Categories: PONTOS DE VISTA

Esperar o quê? Esperar pra quê?


Há um Pedro Pedreiro em mim. Lembro como se fosse hoje, não faz tanto tempo. Vivíamos em estado de euforia. Sensação de que as coisas iriam realmente mudar. Ancinav debaixo do braço, Rede Globo na mira, majors em perigo. Não faz muito. Vinha mudança da Lei Rouanet, Sistema Nacional de Cultura, Conferências, Plano, Câmaras Setoriais, Pontos de Cultura, uma verdadeira revolução encabeçada por Gilberto Gil. “Alguma coisa mais que linda que o mundo, maior do que mar…” 

Não sei de fato o que aconteceu com o furacão Gil. Já não queria mais ser ministro e artista, já no final da primeira gestão. Aprontou um forrobodó, levantou a poeira que estávamos precisando. Disse-nos que podíamos seguir em frente. Mas, de repente, o ar se rarefez pelos lados da cultura. Também pudera: a tarefa de substituir Gilberto Gil não é assim tão fácil. “Mas pra que sonhar se dá o desespero de esperar demais”

Ficamos atônitos, sem palavra, sem gesto. E o MinC sem gestão, sem capacidade de articulação. De ressaca, acumulada desde o vazamento do projeto da Ancinav que, coincidência ou não, circulou junto com a proposta de cerceamento de certas liberdades de imprensa, conquistadas nos anos pós-ditadura. Aquela coisa tão importante, espinha dorsal da Política Gil, virou pó. Hoje é tabu, palavra proibida. Causa arrepios e calafrios. Acumula-se a tantas outras decepções na sala de espera do governo Lula.

O governo prometeu rediscuti-lo, mas a coisa foi esfriando, esfriando. E nós esperando.
Esperei muito tempo por um Sistema Nacional de Cultura que saísse do papel, mas já estou mais conformado, cortando um fuminho de corda na varanda.

Esperei a Lei Rouanet, que viria depois do Seminário “Cultura para todos”, quem se lembra? Esperava de fato a mudança, ela viria no final de 2003, no máximo em março de 2004. Marcaram data, comitiva de frente, estardalhaço, comemoração. Um banquinho, um violão. Quando tocávamos no assunto, assovio bossa-nova.

Depois veio a segunda gestão, a promessa do Mais Cultura, “a primeira política cultural do Brasil”, segundo Lula. R$ 4,7 bilhões. No segundo ano do programa, não vimos mais do que R$ 200 e poucos milhões, re-alocados de outros programas, sobretudo do Cultura Viva, que já nem sei mais se existe ou se foi incorporado pelo Mais Cultura.

Mais Cultura é um anti-programa. Não tem cheiro, nem cor, nem graça, tampouco personalidade. Não sabe de onde veio nem pra onde vai. Um placebo. Tem embalagem, marketing, verba, mas sem efeito algum. Pior do que isso, se alimenta de coisas úteis e inovadoras e as transforma em pontos de interrogação. Tenho alertado aqui o que o Mais Cultura vem fazendo com o Cultura Viva, que perdeu totalmente sua personalidade e suas características conceituais, para virar pílulas de manutenção de um aventureiro no poder.

Tá bom, então vamos esperar o orçamento, um fundo público, autônomo, democrático, gerido pela sociedade. Em vez disso corte de 78%. Que tal uma rede? Boa idéia, uma rede de gente esperando. Enquanto revezamos nosso descanso, nessa coisa entre o susto e a apatia, podemos fazer alguma coisa. E não é que a rede está realmente aumentando.

E tem de tudo nessa rede. Tem artista, produtor, ponto de cultura, de leitura, de memória (é ponto que não acaba mais), tem intelectual, tem gente de comissão de frente e de bastidor. Tem funcionário do MinC. Aliás, como tem funcionário do MinC esperando o trem passar. Eles sabem, aliás, que mais cedo ou mais tarde vem coisa melhor a ocupar a cadeira, a mesa e o ar-condicionado. Isso eles sabem como ninguém.

Tem de tudo ali: perseguidos, na geladeira, na frigideira, rebaixados, realocados, repatriados, desembestados. Tem uns esperando, outros, cansados de esperar, pedem para sair. E ficam esperando em outro lugar.

