Nem quero discutir sobre a pertinência ou não do Governo Federal produzir cultura. Isso é coisa que, a meu ver, deveria ser proibido por constituição e (des)recomendado pela Unesco. Considerava essa questão, aliás, ponto fundamental do que costumo denominar “Política Gil”. Mas não é sobre isso que quero conversar. Quero voltar à Lei Rouanet…
Fiz uma busca no Projeto Pixinguinha. Aliás, faça você mesmo. Vá ao site do MinC e digite “Projeto Pixinguinha 2007” no campo destinado a busca de Projetos Culturais. O Pronac é 0610200. Você vai ver que o projeto não é da Funarte, mas sim de uma organização da sociedade civil, denominada Associação Cultural da Funarte, que captou R$ 4 milhões da Petrobras.
São inúmeros projetos aprovados pela Associação, que vão de compra de equipamentos à recuperação de acervos, passando pelos prêmios de dança, teatro e circo. Tudo com o dinheiro da Lei Rouanet e patrocínio público-privado.
O que mais me causou estranhamento é a classificação do projeto Pixinguinha no artigo 18. Qualquer músico popular que busque a aprovação de seu projeto junto à Lei Rouanet fatalmente ganhará o carimbo do artigo 26, classificação que o coloca no balaio dos não-patrocináveis pela prática do mercado, como o próprio Juca costuma ressaltar. Isso porque o artigo 18 dá o benefício de 100% de desconto do imposto de renda, enquanto o 26 concede de 30% a 40%.
Outra questão recorrente nos processos da Associação Funarte é a agilidade e a aprovação integral dos projetos de interesse do MinC. Todo produtor sabe que a Funarte vem realizando operação tartaruga para aprovar projetos, pedindo autorização de gente morta, declarações de compromisso e toda sorte de impecilhos com o objetivo único de minar as forças de artistas e produtores que mantém qualquer relação de dependência com a Lei Rouanet. E corte orçamentos sem qualquer critério. Como será que o projeto Pixinguinha conseguiu aprovar uma planilha com valores de passagens, traslado, cachês e tudo o que envolve uma produção, se não tem ainda os nomes dos beneficiários do “edital”? E ainda sem corte algum? Outra regalia dedicada apenas à própria Associação.
Recentemente o Ministério abriu uma queda de braço com João Sayad, o secretário de cultura do Estado de São Paulo, por acusá-lo de utilizar Lei Rouanet para projetos governamentais por via das OSs (Organizações Sociais). O problema é que a proposta das OSs, que também merece uma melhor discussão por parte do setor, é transparente e tem uma gestão compartilhada e de relativa independência em relação ao Governo. E a Associação Funarte? Quem dirige esta organização? Que tipo de influência o Estado tem sobre ela? Quem publica suas contas? Ninguém sabe (se alguém souber, por favor compartilhe essas informações com os leitores de Cultura e Mercado).
Mais grave ainda é o fato de ser a própria Funarte a organização que avalia os projetos dos seus concorrentes de mercado. É flagrante a sua imparcialidade, pois oferece a si mesma melhores condições de captação de recursos do que os demais artistas, fadados ao artigo 26 e sem acesso ao patrocínio da Petrobras, agora monopolizado aos interesses político-governamentais.
Acompanhe aqui o chamado edital.
E a íntegra do release divulgado pela Funarte semana passada:
Funarte lança Projeto Pixinguinha 2008 com novo formato
A edição 2008 do Projeto Pixinguinha traz inovações para um dos mais importantes programas de circulação de música popular do país. Até a última edição, a Funarte selecionava os artistas participantes e centralizava a produção de todos os shows. Agora, dois músicos ou grupos de cada estado brasileiro serão contemplados com um prêmio de R$ 90 mil, para produzir seus próprios espetáculos e gravar um CD. As inscrições estão abertas até 3 de outubro de 2008.
O edital do PROJETO PIXINGUINHA 2008 – PRÊMIO PRODUÇÃO permite a inscrição de compositores, intérpretes, instrumentistas e grupos que atuem em todos os gêneros da música popular brasileira. Os contemplados terão seis meses para produzir um CD e apresentar espetáculos em pelo menos três municípios de seu estado. Em mais uma iniciativa inédita, a Funarte vai promover oficinas de capacitação para os participantes, ministradas por especialistas nas diversas etapas de desenvolvimento dos projetos, de forma a contribuir para a profissionalização do setor. O investimento total da Funarte no projeto é de R$ 5 milhões.
Segundo o diretor de Música da Funarte, Pedro Müller, com o novo formato, a instituição pretende não somente fomentar a produção artística, mas também estimular toda a cadeia produtiva da música. “No ano passado, a edição comemorativa de 30 anos do Projeto fechou um ciclo e agora estamos iniciando outro. Artistas, produtores, técnicos e demais profissionais da área podem produzir seus próprios trabalhos, em todo o território nacional. Ao conferir mais autonomia ao artista, o Pixinguinha se adapta às novas formas de produção de música no Brasil”, define.
