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Desagravo: carta de Alice Portugal a Ana de Hollanda

A deputada federal Alice Portugal enviou à ministra Ana de Hollanda uma carta, a respeito das declarações do secretário de Fomento e Incentivo à Cultura do MinC, Henilton Menezes, que afirmou ter dificuldades em colocar em prática o substitutivo, de autoria da deputada, ao projeto de lei que cria o Procultura.

A carta foi citada no seminário realizado em Brasília na última terça-feira (16/8).

Confira na íntegra:

Senhora Ministra,

Com os meus cumprimentos e os meus sinceros votos de sucesso à frente do Ministério da Cultura, dirijo-me a Vossa Excelência para tratar de novas questões surgidas em torno do Procultura.

No ano de 2010 fui designada pela Comissão de Educação e Cultura relatora do Projeto de Lei nº 6.722, de 2010, que “institui o Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura – Procultura, e dá outras providências”. Esta designação se deu em interlocução com o Ministério da Cultura e com o apoio da Liderança do Governo na Câmara dos Deputados.

Na busca da construção de um parecer consistente, que não desse margem para questionamentos maiores por parte dos integrantes da Comissão, em comum acordo com o Ministério da Cultura, resolvi realizar audiências públicas em todas as regiões do país destinadas a ouvir as opiniões dos mais diversos agentes culturais. Assim, promovemos audiências em São Paulo, Salvador, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Belém e Brasília, que contribuíram para o aperfeiçoamento das proposições do Ministério da Cultura e dos parlamentares que apresentaram os projetos apensados.

O texto final, aprovado unanimemente pela Comissão de Educação e Cultura na forma do substitutivo de minha autoria, foi discutido previamente com o Ministério da Cultura e suas sugestões de modificações foram incorporadas.

Por ocasião da aprovação do substitutivo, o Ministério da Cultura, pelas vozes do então Ministro Juca Ferreira e do então Secretário Executivo, Alfredo Manevy, manifestou seu integral apoio ao novo texto. Em seguida, quando conseguimos a unanimidade da CEC em torno do substitutivo aprovado, o Conselho Nacional de Cultura aprovou moção de aplauso a esta deputada pelos esforços despendidos para a produção de um texto que refletisse amplitude, sem contudo prejudicar as principais modificações que se pretende fazer na lei de incentivo à cultura.

Já em 2011, quando da visita de Vossa Excelência à Comissão de Educação e Cultura, além de parabenizada pelo trabalho realizado, fiquei satisfeita com sua manifestação pública de apoio ao substitutivo.

Porém, a despeito da longa parceria que cultivo com o Ministério da Cultura, tendo sido relatora pela Comissão de Educação e Cultura dos projetos que instituiu a nova Lei do Audiovisual, que criou o IBRAM, que instituiu o Fundo Nacional de Museus, entre outros, estranhei declarações feitas à imprensa pelo Sr. Henilton Menezes, secretário de Fomento e Incentivo à Cultura do MinC, que inclusive se apresenta como o interlocutor do ministério  no debate desse tema.

Segundo o secretário, o substitutivo de minha autoria, aprovado no fim do ano passado, mudou em essência pontos cruciais da reforma. Ele cita a obrigatoriedade de o patrocinador colocar ao menos 20% do seu bolso no apoio a um projeto e diz: “tudo volta à estaca zero, aos 100% de dedução do imposto”. Ele afirma ainda que “a proposta de pontuação inserida no substitutivo praticamente leva todos os projetos para 80% de renúncia, com o atingimento dos 100%, mas deixa o segmento de patrimônio cultural muito vulnerável, uma vez que nunca chegaria aos maiores índices de renúncia”. E complementa dizendo que “considera isso uma distorção, porque perpetuará a renúncia de 100%, para alguns setores, sem a efetiva participação dos recursos priv ados no sistema”.

