Kuru, muito do investimento via leis de incentivo presta-se ao mero entretenimento, com um residual muito baixo tanto para a sociedade quanto para as próprias marcas incentivadoras e, principalmente, para o desenvolvimento do setor. “Há um ciclo viciado se realimentando pelo caminho do óbvio. Paradoxalmente, a verdadeira experiência de marca se dá no tempo, com continuidade e percepção pública de evolução daquilo que foi incentivado. São raros os patrocínios que constroem programas ou plataformas para o desenvolvimento cultural do país e fomentam, de fato, a autonomia e autogestão do setor”, afirma.
Visão de longo prazo – O grande desafio das empresas, segundo Erica, é pesar além do modelo tradicional de contrapartidas. “Quando uma empresa opta por investir em cultura, ela precisa acreditar no poder da cultura. Acreditar que a cultura transforma, que é o elemento fundamental para o desenvolvimento humano e que, consequentemente, agrega valor à sua marca.”
Kuru concorda. Para ele, a maior dificuldade é deixar o papel de anunciante e passar ao de protagonista social. Mobilizar todo o capital humano da empresa para a finalidade essencial do investimento cultural: desenvolver o ser humano e a sociedade que o abriga e o reflete. “A marca que estes profissionais representam deve ser percebida como uma das protagonistas do processo de transformação da sociedade para melhor, e eles próprios, orgânicos a esta sociedade a ser transformada pela ação cultural. Afinal, são cidadãos antes de serem membros de uma determinada corporação. Sem romper essa barreira, todos os projetos de investimento cultural de uma determinada empresa serão frágeis, para não dizer falsos.”
Ele defende que, para ter acesso ao dinheiro de renúncia fiscal, a empresa deveria destinar pelo menos 70% do recurso de forma pública, por meio de editais, com a presença de avaliadores da sociedade civil (especialistas, integrantes de entidades do setor), de seus departamentos de comunicação e também do próprio poder público, numa espécie de segundo turno de avaliação do que já havia sido chancelado pelo próprio Estado, só que agora com um novo integrante, a marca que deseja ser parceira daquela iniciativa.
Para Julio Cesar Pereira, o grande erro que se comete ao falar dos recursos aplicados em projetos culturais por empresas privadas é tratar esses recursos como sendo de natureza pública. “Tais recursos são de natureza essencialmente privada”, pontua, explicando que a relação jurídico-social entre o patrocinador e o artista não se confunde com a relação jurídico-tributária entre o patrocinador e o Estado: a relação patrocinador-artista é encerrada no momento em que os recursos são efetivamente entregues para a realização do projeto; a relação patrocinador-Estado é encerrada no momento em que o Estado homologa a dedução tributária referente ao incentivo fiscal.
“Estamos diante de um fato inegável: no Brasil, a cultura é uma questão regulada por interesses privados, mas sob a intermediação do Estado. A questão que se coloca é: com o advento do Sistema Nacional de Cultura (SNC), qual será o exato papel dos patrocinadores quanto ao objetivo maior da integração nacional, que é o desenvolvimento social por meio da cultura? Em que medida o Fundo Nacional de Cultura (FNC) poderá superar o patrocínio privado sem abrangê-lo compulsoriamente em sua estrutura?”, questiona o jurista.
Benedetti acredita que um eventual corte na dedução fiscal seria, em médio e longo prazos, compensada pela maior qualificação do patrocínio empresarial no Brasil. Isso porque, quando pelo menos parte do investimento sai do bolso do patrocinador, muda-se o olhar sob o patrocínio. “Ele passa a ser avaliado e monitorado como qualquer outra ferramenta de comunicação. Isso representa um excelente desafio para os gestores nas empresas, obrigando-os a buscar os benefícios reais que a atuação em cultura tem potencial de oferecer.”
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