Termina nesta semana o festival Première Brasil, mostra que tem curadoria de Ilda Santiago, diretora executiva do Festival de Cinema do Rio de Janeiro.
Ilda Santiago estudou cinema e jornalismo na Universidade Federal Fluminense. Bem-vindo esse acaso que a área cinematográfica pode contar com seu engamento, energia e fôlego.
Num dos pouquíssimos minutos de pausa durante sua estada em Berlim, ela falou com exclusividade ao Cultura e Mercado. Ilda discursa quase initerruptamente, de forma enérgica e transparente, sobre o que soa como seu lema de vida: divulgar de forma adequada o cinema no Brasil e no exterior. E se for pra brigar por um filme em que acredita, não precisa chamar duas vezes.
Ilda Santiago: Eu acho que é uma conversa de dois patamares diferentes. Claro que, quando nós iniciamos um trabalho internacional, constata-se ano após ano uma modificação, o público vai se delineando. As pessoas gostam de bom cinema e querem estar expostas a ele. A gente ainda peca por não conseguir fazer o nosso cinema viajar o suficiente, da forma como ele tem viajar.
CeM: Qual seria a forma adequada de viajar com o filme brasileiro?
IS: Cada cidade é uma cidade, cada país um país. Não existe, eu acho, uma fórmula que irá atender um foco unitário, que vá atender a todos os lugares, a todos os países. Cada público tem uma relação diferente com o Brasil e com o cinema brasileiro. Essa é a minha experiência com o Première Brasil em Nova Iorque em 2012, já entrando na decima edição. Eu vejo uma diferença muito clara entre o primeiro ano e agora, inclusive a responsabilidade sobre aquilo que é apresentado numa cidade como Nova Iorque. Nesse sentido, é bem pertinente comparar Nova Iorque com Berlim, duas cidades cosmopolitas.
CeM: E como é o perfil do Cinéfilo que vai ao Première Brasil?
IS: Antes de tudo é um cinéfilo muito refinado e muito exigente, ao mesmo tempo que muito aberto, disposto a aventuras. E isso torna o trabalho mais interessante. No primeiro e no segundo anos, a parte do leão do público é composta de brasileiros e amigos de brasileiros, cinéfilos que têm interesse no Brasil em geral. Essa é a primeira leva. Você tem que ser capaz de manter esse interesse e fazer esse público crescer. Em Nova Iorque, a gente hoje não tem uma sessão que não esteja cheia, independente de dia ou horário. Em Berlim a gente ainda não chegou lá. Isso depende muito do tipo de promoção que a gente é capaz de fazer, da inserção que o Brasil pode ter. O Brasil vem numa boa onda de atratividade, não só no setor cultural, mas em todos os setores da sociedade.
CeM: De que forma a mudança de paradigma do Brasil frente ao contexto mundial se espelha no Festival do Rio?
IS: Existe um óbvio interesse muito maior, muito mais presente e constante.
CeM: Como se espelha esse interesse?
IS: Festivais de todo o mundo me pedem indicação de filmes brasileiros. Temos grande demanda de programadores de festivais internacionais que vêem ao Festival do Rio para conhecer melhor o cinema brasileiro, estar em contato com produtores e diretores. Mas é preciso atentar que essa visibilidade do Brasil traz uma responsabilidade e ao mesmo tempo uma armadilha. Nós temos que ser capazes de apresentar algo que esteja no nível do país. Não podemos passar filmes em DVD ou fazer qualquer coisa fora de contexto. Não somente nós como cidadãos, mas todas as instituicões do país têm que se dar conta da necessidade de apresentar o país da forma adequada, com a sua importância no contexto atual. Hoje existe um interesse, eu diria uma voracidade em relação a tudo o que o Brasil pode oferecer, de tudo que é o patrimônio brasileiro seja do ponto de vista político, econômico ou cultural. Isso traz uma armadilha e uma responsabilidade pela mesma razão. Isso nos obriga a repensar o país de forma institucional e política. O que nós como país somos capazes de estruturar internamente para que isso seja um espelho lá fora daquilo que nós queremos ser. Para que não sejamos só uma nova onda. Já estamos ultrapassando essa fase, mas temos que comer muito arroz com feijão para fazer transparecer bem isso. Veja o caso do Rio de Janeiro, como cidade. O nível de interesse pela cidade é enorme! Você tem que ser capaz de alojar o turista, oferecendo o serviço: hotel, táxi, enfim toda uma infra-estrutura. Você tem que ser capaz de devolver a expectativa que é criada pelo turista. Disso é que todos nós como cidadãos temos que ter noção, para assim levar o país a um outro patamar.
CeM: O Cinéfilo de Berlim é famoso por ser muito fiel mas também muito critico? Qual seria o perfil do cinéfilo que vai ao Première Brasil na capital alemã?