Na entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo, o secretário Helenilton diz que “o substitutivo aprovado tem problemas que precisam ser corrigidos e destaca que o MinC discorda da forma de participação por meio de colegiados setoriais porque teria de fazer eleição direta no País todo para escolher representantes”; que “itens importantes do projeto, como acessibilidade gratuita, ainda não têm tratamento de relevo no texto proposto, e isso deve mudar”; que “o MinC também discorda da proposta dos ex-ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira na questão dos Ficarts”; que “o MinC pretende modificar a lei no que diz respeito à produção independente, por achar que conceito de independente é frágil”; que “para o MinC a pontuação estabelecida no texto para índices diferenciados de renúncia deveria ser assunto de decreto ou instrução normativa”; e que “a elevação de 15% para 25% de despesas com o projeto, incluindo captação, poderá encarecer de novo o sistema”.

Compreendo que a nova direção do Ministério da Cultura tem todo o direito de discordar do conteúdo do substitutivo aprovado pela Comissão de Educação e Cultura e até mesmo de propostas dos ex-ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira. Causa estranheza, no entanto, que um secretário do MinC ignore que o texto aprovado por unanimidade na CEC foi objeto de acordos celebrados entre a relatora, o MinC, os parlamentares da Comissão e representantes dos mais variados segmentos da área cultural. Causa espanto ver um secretário de uma pasta ministerial de um governo que se apresenta como de continuidade simplesmente ignorar todo o trabalho feito em torno da construção de um projeto de modificação da lei brasileira de incentivo à cultura e tecer críticas públicas tanto às modificações inseridas no projeto original, como à própria proposta elaborada pelo MinC após extenuantes jornadas de consultas.

Quero acreditar que não é esta a opinião de Vossa Excelência sobre o tema, até porque as críticas feitas pelo secretário do MinC, longe de apontarem para o caminho da ampliação do incentivo à cultura para outras áreas além daquelas tradicionalmente beneficiadas, têm nítido caráter restritivo.

Espero que os avanços incluídos no substitutivo da Comissão de Educação e Cultura a partir de amplo debate e da pactuação relatora/MinC/agentes culturais não sejam objeto de modificações restritivas patrocinadas exatamente pelo Ministério da Cultura. E mesmo as alterações pontuais que porventura sejam necessárias para a adequação do projeto precisam ser debatidas com todos que contribuíram para a construção do texto, pois, caso isto não ocorra, dificilmente este projeto terá tramitação tranq?ila na Câmara dos Deputados.

Ao tempo em que faço estas observações a Vossa Excelência, declaro-me pronta para continuar contribuindo com nosso governo e com o Ministério da Cultura na Comissão de Educação e Cultura e no plenário da Câmara dos Deputados na defesa das propostas que contribuam para a ampliação do acesso à cultura em nosso país e da democratização e regionalização dos recursos públicos da área cultural.

Certa da atenção de Vossa Excelência, agradeço e despeço-me.

Atenciosamente,

Alice Portugal
Deputada Federal”

Redação

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  • VAMOS EXCLARECER:

    não mudem a lei atual, se as empresas tiverem que colocar 20% ou qualquer valor , a produção cultural vai acabar em 24 horas.
    nehuma empresa neste país irá colocar dinheiro na cultura ou em projetos culturais.
    já fiz uma pesquisa com mais de 100 empresas e 100% respondeu que se mudar, para de patrocinar projetos culturais.
    portanto, o que vocês querem? sejam claros e objetivos !!!

  • O secretário Henilton é a pessoa que mais entende o funcionamento da Lei Rouanet na forma como ela está hoje. Define sua secretaria como um "chão de fábrica" de onde saem os projetos prontos para o incentivo. É uma pessoa que veio do setor bancário e aplicou todo seu conhecimento em organização de processos para dar impulso ao sistema hoje vigente no país. Não é um homem da cultura, apesar de já ter produzido shows. Sua secretaria procurou tornar a Rouanet mais ágil e eficiente. Pelo seu perfil acredito que se está preocupado com o substitutivo deve haver uma razão técnica e não ideológica.

    No congresso nacional existem poucos parlamentares que sabem como a lei atual funciona. Talvez menos ainda como o mercado cultural opera no Brasil e no mundo. E isso é tão verdade que não existe um só caso de desvio destes recursos para fins políticos. Isso quer dizer que corremos o risco de ver facilmente aprovado um texto que terá enormes dificuldades para ser implantado. Além das alterações do substitutivo o texto poderá ganhar ainda propostas de parlamentares sem conhecimento prévio do setor. Ou da bancada que é pressionada pelo lobby de quem opera, e muito bem, com a atual Lei Rouanet. O resultado seria catastrófico. Uma lei impossível de ser cumprida e operacionalizada com a estrutura atual do ministério.

