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E se a luz acabar?

Os tempos são outros. O século XXI já chega à metade de sua segunda década, as redes sociais estão com tudo. A molecada já nasce conectada. Os smartphones não deixam ninguém em paz seja na hora do almoço, jantar ou na cervejinha. E o mercado de cultura é completamente diferente de outros tempos, certo? É… Quase.

Na produção cultural, por exemplo, existem novas ferramentas surgindo a cada instante. Novas possibilidades de renda vão se abrindo – crowdfunding, por exemplo -, outras diminuem seu poder de fogo – venda de discos. No entanto, algumas situações permanecem as mesmas: a relação do artista com seu produtor; a cobrança da casa de espetáculos com relação ao público; a necessidade de todo mundo pagar as contas no fim do mês.

Para se dar bem na profissão, o produtor cultural deve ser bom vendedor, organizado, bem relacionado, com conhecimento das demandas técnicas do artista que representa e, claro, ter uma boa carteira de clientes. Isso só para começo de conversa. No caso específico da produção musical independente, há ainda outras demandas e soluções.

As redes sociais e a internet vieram dar uma sacolejada no meio. Atualmente, os artistas têm uma relação mais estreita com o seu público e não se vende mais muitos discos. Uma fonte de renda se perdeu. No entanto, outras ferramentas vieram contribuir para a eterna luta de conseguir pagar o aluguel.

A Agência Alavanca, criada e liderada por Pamela Leme, atende alguns artistas de projeção nacional e internacional no cenário alternativo: Apanhador Só, Jair Naves e Selton são alguns de seus clientes. E para os três grupos o crowdfunding foi uma alternativa de financiamento para seus discos. “Antes que Tu Conte Outra”, da banda Apanhador Só, foi consagrado em 2013 como melhor álbum do ano pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) e foi gravado com o financiamento coletivo que alcançou R$ 59 mil. Já o álbum de Jair Naves, que acabou de alcançar sua meta no início de abril, chegou a mais de R$ 30 mil.

Além da tradicional cópia do CD financiado, ideias espertas foram incluídas nas recompensas: shows exclusivos nas casas dos fãs, serenatas promovidas pelos músicos e ingressos com acompanhante garantidos para todos os shows da banda durante um ano. “Na época, não tínhamos muitas referências, nos limitamos a estudar algumas campanhas de grupos estrangeiros. Então todo o trabalho (elaboração, divulgação e captação) foi bem intuitivo. Deu certo – a Apanhador Só alcançou mais de 130% da verba, triplicou e fidelizou o público, e ganhou muita mídia espontânea”, conta Pamela.

Agui Rocca é produtor d’Os Mulheres Negras desde os anos 1980 – com alguns intervalos no meio do caminho. E a banda paulistana, formada por André Abujamra e Maurício Pereira, inovou em vários aspectos para a fidelização de seu público: nos primeiros anos de atividade, o grupo entregava um jornalzinho com quadrinhos e histórias bem humoradas aos seus fãs via correio e chegou ao patamar de cinco mil nomes. E não negava fogo: tocava em espaços que variavam de bibliotecas infantis a casas de shows mais renomadas. “Em cada show que a gente fazia, íamos montando o nosso mailing. Na época, os fanzines estavam na moda. A gente pedia patrocínio para as lojinhas só pra pagar os selos. E ia se virando. Acabamos criando um ótimo canal de comunicação que antecipou essa onda de internet”, lembra Agui.

No entanto, mesmo com tantas diferenças nas ferramentas de comunicação da época e atuais, Rocca defende que a relação entre artistas e produtores não mudou muito em seus mais de 30 anos de experiência. “Sempre tem o artista que é ligado no negócio e aquele que não quer saber de nada. Essa relação ainda é a mesma. Se o produtor e o artista andam juntos, a possibilidade de ter sucesso é muito maior. Eu não conheço nenhum grande artista que não tivesse um bom produtor por trás.”

Em tempos difíceis para as venda de discos, o papel do produtor se tornou ainda mais relevante, já que a principal fonte de renda normalmente vem das apresentações. “Algumas bandas conseguem uma boa receita com a venda de discos e merchandising, mas é um complemento, e que depende dos shows”, garante Pamela, com relação às bandas que representa.

Jacques Figueras é um produtor francês que mora no Brasil há aproximadamente sete anos. Também músico, ele representa o Trio Corrente, que teve grande destaque no início do ano por receber o Grammy de melhor álbum latino de jazz de 2013, com “Song for Maura”.

No Brasil, com um mercado difícil para a música instrumental, o produtor resolveu abrir as portas de clubes e festivais da Europa. Como? À moda antiga: no tête-à-tête. “Eu vou às feiras na Europa e procuro conhecer os donos de clubes, curadores de festivais. Assim, quando eu envio um e-mail para o cara, ele se lembra de mim e acaba me respondendo”, conta o produtor, que ao conseguir marcar um show, começa a trabalhar para fechar uma turnê, conseguir patrocínio do governo se for possível, entre outras questões. “Já vi bandas que tinham shows marcados e não conseguiram ir por conta de R$ 4 mil, R$ 5 mil. Isso não é bom. O artista tem que ter credibilidade”.

Com todas as novas ferramentas para a gestão e divulgação de bandas e eventos culturais, a produtora e pesquisadora Isaíra Maria Garcia de Oliveira – que estará no Cemec dias 26 e 27 de abril para o curso Produção Cultural, assinado por este Cultura e Mercado – ressalta que as atribuições da profissão, na verdade, não mudaram muito. “Antes as pessoas faziam tudo à mão e tinham o contato pessoal direto. Agora, a única diferença é a tecnologia. Mas, e se a luz acabar?”

Itamar Dantas

Repórter do Cultura e Mercado.

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