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Elaboração de projetos para captação de recursos

Elaborar projetos culturais é parte do meu trabalho há quinze anos e costumo auxiliar e orientar artistas e produtores na redação de projetos para apresentação a patrocinadores. Tendo a experiência inversa, a de avaliar projetos para seleção nas empresas, tenho algumas dicas e conselhos que toda esta experiência acumulada me deu e que a minha filosofia de trabalho me instam a compartilhar. O CeM é a oportunidade de espaço para contribuir com outros produtores e artistas que precisam financiar suas propostas.

Tenho visto, cada vez mais, projetos elaborados com capricho e riqueza de detalhes e informações, esmero visual. Porém, geralmente longos e carentes das informações mais importantes para a empresa definir se o projeto interessa ou não, se ela deve (e pode) ou não patrocinar aquela proposta.

Dicas úteis

Um produtor precisa se colocar no lugar de quem vai analisar um projeto, considerando o outro como um ignorante do assunto. Não uma pessoa pouco culta, ou que não entenda de marketing cultural, porque certamente quem avalia propostas nas empresas é justamente o inverso disso. Mas como alguém que desconhece absolutamente tudo do seu projeto específico. Clareza e objetividade são palavras-chave.

Ao redigir uma proposta de patrocínio, tente responder nela estas questões essenciais:

  1. O quê vai ser feito e quem está envolvido?
  2. Quanto custa (e se tem ou não lei de incentivo)?
  3. Quais os benefícios do patrocinador? CONTRAPARTIDAS: o que o seu projeto oferece à empresa em RETORNO ao patrocínio recebido?
  4. Onde e como a marca da empresa vai aparecer? (qual o retorno de mídia e imagem para a empresa?)

Não estou com isto dizendo que o seu projeto tenha que ter somente estes itens. Mas estas são as questões que qualquer pessoa tem que extrair facilmente ao ler seu texto. Outras coisas importantes que podem constar são:

– histórico do projeto (bem resumido, em texto pequeno);

– cronograma ou período de realização;

– público a que se destina ou que será alcançado (perfil mais qualitativo do que quantitativo, mas deve haver previsão dos dois);

– capacidade realizadora do proponente (não necessariamente um currículo tradicional: pode ser um texto pequeno sobre as experiências já realizadas).

Qualquer outra coisa é anexo, complemento do projeto, não a essência dele.

Por favor, não se esqueça de colocar no projeto os contatos do proponente, caso não seja um papel timbrado. Por incrível que pareça, este era um erro comum dos proponentes: se preocupavam tanto com suas propostas que esqueciam do principal…

Convidar alguém que não é da área e não sabe sobre o seu projeto para revisá-lo é uma dica interessante. Se depois de ler a pessoa for capaz de te explicar o que você está solicitando e oferecendo, bingo! Você pode enviar sua proposta. Caso contrário, há uma evidência de que seu projeto não está suficientemente claro e deve ser revisto.

Derrubando mitos

Outra coisa essencial para efetivar uma captação de recursos é identificar projeto e empresa. Estabelecer uma IDENTIDADE entre a sua proposta e o potencial patrocinador é fundamental.

Esta identidade pode passar pelo perfil do público (faixa etária, classe social, etc), pelo perfil de imagem da empresa (frase de campanha, slogan, etc), pela proximidade entre o negócio da empresa (core business) com o tema/assunto do projeto. Isto deve estar na justificativa da proposta a ser apresentada ao patrocinador. A pergunta a ser respondida neste item é: porque a empresa X deve ser patrocinadora do seu projeto Y?

Não funciona dizer que o projeto é maravilhoso, lindo, único, inédito, pioneiro… Quase todos chegam com estes adjetivos que não dizem nada às empresas.

Pensem comigo: quase todos os projetos culturais são únicos. Maravilhoso e lindo são valores que dependem de gosto, o que é subjetivo e pessoal. E você seria um cara-de-pau ou louco de apresentar um projeto ruim a uma empresa? Então saiamos do óbvio: valorize a identidade do seu projeto com a empresa, não se auto-elogie. Em relação ao ineditismo, um projeto que tenha um histórico de realização pode ser muito interessante para um patrocinador, por provar a capacidade realizadora do proponente ou pelos dados que provem o poder de gerar mídia e o alcance de público que pode ter. Só é válido ressaltar o ineditismo de um projeto se em suas pesquisas você descobrir que a empresa com quem negociará valoriza ou procura projetos com esta característica. A lógica em relação ao pioneirismo de uma proposta é mais ou menos a mesma: uma revisão, re-make ou reedição de algo já realizado podem interessar a um patrocinador.