Talvez juntem-se a nós aqui no mercado, na sociedade, nos movimentos, nos casarios, nos becos, nas pontes. Tem a turma do acarajé, do pão-de-queijo, da maniçoba e até da erva-mate. Tem gente do PT, PCdoB, PMDB e até do PV. É P que não acaba mais.

E talvez se cansem de esperar. Talvez queiram algo mais. E enquanto esperam, vão se mexendo, movimentando.

Vou logo deixar esse dedo-de-prosa que o trem vem chegando. Mas antes de descansar, não esqueça de assinar a petição por menos impostos para a cultura, pois a “esperança aflita, bendida, infinita” não pode perder para o medo.

Até o fechamento deste texto já somos quase 2 mil cansados de esperar. Assine, divulgue, que o trem já vem, que já vem, que já vem…

Leonardo Brant

Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

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  • Pois é, agora só desabafamos a nossa descrença em que qualquer coisa boa virá desse MinC. O que parecia bom, o que começou a ser implantado, ficou no caminho. Bateu de frente com o velho Brasil-que-tem-dono e perdeu a força de resposta com o Brasil que parecia ser novo mas repetiu o velho, sem reação. O Governo Lula acabou, O Ministério de Cultura e seu do-in antropológico e seu projeto de Pontos de Cultura e Mais Cultura e Cultura Viva ACABOU!! O Rei, nú, está também morto. Eu pergunto: quem neste país faria agora um "Fica, Juca"? O Boal? Acho que nem o Boal. Quem?

    Que futuro queremos? Pois o presente nos foi roubado, não creio que ainda estejamos jogando o jogo. O juiz está comprado, já envenenaram nosso time ainda no vestiário, a torcida deles nos joga garrafas em pleno campo sem que sua polícia esboce qualquer reação.

    Que tal se as próximas discussões passarem a ser sobre o próximo periodo governamental?

  • Leonardo,
    Eu tambem lembro disso tudo, continuei a esperar hoje estou descrente, neste governo está cada um por si, tentando sair dele com status melhor do que entrou. Muito triste.

  • Esperando,esperando,esperando....enquanto isso vou cantando "Meu facão Guarani quebrou na ponta quebrou no meio, eu falei pra morena que o trem ta feio, oi ia".
    Esperando, esperando e "Oh oh corre bicho corre povo passa ponte passa poste passa pasto passa boi passa boiada passa galho de ingazeira debruçada no riacho que vontade de chorar ...."
    Café com pão Café com pão Café sem pão Café sem pão.
    Esperando esperando emperrando emperrando..
    A esperança vem da música de Minas.."sonhos não envelhecem".. continuo querendo produzir cultura.

  • Só me fez bem este artigo. É um belo saque este no balcão do `negócio`da Cultura Brasileira. Eu,também,tou cansado de esperar o `Trem`.Pobre Pedro Pedreiro...

  • receber boletins é um saco... mas se for de vcs, é FESTA PURA!
    há muito que queria ter vindo postar uma mensagem, faço hj envergonhada pelo atraso, pois elogios devem ser feits eloquentemente e sempre.

    grata!
    por tudo!

    cultura na veia e natureza no coração!
    beijos
    *

  • Trabalho há 12 anos com leis de incentivo. Sempre trabalhei na esperança de que a Lei iria melhorar, mas está cada vez mais difícil seguir otimista! Percebi que os Pontos de Cultura foram utilizados em muitas cidades apenas para servir de base eleitoral para políticos, basta levantar quantos responsáveis foram eleitos nas últimas eleições! Tinha a impressão de que quando JF fosse Ministro teríamos um grande avanço na Lei!!! Fala-se em mudança na lei, mas percebo mais uma situação onde como dizem os jovens "ele tá causando" mais nada! Quando suas propostas se dizem democraticas, fico mais arrepiado, pois imagine se os recursos ficarem por conta do MINC, ai meus amigos, somente os suditos do Rei terão seus projetos realizados.
    Ponto de Cultura, Mais Cultura, n culturas, e as coisas não andam...

  • sempre achei o Minc lento em suas ações mas hoje eu digo que achor os programas do Minc lento é bobagem na verdade eles existem somente no papel.

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