IS: Trazemos a idéia de algo muito caloroso. O público, muito curioso, já entra na sala com um sorriso. Como chegamos num momento climático de muito frio, eles já estão preparados para fazer uma viagem de duas horas para o Brasil. Já existe uma generosidade em nos receber. Além disso, as perguntas que são feitas, a forma como o público questiona os diretores, é bem crítico e absolutamente bem-vindo. Os diretores gostam dos elogios, mas gostam mais ainda de poder explicar, de serem questionados sobre aquilo que fazem. Isso também é muito bem-vindo para aquilo que nós possamos produzir no futuro. Para que a gente possa se tornar um país com uma noção do global daquilo que a gente está fazendo e da consciência com que isso será questionado e criticado. Isso não depõe contra, e sim a favor. Se existe a crítica, existe o interesse.
CeM: Quais são os critérios que você usa para escolher os filmes da Première Brasil especialmente pra Berlim? Tem muita dor de cabeça?
IS: Tem um desafio. Acho que isso talvez seja a parte mais gostosa do trabalho. Muitas vezes eu começo fazendo uma lista. Não é ir de filme a filme. É uma química, que no final da escolha você constata que os filmes estão conectados. Eu penso nos filmes como um todo. O foco desse desse ano nos documentários políticos nao foi algo planejado. É também fundamental ter o parceiro e local corretos. Durante quase 5 anos estivemos conversando e equacionando com a equipe da Haus (Casa das Culturas do mundo) antes de iniciar de fato o projeto aqui em Berlim. Eu considero essencial o parceiro local, que seja o local correto e tenha prestigio necessário, que saiba dos gostos de seu público e possa assim complementar para o sucesso do projeto.
*Foto: Pedro Fredo
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Estive na abertura da Premiere Brasil em Berlim na semana passada.
O filme escolhido para a ocasião foi VIPs, de Toniko Mello, inspirado na história do farsante Marcelo Nascimento da Rocha, protagonizado por Wagner Moura.
Como espectador, não gostei do filme. Como cidadão brasileiro, fiquei incomodado pela escolha de uma obra que reforça estereótipos da nossa cultura (os já conhecidos: carnaval, mulheres, corrupção/drogas, etc - sem agregar qualquer significado a eles) e deixa de oferecer uma visão mais complexa (pois diversa) do nosso país. Como gestor da área de cultura, fiquei decepcionado ao ver um trabalho que não representa a qualidade do nosso cinema, que possui trabalhos mais ricos tanto esteticamente quanto na construção de sentido do que a obra em questão. Levando em conta, ademais, a exigência do público alemão, como ressaltou a própria curadora.
Animado de ver a inserção internacional das produções brasileiras, fico curioso em saber como foi a recepção do filme pelos espectadores Berlinenses, torcendo, é claro, para que tenha sido a melhor.
Caro Felipe Arruda,
No meu primeiro artigo sobre o "Première Brasil" mencionei que ficou faltando o bate-papo depois do filme de estréia. Teria sido uma excelente possibilidade de refletir sobre os estereótipos que você mencionou. Eu os vejo como uma mazela do pós-moderno aliado ao alto grau de globalizacao em que estamos. Querer ser importante, bem-visto=bem quisto e a projeção dessas fomes nas coisas materiais, vejo como um fenômeno global.
Um documentário alemão do diretor Alexander Adolph, retrata 4 Trambiqueiros que contam de forma impressionante e ao mesmo tempo muito sincera como conseguiram durante longos anos manter um status de vida através de histórias mirabolantes e falcatruas que incluiam carro de porte emprestado para estacionar em frente ao banco antes de uma conversa com o gerente para pedir um empréstimo de 50.000 marcos ou um outro que vendia viagens à lua no final do último século e prometia aos turistas um passeio à pé ao redor da lua numa inusitada festa de Reveillon pela bagatela de 5,0 milhoes de Euros.
"Die Hochstapler" (Título original)tem muitas similiaridades com o "Vips"; Na globalidade do tema e na forma calculista e muitas vezes prazeirosa de "vender o peixe".
O DVD, disponível à compra na Internet, inclui legendas também em inglês.
http://www.hochstapler-film.de/
Cara Fátima,
Agradeço o retorno e a dica do filme alemão, já dei uma olhada no site.
Sim, talvez tenha faltado mesmo esse papo final após o filme, o que seria enriquecedor para o público, diretores e organizadores.
abraços
Felipe
ps: (me lembrei do excelente "Catch me if you can")
No "Catch me if you can" (uma dica super procendente) tem na mesma temática séria, a leveza obrigatória de Hollywood para a melhor digestao.
Como não torcer pelo personagem vivido por Leonardo de Caprio, não é mesmo? No final ele vai, surpreendentemente, trabalhar para o FBI.
Abs da capital,
Fátima Lacerda