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Eu vi o filme do Lula

Depois do período de ressaca de 2009, quando fiquei desligado do mundo, olhando para o mar, as estrelas, a chuva, lendo e relendo o excelente “Cultura da Convergência”, de Henry Jenquins, e revendo o “Decálogo”, de Krzysztof Kieślowski, fui finalmente assistir ao filme “Lula, o filho do Brasil”, num Cinemark perto de casa. A sala estava vazia.

Sai do cinema triste e cabisbaixo. O filme significava muito pra mim. Além de retratar a história do maior e mais legítimo líder político brasileiro, e um das vozes de maior credibilidade no mundo atual, estava diante de uma peça de propaganda política que ajudará a alavancar a candidatura de sua sucessora. Mas “Lula, o filho do Brasil” é muito mais que isso.

É o filme brasileiro mais caro da história, foi realizado Luis Carlos Barreto, em parceira com a Globo Filmes, que dispensam comentários. Foi bancado sem leis de incentivo (só Deus sabe como o Barretão arrecadou esse dinheiro. Eu conheço alguns mortais que sabem como foi, mas Deus , ou o Diabo, os impede de falar!) e prometia uma carreira internacional, que duvido que se concretize.

Sempre que falamos de Lula, e sua imagem pública mitificada, as expectativas são ampliadas. Fui com lenço no bolso, pois sabia que iria chorar como uma criança. Mas o filme do Barreto não arrancou uma lágrima sequer (sou quase tão chorão quanto o Lula retratado por Fabio Barreto), tampouco uma risada. Esperava sair dali indignado com a realidade social brasileira, mas só sai decepcionado com os realizadores de um filme de roteiro fraco e mal dirigido. A única boa surpresa do filme é o ator Rui Ricardo Dias, que convenceu no papel principal.

O que não convenceu foi o Lula construído pelos Barreto. Um líder por acaso, sem ideologia, sonhador, fraco e covarde. O ingênuo torneiro mecânico larga a mulher grávida à beira da morte num hospital de quinta categoria, sem lutar por ela. Dominado pela mãe, o personagem principal parece desconhecer as realidades em que está envolvido, uma espécie de Forest Gump tupiniquim, que está sempre no lugar certo no momento exato.

Parece muito o Lulinha paz e amor arquitetado por Duda Mendonça e João Santana. Lula não é comunista, diz que patrão não é inimigo. Baseia sua luta nos cânones religiosos e na família brasileira. A história do retirante nordestino que vence na cidade grande não convence cinematograficamente como na vida real. Eu esperava no mínimo alguma referência estética do cinema novo ou mesmo do recém-falecido Anselmo Duarte, mas o que vi foi um arremedo de “Dois Filhos de Francisco”, uma novelinha de quinta categoria. Imaginei como teria sido Lula retratado por Marcelo Gomes, diretor do excelente “Cinema Aspirinas e Urubus”, este sim um filho legítimo do Cinema Novo.

A bilheteria reflete o desapontamento com “Lula, o Filho do Brasil”. Lançado dia 1 de janeiro em 324 salas (mais do que muitos blockbusters como Sherlock Homes, por exemplo), o filme levou até agora 472,9 mil pessoas aos cinemas do país, somando R$ 4,7 milhões de renda.

O número é baixo, considerando a campanha, o investimento e mobilização da mídia em torno do filme. Para se ter uma comparação, “Alvim e os Esquilos 2”, que teve um lançamento similar, vendeu, somente no final de semana de estreia, 640 mil ingressos. “Se Eu Fosse Você 2”, o campeão nacional de 2009, atraiu 560 mil e “Lula” atraiu apenas 193 mil.