Caminhos

O primeiro passo para uma captação de recursos de sucesso é pesquisar cada empresa a contatar. Por isso mesmo o processo de captação não é de curto prazo. O ideal é usar sua rede de contatos para conseguir agendar uma reunião e apresentar seu projeto pessoalmente. Mas projetos enviados por meios físico ou eletrônico podem funcionar bem, desde que tenham estas características que destaco aqui. E principalmente no caso de envio de proposta em meio físico, capriche na “capa”, chame atenção, invista na apresentação.

Não pretendo encerrar aqui as dicas e é importante deixar claro que não estou dizendo que só isso vá garantir a obtenção de um patrocínio. Há mais que se defender para um patrocinador (prever a questão de avaliação de resultados, garantir a entrega da prestação de contas, deixar espaço para negociação de benefícios e ações em parceria a serem propostas pelo patrocinador, etc)… Enfim, há que se relativizar e agir com bom senso sempre, mas a essência ou o que não pode faltar num projeto foi o que tentei destacar aqui. Sorte e sucesso!

OBS: estas “regras” não são válidas para editais, que exigem o preenchimento de formulários específicos com questões propostas pela empresa. Ainda assim, vale a dica: leia o edital e identifique seu projeto com a empresa e com os objetivos do seu edital. Se não conseguir ou tiver muita dificuldade, desista. Não perca tempo tentando adaptar seu projeto, porque isso significa que seu projeto não será aprovado por esta empresa porque não se identifica com a política de patrocínios desta.

Daniele Torres

Gestora cultural, captadora de recursos, museóloga e sócia-diretora do Cultura e Mercado e da Companhia da Cultura.

View Comments

  • Parabéns pelo texto! De grande valia para desmitificar essa àrea tão temida da captação de recursos. De maneira sintética e franca foi muito esclarecedora e objetiva.
    Concordo plenamente que a pesquisa eficiente e a identificação com a empresa sejam a pedra de toque para um projeto cultural aprovado. É tb o ponto para que produtores consigam aumentar a quantidade de patrocínios captados.

  • Concordo com o comentário acima, vc se expressa muito bem e torna o tema extremamente agradável e simples para quem está apenas engatinhando no assunto. Li o livro Mercado Cultural e estou interessado em ler os outros da coleção, pois tenho algumas idéias que pretendo viabilizar.

    Felicidades,

  • parabéns :) de verdade! vou repassar esse texto para os meus colegas! eu tenho lido cada vez mais o Cultura e Mercado pelo texto sempre objetivo e claro. uma boa semana a todos!

  • Realmente nos produtores sempre estamos com bons projetos e pela complexidade de nossas pesquisas as vezes nos falta objetividade, detalhamento simples e de facil entendimento. Valeu a dica, obrigado!

  • Muito interessante o seu texto. Não sou da área de captação, mas será de grande valia o que li e aprendi neste breve texto.

    Objetivo e com muita clareza. Parabéns!!!!

  • Obrigado, Dani Torres! Verdadeiro serviço de utilidade à cultura.
    Parabéns à CeM por publicar textos como este.

  • Mkt cultural é coisa séria!....
    O mercado está abarrotado de amigos,politicos e indicações que pedem para seus pupilos "INCENTIVAREM PROJETOS" sem checar as informações óbvias destacadas acima.
    O incentivador"profissional" na sua maioria já foi cantado para uma bola do dinheiro repassado. E ai virou um bicho de 7 cabeças,pois o quanto eu levo hje é mais importante que a elaboração no planejamento e realização do mesmo.
    A minha politica é pela valorização do setor na questão moral e tenho cases de pedido$$ ao longo da estrada que faria vergonha.
    Se prestarem ou quiserem ter certeza vejam o patrimonio x salário desses "profissionais"antes de visitarem a empresa.
    Se o patrimonio não condiz com o salário é quase certeza de ser aprovado se a propina for compensadora.
    Espero que um dia a Auditoria do setor nas esferas: federal,estadual e municipal mostre os charlatães do setor que empobrece e tira a seriedade de quem trabalha corretamente.
    FICHA LIMPA NA CULTURA!

