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Gestão Integrada na Cultura

A rede é o diagrama da nossa época. (Antonio Negri)

O aumento da complexidade social e econômica observada nesse despertar de novo século traz consigo uma exigência e uma oportunidade. A exigência é de uma avaliação e atuação mais orientada para a integração e complementariedade entre elementos de interesse e influência de entes e agentes. Quanto à oportunidade, podemos apreender o grande potencial que essa maior dinamicidade agrega ao valor da atuação em rede. Esses dois elementos coordenados projetam uma importante discussão dentro do campo da gestão integrada: governança e cooperação.

No cenário cultural, essa discussão apresenta suas especificidades e, dessa forma, deve-se estruturar considerações e modelos próprios a essa realidade. O campo de estudo de ação que pode ser compreendido sob a égide de cultura se coloca em um ambiente de constante desequilíbrio. Uma das ilustrações desse processo é o desnível da apropriação social dos componentes identitário, simbólico e econômico da cultura.

Outro elemento marcante desse cenário é a conformação de parcerias público-privadas ainda desestruturadas e insustentáveis, em formato de políticas ou ações. Um terceiro conteúdo sintomático desse ambiente é a baixa convergência de interesses políticos e econômicos em prol da cultura, sendo ainda diagnosticada como uma pasta social em desenvolvimento.

Com o quadro pintado, precisamos apontar alguns desdobramentos para a aplicação da gestão integrada em cultura. Antes, entretanto, temos de entender o significado de gestão integrada, que na verdade se estrutura em torno de duas facetas de motivação principais: uma de ordem técnico-econômica e outra de base político-social. Esta refere-se à conscientização da sociedade (em seus três setores) do caráter transversal da cultura, exortada do espaço restritamente artístico e projetada para a interface com questões como saúde, economia, meio ambiente, entre outros.

Em relação à primeira faceta, devemos salientar que, em grande parte por consequência do outro bloco apresentado, surge entidades e processos de convergência entre temáticas inicialmente entendidas dentro de compartimentos herméticos. Dentre esses novos elementos, observamos desde certificaçõesii, que orientam e pautam essa nova sinergia, a novos fluxos criativos, produtivos e de consumo, que acoplam e materializam a integração de diferentes frentes temáticas.

E como poderíamos entender essa atmosfera na atual conjuntura do processo cultural brasileiro? E como poderíamos aplicar essa realidade a um modelo de gestão?

Inicialmente faz-se válido destacar que a desarmonia apontada anteriormente legou historicamente a esse espaço político e social uma característica de low politicsiii, evidenciando a carência e delicadeza dos caminhos de governança dentro dos processos de gestão integrada de cultura. Outro elemento partícipe é a falta de regulamentação no setor público-privado em políticas culturaisiv, legando à estrutura institucional desse espaço fraqueza e instabilidade.

Para iniciarmos a construção de um modelo sustentável para a gestão integrada da cultura, inserido no cenário atual, faz-se necessário que retomemos e discutamos dois eixos de interface na política cultural (pública ou privada), a governança e a cooperação.

Em relação ao primeiro eixo, deve-se salientar que a desarmonia salientada anteriormente influencia diretamente na dificuldade de estabelecermos canais horizontais de diálogo e de comando. Dessa forma, a governança dentro de uma institucionalidade cultural deve ser pautada sobre dois alicerces principais. O primeiro destes é a pactuação formal, ou seja, uma estrutura descrita de cunho regimental que arquitete e projete a cadeia de ação e decisão de uma determinada política cultural. Em segundo, por fim, o alinhamento de expectativas, que vai aportar à pactuação formal seu conteúdo social e sua estabilidade de implantação.

Cultura da Competência, Cultura da Confiança e Cultura da Tecnologia de Informação. Esses três conteúdos, elencados sobre o status de culturas, são considerados os principais espaços de arquitetura de políticas de cooperação, inicialmente concebida para a estruturação de clusters empresariais em tecnologia da informação. Outro importante referencial para entendermos esse ambiente, principalmente mas não exclusivamente o de esfera internacional, são os cinco objetivos elencados para a cooperação cultural, são eles: Contribuir para o enriquecimento da vida cultural; (ii) Desenvolver as relações pacíficas entre os povos; (iii) Contribuir com os princípios da Declaração das Nações Unidas; (iv) Difundir o conhecimento sobre as diferentesculturas; e (vi) Aumentar o nível material e espiritual do homemvi.

Tendo navegado nos dois pontos principais da presente temática, governança e cooperação, faz-se necessário realizar algumas pontes principais de diálogos entre eles.

Um primeiro grande ponto é que o processo de cooperação precisa ser nutrido de elementos de confiança, como expresso anteriormente, o que lega à governança um papel muito central na execução dos processos de gestão integrada em cultura. Outro importante processo de articulação entre esses dois pontos é o implemento do modo de operação da própria rede, que necessitará de uma arquitetura de governança interna estruturada, por mais que deva ser um processo orgânico e descentralizado. Por fim, redes de cooperação, sejam elas de práticas, conhecimento, ou tarefas, necessitam, por sua própria natureza, de suporte de entidades periféricas à rede, o que por sua vez requer a articulação de uma “governança externa”, sincronizada à interna.

O escopo de gestão integrada em políticas culturais precisa, dessa forma, de uma alinhamento formal e prático entre conceitos e processos de governança e cooperação. Dessa forma, o planejamento e execução de modelos de gestão integrada dentro de um ambiente de natureza cultural apresenta grandes barreiras e potencialidades. Acima disso, entretanto, como apontado inicialmente, há simplesmente uma exigência contextual para que a políticas da área possam ser efetivas, dentro de uma realidade mais complexa de interesses e objetivos.

Bibliografia Principal:
COELHO NETTO, A. J. T. Dicionário Critico de Politica Cultural. São Paulo: Iluminuras, 1997.
OLAVE, Maria Elena. Redes de Cooperação Produtiva: uma estratégia de competitividade e sobrevivência para pequenas e médias empresas, 2001.
NEGRI, T. Cinco lições sobre império, 2003.
RUBIM, Antonio Albino Canelas. Políticas e Redes de Intercâmbio e Cooperação em Cultura no Âmbito Ibero-Americano, 2005.
SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço, 2008.

i Categorização erguida pelo governo federal com base no entendimento de cultura desenvolvido por Darcy Ribeiro (1972), no qual ela se caracterizava por três sistemas principais: adaptativo, associativo e ideológico.
ii Dentre as certificações existentes nesse campo, podemos destacar a arquitetura integrada entre ISO 9001, ISO 14001, OSHAS 18001 e SA 8000.
iii Pastas de discussão com baixa convergência política e social para engendramento de ações efetivas dos setores público, privado e sociedade civil.
iv Dentro desse escopo de falta de regulamentação é a escassez de informações e indicadores de performance para as políticas Culturais, com ações ainda tímidas por parte do governo federal e da academia.
v Enquanto a intitulada Cultura da Competência refere-se aos conteúdos de conhecimentos, habilidades e atitudes, a Cultura da Confiança rege a leitura sobre as relações interpessoais dos agentes envolvidos na cooperação e a Cultura da Tecnologia de Informação aborda as interfaces e plataformas de conexão e troca dentro da rede estabelecida.
vi Princípios apresentados pela Declaração dos Princípios de Cooperação Cultural Internacional, em 1966

Gustavo Pereira Vidigal

Coordenador da Incubadora de Arte e Cultura do CDT/UnB

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