Pode se preparar: a polícia indie e os hipócritas do “rap de raiz” (algo quase que necessariamente relacionado à pobreza e, parece, determinado a nela permanecer) vão torcer o nariz e reclamar (mais) sobre o Emicida, agora que o rapper paulista estrela uma nova campanha do Banco Itaú. O vídeo faz parte do projeto “O Sonho Brasileiro“, resultado de pesquisa de mesmo nome realizada pela Box 1824 com jovens brasileiros entre 18 e 24 anos, com patrocínio do Itaú e Pepsi.
O site da pesquisa é bastante completo, com informações interessantes sobre como o jovem brasileiro se posiciona em relação ao país, seu futuro, suas relações interpessoais e outros temas. Destaque para a boa abordagem da cultura digital e as transformações que exerce em nossa cultura. A navegação pelo site é altamente indicada, mas demanda boas horas que podem render produtivas reflexões. A pesquisa também pode ser baixada em pdf, por completo, ou de acordo com os tópicos de seu interesse.
“A hiperconexão gera continuamente novos arranjos, combinações e oportunidades. Jovens preferem aproveitar as possibilidades atuais à medida que elas se apresentam do que viver como reféns de um futuro incerto. Por isso, passam a viver muito mais o processo do que focar num fim determinado para suas ações, e não veem mais sentido em planejar futuros rígidos a longo prazo.
As possibilidades infinitas dão espaço para a criação de um “eu” mais ‘multivíduo’ do que ‘indivíduo’. Jovens enxergam que a cultura global não anula as particularidades locais, mas, pelo contrário, cria um espaço mais amplo onde manifestações distintas podem dialogar e realizar trocas.”
Manifesto do projeto
Nos arriscaríamos aqui a uma conclusão simples. Como diz Zygmunt Bauman “já não temos uma noção clara de destino”. Diferente da modernidade clássica, não sabemos mais o que exatamente é progresso, onde exatamente devemos chegar. A pluralidade do mundo é tanta que parece ser tolo querermos ter um destino exato.
Diferente do Sonho Americano que propõe sempre uma vitória, avistando uma sociedade rica que compartimenta a diversidade e as diferenças em seus lugares próprios, o Sonho Brasileiro não parece buscar um destino exato, mas celebrar o próprio caminho. Aos moldes dos nossos ‘Jovens-Ponte’ o Brasil parece ser também uma ponte. Uma ponte entre o novo e o velho, entre a natureza e o homem, entre o lazer e o trabalho, entre um povo e outro, entre um tempo e outro.
Uma ponte é também um caminho. Um caminho que conecta pontos, às vezes, separados por abismos. Não somos um país que luta por um ponto de chegada. Nosso Sonho não fala de uma Terra Prometida. Mas de um lugar onde já estamos. Um fluxo. Uma procissão constante. Um caminhar festivo onde o prazer do caminho, do movimento e da festa são o próprio Destino.
E nos parece que não só o Brasil precisa desta consciência, mas também o Mundo como um todo. A consciência de que precisamos de muitas pontes. E a consciência de que o Brasil é um país ponte.
Observação: se é que você não percebeu, usei o mote do Emicida para chamar atenção para a pesquisa, que é muito mais interessante e pertinente do que comentários idiotas sobre um rapper da periferia estrelar um vídeo de uma empresa bilionária.
Se o Rap tem algo de transgressor desde sua origem, esse mesmo espírito o capacita a não estabelecer regras e utilizar do próprio “sistema” para reforçar seu discurso – como o faz aqui, Emicida.
*Publicado originalmente no site Meio Desligado
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O problema é que um mundo com infinitas pontes para infinitos caminhos se torna um labirinto hedonista. A modernidade já passou por questionamentos como esses antes: primeiro no pós-guerra, quando o homem se decepcionou com o próprio homem; depois no final da década de 1960, auge do movimento contracultural de inspiração anarco-libertária a que nos acostumamos chamar de "hippie". E prevalecerá, como sempre, pois se adapta rapidamente. Mudar é da essência da modernidade. Desde que haja futuro, ou uma visão dele. "O caminho se faz ao caminhar", já disse Antonio Machado, mas é a noção de futuro, baseada em um núcleo mínimo de valores compartilhados, que separa "caminhar" de "perambular". E, em última análise, é o que nos faz humanos.