Leonardo Brant

Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

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  • Desculpe o comentário do comentário, mas qual é o sentido disto? Depois de 20 anos de "retomada", mais um filme que não agrada...qual a novidade? O filme mais caro...e daí? Uma miséria comparado aos milhões da cena internacional, os Avatares da vida, esses sim, medonhas porcarias indispensáveis à mesa...o filme do Lula? E daí? A quem ele se destina? A que imaginário? Aos leitores de Kieslovsquis?...claro que não...é muito provinciano ficar atolado na mesquinharia cotidiana...vamos em frente!
    O filme do Lula, feito pelo filho do Barretão ( que todos torcemos que se recupere logo) só interessa a quem? Ficamos irradiando o veneno porque? Que questão política tão significante isso pode conter senão nossa teimosia em reiterá-la?
    Não tem a mais remota importância o tal do filme do Barretão, episódio comercial legítimo e quer se inscreve no âmbito da produção comercial nacional. Aqui mais do que nunca, o filme é mil vezes melhor que qualquer Avatar desses...digo isso sem tê-lo visto e sem o interesse em vê-lo...a menos que isso se torne uma questão incontornável nacional, o que seria, convenhamos, ridículo...no mínimo.
    O Brasil é imenso, ficar de picuinha com governo...isso já era. Ficar do contra já era! Definitivamente! Vamos adiante...não vá ao cinema ver porcaria, leia um livro ( enquanto não acabarem também...já pensamos o que fazer com sua versão digitalizada?), ouça um disco...???...vire-se para o outro lado, há um imenso vazio.

  • Oi Gil, adorei Avatar. Recomendo! Assista em 3D, que é melhor ainda. Aliás, recomendo também a crítica que o Newton Cannito escreveu sobre ele aqui no Cultura e Mercado (ver destaques).

    Eu gosto de cinema. E gosto do Lula. Mas não gostei do que fizeram com ele, com a história dele. Tem muito fazedor de imagem por trás do Lula, que é só um cara do povo, representante genuíno do melhor e do pior do Brasil.

    E gosto de escrever, criticar, comentar, dialogar, contrapor ideias. Assim como ninguém me obrigou a ver o Lula, não obrigo ninguém a ler o que escrevo, não precisa gostar nem concordar.

  • O filme o Lula é uma bobagem sem tamanho.
    Na metade do filme, a pessoa já dormiu.

    E comparar um filme com a premissa de realidade, com um sabidamente de ficção cientéfica é - no mínimo - tolo.

    Ainda mais sem ter visto...

  • oi sandra, eu preferia não personalizar mas seu comentário me impõe uma correção im- portante. Nos anais das grandes frases do Brasil, uma delas tocou fundo minha geração: "o pior filme nacional é melhor do que o melhor filme estrangeiro"... é evidente que esse radicalismo estava inserido num momento histórico de luta radical no país, mas apesar de tudo é de uma beleza intrínseca irresistível. Na verdade entre nós, o nacionalismo sempre foi muito combatido ideologicamente sobretudo por sua utilização em manifestações fascistóides que oportunisticamente se aproveitam do tema. No entanto a gente observa que os países desenvolvidos no mundo são os mais nacionalistas, os que preservam suas culturas de maneiras muitas vezes ufanistas e que lutam pela economia da cultura com muita sabedoria. Entre nós isso sempre foi difícil e as vezes nos entusiasmamos por frases como essas que lembrei.
    Não comparei alhos com bugalhos, filmes são filmes. Independente do conteúdo, que sem ver no caso do filme do Lula, e depois de ter visto, em 3D, no caso do Avatar, fiz referência ao objetivo mercadológico de ambos, independente repito, do conteúdo. Não gosto do que vi e não me interesso pelo que não vi, como disse no meu comentário. Mas como objeto de mercado me parece legítimo que ambos disputem a bilheteria e eu torço pelo que não vi independente do conteúdo, repito novamente.
    Em português legítimo: se é pra arrebentar a boca, o filme do Lula que é nosso, tem minha torcida contra o Avatar, que é uma porcaria empurrada pela goela do mundo inteiro...achei uma bomba, detestei e saí no meio. Fui porque minha filha quis ir ( ela também não gostou, e eu adorei). Ficção eu gosto do Blade Runner...mas e daí?
    Tolo?...pois é...esse é o comentário mais terrível de se ouvir de uma mulher, no entanto, é o mais verdadeiro. Somos todos uns tolos...

  • Caríssimo Leonardo,
    Sou leitora assídua de seus textos e gostaria de parabenizá-lo pela resposta educada, gentil e cheia de conteúdo que você deu para o comentário (infeliz) do caro leitor Gil Lopes.