Os interessados devem enviar à Funarte, por correio, o projeto acompanhado de currículo e ficha de inscrição, até 3 de outubro de 2008. Na proposta deve constar um CD com no mínimo três gravações inéditas do artista ou grupo. As inscrições aptas a concorrer serão julgadas por cinco comissões – uma em cada região brasileira – formadas por três membros de notório saber em música popular. Os principais critérios de avaliação são a qualidade, a originalidade e a contribuição para o desenvolvimento artístico e estético da música popular no país.
O PROJETO – Muitos artistas que hoje integram o primeiro time da música brasileira, como Djavan, Zé Ramalho e Adriana Calcanhotto, começaram a ganhar projeção nacional a partir de suas participações no Projeto Pixinguinha, desde que o programa foi criado, em 1977. Cartola e Elizeth Cardoso são alguns dos artistas que, já consagrados, também subiram ao palco do Projeto. Interrompido em 1998, o Pixinguinha foi retomado em 2004, com patrocínio da Petrobras, reunindo até o ano passado um público aproximado de 250 mil pessoas.
HOMENAGEM – Para muitos críticos, Pixinguinha é um nome-chave da música brasileira. À frente do grupo Os Oito Batutas, foi o protagonista do cenário musical brasileiro no início do século 20, período em que o samba se tornou um dos símbolos da identidade nacional. Alfredo da Rocha Vianna Filho foi também um dos primeiros artistas a levar o samba e o choro às platéias européias.
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Prezados, fiquei realmente impressionado... incrivel como as coisas são feitas nesse país e principalmente nesse setor. Quando que nós conseguiremos nos organizar frente as falcatruas que não param de surgir na cultura é uma das perguntas que me faço. Uma das resposta é não deixar as coisas passarem em branco. Fui no site do minc e vi também que há uma serie de projetos apresentados pela associação. Em uma rápida busca na internet, encontrei o site do canal virtual da funarte (www.canalvirtual.org), onde na guia "Quem Somos", no final da página encontramos a ficha técnica da Associação Cultural da Funarte, tendo como presidente Orlando Miranda e Equipe técnica: Marcia Eltz, Priscila Marques, Glaucia Viellas, Leila Cury, José Carlos Santos de Oliveira.
Um Abraço a todos!
Ora se não é a velho truque da "associação de amigos", que se generalizou pelo país como o jeitinho brasileiro para driblar a carência de orçamento, com o amparo das leis de incentivo. Não é exclusividade da FUNARTE, nem do Minc, mas condenável sem dúvida.
Em 2005, a Câmara Setorial de Música, reunida exatamente na FUNARTE do Rio para debater o tema "financiamento", aprovou com resistência do governo uma moção para que este se abstivesse de usar ao menos o Fundo Nacional de Cultura para manutenção de seus prédios.
Recentemente, quando da revisão do Plano Nacional de Cultura pelo CNPC, como relator apresentei a mesma proposta, que depois de torpedeada pelo já então Ministro Interino, foi rejeitada.
Há uma outra conseqüência, menos evidente, que é a influência da Petrobrás dentro do MinC. Torna-se perceptível, por exemplo, quando um projeto patrocinado pela estatal recebe uma distinção conferida pelo MinC. Como o Prêmio Cultura Viva, por exemplo, "casualmente" patrocinado... pela Petrobrás.
Na verdade é isso que está na raiz de toda esse ruidoso movimentação em torno da Lei Rouanet, ou seja, a busca da centralização dos poderes sobre os recursos movimentdos por este mecanismo (algo em torno de R$ 1, 200 bilhões). Esqueçam discursos como distribuição regional eqüitativa, democratização das verbas, etc.
Para atingir estas metas o MinC sempre dispôs de várias alternativas eficientes que nunca foram implementadas em mais de 5 anos de trabalho.
Mal comparando, estes recursos incentivados correm por debaixo da reforma chapa -branca da Lei Rouanet como o petróleo iraquiano no sub-solo do Golfo enquanto as tropas norte-americanas se movimentam em nome dos melhores princípios. Cada país tem o Bushinho que merece.
Se somarmos este artigo com o seguinte, no qual Juca Ferreira se remete a Lei Rouanet como um instrumento perverso, concluímos então que estamos vivendo a perversidade da perversidade. A Funarte, para cumprir seu papel, compete com a classe artística .... e o pior, a classe artística diante a falta de opção, torna-se obrigatoriamente conivente. Desespero!
Tudo isso gera um cansaço, da vida, de tudo.... Mas como o barco tem que seguir em frente, seguimos na maratona incansável para enquadrarmos nosso projetos em todos os editais, damos uma roupagem mais social aqui, focamos na eduação ali e de 100, 120 projetos... se aprovarmos 1, estamos no lucro.