    Neste cenário seriam menos recursos captados através de renúncia e o fortalecimento do Fundo Nacional de Cultura vai se fazer necessário. Hoje ele representa menos de 15% dos recursos da Rouanet. Isso significa que a decisão dos investimentos em cultura ficará nas mãos do governo. Só que ninguém ainda esclareceu a origem dos recursos do fundo. Isso é fundamental. Caso contrário não terá nem Rouanet nem Fundo. E a composição destas duas modalidades é o que torna o sistema cultural forte e democrático. Financiamento direto (fundo) e indireto (renúncia).

    Desconheço a totalidade do substitutivo da deputada Alice Portugal. No entanto alguns detalhes aqui citados chamam a atenção. Percebam como os pontos parecem ter todos um propósito:

    Pontuação: É o uso racional dos recursos. Aquilo, ou quem, tem mercado não precisa de 100% de dinheiro público. Isso elimina as distorções como caso do "Cirque du Soleil" e outras. Pra que colocar a pontuação na lei, se ela pode ser mudada? Hoje o teatro precisa ser mais incentivado. Amanhã pode ser o cinema. Fica facultado à demanda. Como álcool e gasolina. QUEM GANHA COM ISSO: AS ESTRELAS BRASILEIRAS E INTERNACIONAIS ALÉM DE EMPRESAS QUE QUEREM INVESTIR SEM POR A MÃO NO BOLSO.

    Recursos Privados: Mecenas é aquele que põe recursos próprios. Renuncia fiscal não é mecenato. Isso vai acabar com exigências de empresários que se acham donos do dinheiro público. Quer a logomarca no produto? Pague aquilo que o artista vale. QUEM GANHA COM ISSO: AS EMPRESAS INCENTIVADORAS, NÃO GASTAM UM REAL E GANHAM MARKETING DE GRAÇA.

    Colegiados: Uma elevação de custo e tempo. Seguramente depois virá o mérito. Colegiados que dirão quem é ou não artista no Brasil. Segundo que critério? Segundo quem? 12 comissões? Loucura. QUEM GANHA COM ISSO: ARTISTAS COORPORATIVISTAS SEM VISÃO DE MERCADO.

    Ficarts: Outro dia li uma boa matéria aqui no C&M sobre o termo independente. Quem é independente? O que quer dizer esta palavra atualmente? Do sistema? Da política? Do mercado? Dos artistas? QUEM GANHA COM ISSO: NINGUÉM QUALQUER UM PODE PROVAR QUE É INDEPENDENTE.

    15% pra 25%: Você monta uma peça e 1/4 do teu custo é captação de recursos. Que interessante não é? Um musical de um milhão pode render ao captador mais do que o cachê de 25 bailarinos. QUEM GANHA COM ISSO: ESCRITÓRIOS, CAPTADORES DE RECURSOS, EMPREGADOS CORRUPTOS DE DPTOS DE MARKETING E ATÉ MESMO UM INCENTIVADOR CORRUPTO. AFINAL OS 20% QUE ELE TEM QUE COLOCAR NO PROJETO PODE SER DEVOLVIDO COM ESTES 25%.

    Além disso, a democratização na distribuição destes recursos entre estados, municípios e artistas que não conseguem captar um real sequer é a única coisa que não vi discutida. Acredito que secretário Henilton quis alertar no ESTADÃO é que os "remendos e gambiarras" propostos são incompatíveis com um "chão de fábrica" que pretendia produzir com padrões ISO 9000.

  • Realmente o Sr. Henilton entende somente de banco e razoavelmente de atendimento padrão 0800. Enfim, quem se considere bem tratado pelos bancos e por esse maltdito instrumento 0800 que o valorize, alias que o leve pra casa. Henilton e toda sua trupe de portadores de um unico neurônio deverias mesmo era aprender um pouco sobre a finalidade do MinC e não ficar por ai dando palpites sobre o que não entende.

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