Redução drástica de recursos para a Lei Mendonça traz de volta discussão sobre os rumos das leis de incentivo, e a espinhosa conciliação entre interesses público e privado.
Os recursos para a Lei Mendonça, segundo relatório divulgado pela Prefeitura de São Paulo, tiveram redução acentuada nos últimos três anos. De R$ 36 milhões em 2003, para R$ 4,7 milhões em 2006, ou seja, queda de 87%. A informação acirrou os ânimos do setor cultural trazendo de volta a antiga discussão sobre os rumos das leis de incentivo, e a espinhosa conciliação entre os interesses público e privado, debate que se forja na encruzilhada complexa em que mercado e cultura se encontram, ou se chocam.
O imbróglio da vez ganha ares de arena. Os pólos distintos que dividem a cena posicionam-se para o embate: classe artística e poder público. Para o secretário-executivo da Associação dos Produtores Teatrais do Estado de São Paulo [Apetesp], o dramaturgo e produtor Paulo Pélico, a redução de incentivo fiscal é parte de um conjunto de ações da Secretaria Municipal da Cultura, que trará mais problemas do que soluções ao setor.
“Ao invés de discutir publicamente, o secretario Calil, age de forma arbitrária, promovendo cortes e criando mais obstáculos burocráticos”. Pélico afirma ainda que “diversos projetos foram indeferidos de forma autoritária, com base no julgamento do que a secretaria considerou relevante ou irrelevante para a cidade”.
Na outra ponta, o secretário municipal da Cultura Carlos Augusto Calil, defende uma postura menos ‘liberalizante’ em relação aos incentivos e cita exemplos negativos de utilização da lei. “Encontramos várias distorções financiadas com incentivo, empresas financiando seus próprios institutos culturais, shows em hotéis de luxo e boates a preços proibitivos, temporadas teatrais em outras cidades”. Calil ressalta que “não existe mercado cultural, o que há é apropriação de recursos públicos com fins privados”.
Pélico, no entanto, vê no posicionamento do secretário uma “postura arrogante e autoritária” que pode asfixiar a produção cultural. “Em 17 anos de Lei Mendonça, certamente encontraremos projetos desonestos que conseguiram driblar os mecanismos de aprovação e controle, mas isso não anula os milhares de projetos bons e honestos realizados neste período, nem pode servir de justificativa para subutilizar a lei”.
Falta à atual gestão da secretaria de cultura, na opinião de Pélico, uma busca real por soluções para a produção artística e cultural da cidade, algo que poderia ocorrer por meio de editais e programas de fomento, segundo ele, escassos atualmente. “Parecem mais empenhados no cumprimento dos contingenciamentos de recursos impostos pela área de finanças”, acusa.
“Os governantes parecem não perceber a contribuição que arte e cultura trazem para a sociedade”, afirma Rodolfo Garcia, diretor do grupo de teatro Satyros. “Trata-se de um impasse político”. Ele argumenta que, se a classe artística não se mobilizar em torno de uma pressão sobre o poder público, a tendência é de que a verba destinada à cultura seja desviada para outras atividades.
Os esquecidos
O dramaturgo e escritor Plínio Marcos [1935-1999], considerado um dos nomes mais importantes da dramaturgia brasileira foi um opositor ferrenho das leis de incentivo à cultura. Costumava dizer em entrevistas que “a arte na mão dos poderosos constrange mais do que as armas”. Vasquez faz parte do bloco crítico. “Por meio do incentivo fiscal, o governo deixa de definir políticas culturais e transfere para o departamento de marketing das empresas a decisão sobre o que deve ser feito”.
Ele reclama que os critérios de aprovação dos projetos atendem diretamente aos artistas da grande indústria cultural, por isso o desinteresse por mudanças. Enquanto a situação permanece cômoda para alguns, manifestações culturais genuínas permanecem a reboque. “Conheci um trabalho maravilhoso feito em uma pequena comunidade do interior que resgata o fandango [baile popular rural], que jamais vai ter acesso a esse tipo de recurso, por outro lado um global pode negociar seu projeto sem sequer justificá-lo estética ou socialmente”.
Mas quais seriam as alternativas para que as atividades artísticas e culturais adquiram autonomia? Rodolfo Vasquez conta que no caso do Satyros, a busca permanente pela independência levou o grupo a encontrar novos caminhos de produção e de relação com o público. “O teatro nunca interagiu tanto com a cidade de São Paulo como agora. Pequenos espaços alternativos pipocam em cada esquina”. Vasquez acrescenta que, apesar do número elevado de apresentações, geralmente mais de vinte espetáculos por semana, um total aproximado de 50 sessões, o grupo nunca cancelou um espetáculo por falta de público. Tudo isso sem atores globais, sem anúncios imensos em jornais ou patrocínios das leis de incentivo.
Carlos Minuano