Confesso que não chego nem perto de compreender por que, desde sexta, os jornais noticiam unanimamente que Raduan Nassar, durante o recebimento do Prêmio Camões, teria proferido discurso duro contra o governo. Considerando a fome que o conduziu à tribuna, o discurso de Raduan foi até protocolar e, sobretudo, previsível – tanto é verdade, que inverteram a ordem das falas na homenagem para que o ministro da cultura tivesse a última palavra. Pois bem, o ministro não só teve a última palavra, mas também, culminando em cômico desastre, foi o autor do mais duro, o mais disruptivo, o mais contundente discurso em prejuízo do próprio governo que representa – e como representa bem!
Mas não quero falar do governo interino em exercício – permito-me o singelo acréscimo. O melhor é deixá-lo falar sobre si. Se a ideia é resgatar o riso, pulemos logo para o discurso do ministro… Que beleza de discurso! Que palavras mais elevadas e escorreitas! Escancarada a tampa de seu empoeirado baú vernacular, o dedo em riste, deixou escapar até um “histrionismo” e uma “estultice”… Não, meus amigos, não é verdade o que estão dizendo por aí, que o ministro da cultura teria ofendido Raduan Nassar. Aquilo foi antes um elogio! Alguém, por acaso, viu qualquer
nota ultrajada nas feições raduânicas? Nunca! O homenageado permaneceu com sua aparência – e consciência – majestosa e simples, sequer dignou-se, enquanto o outro bufava, a dirigir o mais vago olhar para o estulto histrião.
Contudo, não é possível deixar de notar o traço surrealista do episódio, a exposição de toda a deformidade dos tempos atuais: um ministro de estado, um ministro da cultura, reduz um dos maiores artistas brasileiros à condição de “adversário”. Dou um doce para quem adivinhar que tipo de regime político considera o artista como adversário… Segundo o ministro, o discurso de Raduan Nassar teria escapado à safra do “bom exemplo”, o que lhe causou perplexidade, e concluiu: “Ele nos desrespeitou a todos!”.
Faminto, mas de sapiência sabida, Raduan Nassar chegou, plantou e colheu. “Deves mastigar bem!”, disse ao insaciável ministro. Ato contínuo, serviu-se do cálice que lhe era oferecido e, com paciência, essa grande virtude, entornou o vinho invisível. O ministro, ao contrário, queria beber mais e mais. Bebia o vinho trazido de adegas subterrâneas e o distribuía aos presentes como se fosse um vinho real. O resultado não poderia ser outro. Terminou o ministro, ele próprio, embriagado, a fala embargada pelo veneno da mentira contida na invisibilidade do vinho. Atacou o homenageado, afrontou o público, acanalhou o prêmio, avacalhou o ministério que, diga-se de passagem, ele próprio quis extinguir há poucos meses. Mas isso não vem ao caso…
O fundamental é que o prêmio recebido por Raduan Nassar não foi o galardão, nem menos ainda o valor pecuniário – de títulos e pecúnia, Raduan distribui latifúndios de porteira fechada. O grande prêmio – e um prêmio assim é difícil de recusar – foi obrigar o ministro a exibir sua bebedeira em plena tribuna, enquanto o trôpego governo segue com as pernas trançadas.
O mais são urdiduras do imediato.
O Coice
Coluna semanal sobre questões relativas à literatura, políticas culturais e sociedade civil.
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