  • Tolo...infeliz...e por aí vamos...é uma maneira de abordar a questão, sem dúvida. Eu não vi o filme, sou tolo. Eu prefiro o filme que não vi ao outro, que vi em 3D, Avatar. Comentário infeliz. Um de um lado, outro do outro lado, quem fica com quem...onde está a tolice? E o que é a felicidade?
    E agora então que AVATAR ganhou o Globo de Ouro, de lá...agora então ...que Avatar é capa de jornal...ahhh...e o filme do Lula é um fracasso de bilheteria, não ajuda a eleger sua candidata, é o filme mais caro da história do Brasil...agora então...onde estará a tolice? E a tal da felicidade?
    E tem o Oscar!...nossa...o filme do Lula nem sabe o que é Oscar, e Avatar...bem...deve ganhar né?...
    eu acho que devo ir novamente ao cinema revê-lo com outros olhos...com 3D ou sem 3D? talvez a dor de cabeça tenha sido o mal uso dos óculos para ver o filme...filme com óculos ( ...lembro a frase do colega, esparrela modernista...ahahah...aqui evidentemente não se aplica)...que felicidade, que felicidade...

  • Prezados,

    Fiquei muito contente com o nível da discussão aqui, voltarei sempre!

    É justo o sucesso de bilheteria do Avatar e o fracasso de bilheteria do pretencioso "Lula, o filho do Brasil", esta tinha nada que ser lançado às vésperas da eleição presidencial e com o "Lulinha nosso filhão", ainda na ativa.

    Felizmente, não surtiu o efeito esperado. O pessoal que vai ao cinema não quis saber do Lula e adotou o Avatar. Avatar, o filho do Brasil!

  • Compartilhei a publicação sobre o filme do Lula com meu pai, que fez comentários interessantes. Seguem abaixo:
    1- Sobre a frase "o pior... nacional é melhor do que o melhor estrageiro", se transportada para a música, valeria dizer que qualquer pagode, ou breganejo, por ruim que seja, é melhor do que qualquer Mozart ou Beethoven;
    2- Parece que nós, o povo, a ninguenzada, estamos obrigados a gostar de fimes nacionais. Jabor disse na sua coluna da CBN que o fracasso de bilheria do "Lula" se deve aos "reacionários", da mídia, etc;
    3- A história de Luís Inácio da Silva é igual a de milhões de nordestinos pobres. Todos já vimos "esse filme" em diversos e bons filmes nacionais e também na literatura.Claro, nenhum chegou a Presidente da República. Mas também nenhum teve um Zé Dirceu para construí-lo.Quanto a sua ascensão política, trata-se de história recente amplamente coberta pela imprensa quando de suas quatro candidaturas presidenciais. Cinema brasileiro bonito é "Chuvas de Verão" de Cacá Diegues. Vocês aí, assistiram?
    4- De histórias de superação a novela das nove está cheia.

  • oi Thais...muito bacana vc compartilhar com seu pai. A frase que eu citei, como já disse, fazia parte de um contexto radical da época. De certa maneira ela sugere que para vc ter um Mozart ou um Beethovem é preciso criar as condições para que artistas geniais como eles apareçam. É preciso acreditar também que o surgimento de um artista especial se dá um contexto especial também. Um mecenas que banque as horas de estudos, instrumentos capacitados para reproduzir bem, platéia informada e culta para entender e perceber a genialidade, poder e economia para reproduzir essa informação e torná-la globalizada...enfim...o sucesso é o resultado de um esforço coletivo Thaís.
    A frase sugere também um ponto de vista de Poder, é política, poderia ser substituída pelo "Fora Yanques" que se viam nas paredes da época. Ela faz parte de um contexto.
    Mas o melhor da frase é que ela nos faz pensar sobre ela...repercurte e a gente não se livra mais dela.
    No mundo desenvolvido nem é preciso proferir uma frase dessas, o sujeito já nasce com ela na cabeça nos troncos e nos membros. Na Inglaterra, na França, nos EUA, na Alemanha, no Japão por exemplo, essa frase está tatuada na cabeça de cada cidadão...já percebeu?

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