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Halder Gomes e a “Holiúdy” brasileira

Halder Gomes pode ser considerado um dos nomes mais internacionais do cinema brasileiro. Com um curta que faz referência à maior indústria de cinema do ocidente, ele conseguiu se aproximar de Hollywood e por lá empreendeu trabalhos como a direção do suspense “The Morgue”.

Atualmente, Gomes está focado no trabalho das produtoras Estação Luz Filmes, pioneira no segmento de produções espiritualistas e criadora de longas como “Bezerra de Menezes” e “As mães de Chico Xavier”, e ATC Filmes, responsável pela recente coprodução internacional “Área Q” com uma temática sci-fi – gênero pouco explorado pelo cinema nacional – e protagonizada pelo ator norte-americano Isaiah Washingon, da série Grey’s Anatomy.

Nesta entrevista concedida ao Cultura e Mercado, Halder Gomes fala sobre a tarefa de fazer um cinema diferente do que o Brasil está acostumado e as especificidades entre os mercados audiovisuais daqui e de lá. Confira:

Cultura e MercadoComo você chegou até o trabalho em Hollywood?
Halder Gomes
– Por uma das graças do destino, devido ao meu curta “Cine Holiúdy – O Astista Contra o Caba do Mal”, filme que resgata as histórias do cineminhas mambembes no interior do Ceará, na década de 70. O Gerson Sanginitto, amigo e parceiro em vários projetos, brasileiro, radicado em Los Angeles, tinha acabado de abrir sua produtora e estava de olho em possíveis diretores para um filme da empresa. O “Cine Holiúdy” chamou sua atenção e ele me fez o convite para dirigir “The Morgue”, um suspense sobrenatural que foi lançado nos EUA pela Lionsgate Films.

CeMQue diferenças percebeu entre o mercado para cinema de lá e daqui?
HG
– O mercado americano é bem mais segmentado do que o nosso e o número de salas de cinema tem uma proporção mais adequada ao tamanho da população (aproximadamente 33 mil salas para 240 milhões de habitantes nos EUA versus 2,4 mil para cerca de 200 milhões de habitantes no Brasil). Isto proporciona negociações mais justas entre produtores e exibidores e um circuito maior para os filmes independentes e alternativos.

Outra grande diferença é que a pirataria encontra o poder da lei por lá, ao contrário do Brasil, onde os produtores vêem seus esforços irem para o bolso de criminosos. Esta discrepância no mercado nacional deixa a produção nacional totalmente dependente dos recursos incentivados e sempre buscando espaço entre as “brechas” dos lançamentos dos blockbusters, que não raramente, ocupam 50% das nossas salas com um filme apenas.

O crescimento do nosso mercado passa pela interiorização. As pequenas cidades são carentes de entretenimentos culturais e de qualidade. No Brasil, quase 80% da população nunca foi ao cinema. Este números revelam o mercado latente e o principal escoamento para a produção nacional encontrar seu público. Felizmente a Ancine (Agência Nacional do Cinema) já iniciou programas de incentivos a salas em cidades de até 100 mil habitantes. Com o tempo, acredito, reverteremos este quadro.

CeMQual é a área de atuação da Estação da Luz no mercado cinematográfico? E a ATC?
HG
– A Estação Luz Filmes atua no segmento (criado por ela) de filmes espiritualistas e de mensagens de paz e esperança. É um trabalho muito nobre e que tem ganho espaço no circuito nacional (“Bezerra de Menezes”, “As mães de Chico Xavier”) e escrevendo novas páginas na nossa cinematografia a cada projeto. A ATC Entretenimentos é uma produtora bem menor, voltada para projetos mais variados, com foco nas temáticas cearenses (“Loucos de Futebol”, “Cine Holliúdy”) e co-produções internacionais (“Area Q”).

CeMNos últimos anos parece ter aumentado a participação de profissionais brasileiros na indústria de cinema norte-americana, tanto em número quanto em relevância. Você identifica esse crescimento? A que atribui?
HG
– Na verdade tem brasileiros em todas as áreas do cinema americano. Conheço vários, de dublês à diretores. Percebo, sim, este crescimento. Acredito que após a crise americana, aquele olhar de auto-suficiência deu vez ao olhar para outros horizontes. A crise também levou muitas produções americanas buscarem coproduções para comporem seus orçamentos corroídos pela descapitalização. Isto implica em contrapartidas e a inserção de novos talentos no mercado americano. E o Brasil tem sido uma grande vitrine.

CeMOs atores e diretores talvez sejam o lado mais perceptível para o público desta inserção brasileira em Hollywood, mas o país também está se destacando nas áreas técnicas. Sempre houve essa demanda por profissionais brasileiros no exterior?
HG
– Nunca existiu tanto como nos dias de hoje. O Brasil é um país que é visto de outra forma atualmente. A auto-estima e os investimentos aumentaram e o país deu grandes saltos na qualidade técnica e artística nos seus filmes. Estes resultados acabam chegando aos olhos de fora através de premiações em festivais, em circuitos de exibições, etc. Como a produção aumentou, a qualidade acompanhou. Hoje nosso filmes não devem nada tecnicamente às produções internacionais, mas continuamos a ser “exóticos” (no bom sentido) e a curiosidade por nós e nossas ideias só tem aumentado.

CeM Existiram mudanças no mercado nacional que facilitaram essa exportação de mão-de-obra brasileira?
HG
– Não em relação as mudanças no mercado. Na verdade nosso mercado tem absorvido toda mão-de-obra que temos e esta demanda tende a aumentar. O que aconteceu é que muitos estão sendo extremamente assediados por outros mercados que, muitas vezes, podem pagar melhor. Mas é uma mão-de-obra, na sua maior parte, volátil, que retorna ao fim de cada projeto.

CeMQue dificuldades estas empresas/profissionais enfrentam para se inserir no contexto de Hollywood?
HG
– As barreiras culturais/profissionais de negócios sempre são as primeiras dificuldades. Temos uma produção quase totalmente incentivada por renúncias fiscais. Isto cria uma forma de pensar e trabalhar com mais liberdade criativa e autoral. Em Hollywood todos os investimentos são privados e a pressão é muito maior. Além dos filmes serem, em sua grande maioria, dos produtores. Se adaptar a esta diferença é um grande desafio.

CeMEssa aproximação entre produtores nacionais e a indústria americana tem reflexos nas produções brasileiras?
HG – Sim. A troca de experiências profissionais representam um grande salto na nossa qualidade técnica, principalmente em alguns gêneros que eles são impecáveis, como ação, sci-fi, por exemplo. Coproduções normalmente estão associadas a intercâmbios profissionais. Isto abre a possibilidade de nossos profissionais terem acesso a equipamentos e conhecimentos que ainda não dispomos aqui. Além, claro, dos conhecimentos dos mercados internacionais, em que cada país tem suas particularidades.

Raul Perez

Jornalista, foi repórter do Cultura e Mercado de 2011 a 2013. Atualmente é assessor de comunicação da SPCine.

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