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Direitos autorais na web: onde está a falta de transparência?

O Ministério da Cultura (MinC) colocou em consulta pública o texto de uma instrução normativa sobre gestão de direitos autorais relativos à música no ambiente digital. O principal ponto discutido é a forma de pagamento de direitos na Internet, especialmente relativos a plataformas de streaming como Spotify, Deezer, YouTube e Apple Music, entre outras.

Hoje o faturamento de lojas digitais relativo ao fonograma (a musica gravada) é repassado por elas ao distribuidor ou gravadora, que por sua vez repassa para o artista. E o faturamento relativo à composição é repassado à editora musical que por sua vez repassa ao compositor. Isso se assemelha ao modelo de pagamento de um CD físico.

O outro caminho possível (mas que não é usado neste caso) é o o caminho da execução pública, que é o caminho seguido pelo faturamento de rádio e TV. O dinheiro vai para o Ecad que repassa a uma sociedade arrecadadora (UBC, Abramus, Amar, etc) e esta para o artista.

No texto do MinC não existe proposta de aumento de valores. Os valores continuariam iguais. Mas há um grande ponto problemático, que está no fato de o MinC entender que as execuções nas plataformas de streaming envolvem execução pública, o que os obrigaria a pagar ao Ecad pelo uso das músicas. Então uma parte do faturamento não seguiria mais o caminho descrito acima e seria paga ao Ecad, assim como acontece com o faturamento de música tocada no rádio ou na televisão. Seria essa a melhor forma?

No entender de quem trabalha diretamente com essa matéria, streaming interativo não é execução pública. Se você determina o que vai tocar, por que seria execução pública? É o que o próprio Spotify argumentou em entrevista a O Globo: o parágrafo 2º do artigo 68 da Lei de Direito Autoral define “execução pública” como a utilização da música em “locais de frequência coletiva”. Como o usuário seleciona o que irá escutar, esse conceito já não cabe. Falta definir claramente, como nos Estados Unidos e na Europa, o critério de interatividade a ser adotado. O sujeito pode pular faixas? Quantas e em que intervalo de tempo?

O argumento que streaming não é execução pública é defendido tambem pela Associação Brasileira da Música Independente (ABMI), pelas grandes gravadoras e pelos serviços digitais.

O argumento sustentado por defensores da entrada do Ecad no processo de arrecadação está baseado em uma suposta falta de transparência das plataformas. Os serviços de streaming têm arrecadação e pagamento transparentes. É um equívoco dizer que existe dificuldade de entender o pagamento de streaming. Confira este post explicando a questão. É bem fácil de compreender, mesmo para aqueles que não concordam com o modelo de negócio adotado.

A taxa cobrada pelas plataformas (média de 30% do total arrecadado) é bem razoável, tanto que a maioria desses serviços ainda atua no vermelho. Então, por que os grandes artistas estão reclamando?

Esse argumento, na verdade, esconde grandes discussões que não têm a ver com o mercado independente. Os artistas representados pelas grandes gravadoras brigam para ter pleno acesso à prestação de contas das próprias gravadoras, que é o ponto onde falta clareza. Mas não existe falta de transparência nos serviços de streaming. O que o serviço paga para a gravadora todo mundo entende, é uma informação reportada de forma bastante completa pelas plataformas. O que a gravadora paga para o artista, nem sempre.

Uma das possíveis intenções do pedido de entrada do Ecad nesse processo, por parte desses artistas, está em poder arrecadar de forma mais direta, já que os pagamentos se perdem nas grandes gravadoras. Para eles é um bom negócio receber diretamente do Ecad, mesmo com todas as limitações e críticas que este escritório tem, mas para os independentes é um péssimo negócio trocar o modelo atual por um que envolva a entidade. Qualquer agregador digital tem relatórios mais completos, detalhados e claros.

O assunto é complexo, na questão existem muitos atores e muitos objetivos diferentes, alguns escondidos atrás da argumentação mais visível. A participação de todos é muito importante. Leia, discuta e debata. O que pode acabar acontecendo é que o faturamento de Spotify (por exemplo) de um artista acabe indo para o Ecad. É isso o que queremos, nós, do mundo independente?

Vamos consertar uma suposta falta de transparência das lojas digitais, que na verdade não existe, entregando a prestação de contas… para o Ecad?

Acesse aqui o texto da instrução normativa do MinC: culturadigital.br/gcdigital.

*Publicado originalmente no blog da Tratore

Mauricio Bussab e David Dines

Mauricio Bussab é diretor da Tratore, distribuidora de música especializada no mercado independente. David Dines é assistente de marketing da empresa.

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