  • Paulo Vita.
    Publicitário com especialização em MKT(fgv) e pioneiro na captação de recursos pelas Leis de Incentivo pós Período Sarney e Collor de Mello.
    Viabilizei projetos diversos e perdi centenas por não concordar com a politica de quem dá mais!
    O SETOR PRECISA DE UMA FAXINA URGENTE NAS EMPRESAS E NO GOVERNO!
    que tal criarmos uma campanha com este espirito?Creio ser a solução para sermos levados a sério novamente.
    Procurem um filme que a Dira Paes é uma produtora são dois nomes próprios e ali está bem colocado as Pedras no caminho como dizia nosso poeta de quem produz cultura.
    DANI TORRES seu artigo é esclarecedor e vai ajudar muita gente que está começando mas,se não moralizarmos o setor não há projeto bem elaborado e defendido que seja aprovado se não largar o $$$
    Paulo Vita.
    skype:dvitacultural
    2192827756

  • Fico feliz em poder ajudar e agradeço os comentários recebidos, a ideia era de fato colaborar com quem está tentando emplacar projetos na área cultural, investe recursos e tempo e acaba "morrendo na praia". Muitos produtores e artistas investem o projeto certo na empresa errada e era um pouco neste sentido que pretendia alertar, orientando as pessoas a pesquisar e identificar os projetos. Além de dizer o que é óbvio mas muitas vezes passa em branco por quem faz projetos maravilhosos. Palavra de quem já recebeu um volume acima de mil projetos por mês para análise...

    Gosto da ideia do Paulo de fazer um "ficha limpa para a cultura". O setor cultural também precisa de faxina, sem dúvida. A corrupção existe em todas as áreas e não sou ingênua para afirmar o contrário. Não vou defender a inocência de ninguém, mas convivi muito com gestores de patrocínio e as pessoas têm nome e emprego a zelar em grandes empresas, não são tantos os que arriscam o pescoço por uma comissão. Não é a regra. Infelizmente o movimento maior é de produtores que tentam corromper o sistema para aprovar seus projetos. Sou produtora, me dói falar assim, mas essa é a grande verdade. Experimentei na pele estar "do outro lado da mesa" e levar cantada indecorosa.

    De qualquer forma, sou a favor de movimentos e campanhas que visem a qualificação, a transparência e a melhor distribuição dos recursos. Por isso mesmo acho que a nossa briga, além de ser por uma "ficha limpa" e transparência nos processos de captação e editais, deve ser por mecanismos mais justos de incentivo à cultura. O financiamento via patrocínio privado sempre vai ser insuficiente para a demanda de artistas e produtores, especialmente aqueles com trabalhos inovadores, experimentais, ou que estão iniciando um trabalho, pesquisa ou carreira. Já escrevi em resposta a um outro artigo aqui sobre isso. Patrocínio privado (via lei de incentivo ou não) sempre vai ser moeda de troca (status, poder, grupo de relacionamento, imagem, produto... não importa qual a moeda em jogo; é sempre um jogo de troca). Com isso, a cultura brasileira perde muito.

    Precisamos nos mobilizar por transparência sim, concordo, mas acho premente que nos mobilizemos por novos mecanismos de financiamento à cultura e pela presença real do Estado nos garantindo nossos direitos básicos, como o direito à cultura: a fazer e fruir dela, pois isso é lindo no discurso constitucional mas está bem longe da prática.

    Vamos pensar em sustentabilidade para artistas e produtores? Dentro desse mecanismo, impossível.
    Como a minha experiência está neste processo, o artigo foi a forma encontrada para contribuir com quem trilha os mesmos caminhos. E percebo desde os tempos em que analisava projetos nas empresas e ainda vejo em cursos e com parceiros com quem trabalho, que há uma demanda ainda muito forte nesta área de elaboração de projetos.

    Mas se é para compartilhar angústias, a minha atual é antagônica ao artigo: como sair deste modelo de financiamento? Como pensar em sustentabilidade para a minha empresa e para os meus clientes artistas? Como promover e difundir a cultura por todo o país; como estimular e impulsionar a produção cultural brasileira? Vivendo de patrocínio isso não será possível. Temos que ampliar horizontes mas também temos que nos mobilizar, nos unir e cobrar mais.

  • Dani , eu acho vc e seus amigos qq coisa, pois esta área é muito complexa e as empresas- a cada dia da crise que tende piorar - com dificuldades reais de dinheiro em cx para patrocinar. Vou repassar o texto para meus amigos desta área. Obrigada e saudades de vc e da fofa!!!
    VV

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