A questão da “identidade nacional” é um tema constante em diversos debates, acadêmicos ou não. Sua utilização está quase sempre relacionada com o fator política. Basta saber um pouco mais sobre as origens da artista Carmem Miranda e sua brasilidade estampada na diversidade de frutas que adornava seu personagem. Ou mesmo nas “picaretagens” do famoso Zé Carioca, criado por Walt Disney na década de 1940, durante o período da segunda guerra mundial para estampar “identidade” do brasileiro – e que identidade! Essas entre outras fizeram com que fosse levantado o debate sobre a “verdadeira identidade nacional do Brasil”, como se isso fosse possível. Mas foi, pelo menos para alguns teóricos, artistas populares ou não (outro termo de grande dificuldade de análise), intelectuais, folcloristas, enfim, uma gama de especialistas se colocaram a debater sobre o tema.
Mesmo com o aumento crescente em torno da questão, foi em finais da década de 50 e início de 70 que o debate ganhou força. Principalmente com o aumento das discussões em torno das reformas de base, proposta em 1962, o que implicava desde a reforma agrária, passando pela educação e chegando até ao setor cultural. Esse trabalho pode ser observado em projetos como o Movimento de Cultura Popular (MCP) no Recife, durante o governo de Miguel Arraes, tendo a frente o educador Paulo Freire.
Na cultura essa discussão pode ser observada no trabalho que era realizado pelo grupo de teatro Arena, que mais tarde serviu como base para o trabalho do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes – o CPC da UNE. O trabalho realizado pela entidade buscava uma politização massificada da população com projetos sobre a identidade nacional do brasileiro, a qual deveria entendida a partir do homem do campo, das raízes brasileiras – ? Essa tentativa de forjar uma identidade nacional também encheu os festivais de musica promovidos pela Rede Record de Televisão com canções de Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano e tantos outros que conhecemos. Essa relação da identidade nacional com a música fez criar certa desarmonia naquele instante. A nova estética apresentada pelo movimento Tropicalista, assim como suas críticas em torno do nacionalismo exacerbado das produções culturais nacionais, fizeram com que o movimento surgido em meados da década de 1960 fosse hostilizado e até mesmo seu trabalho associado “com o grupo que tomou o poder em 1964”.
De acordo com Maria Rita Kehl, em seu livro “Um país fora do ar – histórias da TV brasileira em três canais”, a crescente urbanização no Brasil nas décadas de 1960 e 1970, fez surgir a necessidade da criação e formação de novos hábitos, configurada por uma espécie de “reeducação” de grande parte da população brasileira, visando sua adaptação aos padrões de comportamento e consumo que surgiam e se formavam naquele instante nas grandes cidades. Nesse sentido, a adaptação do “novo homem” ao modelo de desenvolvimento político e cultural é caracterizada através de uma perspectiva de identificação, oferecida, principalmente, “via televisão e via consumo”, pois, “é preciso educar esse novo mercado de trabalho e consumo” e assim criar novos hábitos para um “homem novo”. Para isso, a partir de 1968, além de mecanismos de repressão, o governo militar também criou diversos instrumentos para facilitar o acesso desse novo homem ao momento que surgia, ou seja, de acordo com Maria Rita Kehl, foram tomadas diversas medidas para facilitar a liberação de crédito ao consumidor, que eram apresentadas, como “medidas adotadas visando à implantação de um mercado de bens duráveis e semiduráveis, acompanhado de um desenvolvimento espantoso das técnicas de publicidade”. Nesse processo, a televisão passou a ser a “menina dos olhos” para os marqueteiros de plantão, que começaram a identificar a televisão como um mecanismo de criação de uma “aculturação de massas”, capaz de cumprir sua função de identificação brasileira geográfica e socialmente. Nesse momento, o papel assumido claramente pela televisão buscava ajustar o homem brasileiro ao modelo e ao discurso desenvolvimentista do governo militar. E para que a imagem desse discurso se fizesse mais forte, nada melhor do que levar a “realidade nacional”, mesmo que “fantasiosa e ilusionista”, às telas brasileiras, e conseqüentemente ao cotidiano televisivo, como forma de caracterizar uma identidade nacional, entretanto sem que essa “identidade” viesse a se colocar contra os planos e a política de desenvolvimento do governo militar. Como afirma a autora, esse trabalho foi assumido, principalmente, pelas telenovelas, que na década de 1970 foi uma das grandes responsáveis pela tentativa de caracterizar a imagem e a identidade do povo brasileiro. Nesse momento, as novelas começaram a oferecer ao brasileiro “desenraizado que perdeu sua identidade cultural, um espelho glamurizado, mais próximo da realidade de seu desejo do que da realidade de sua vida e por isso mesmo funcionou como elemento conformador de uma ‘nova identidade’”.
O que tentei expor em poucas linhas foi um debate sobre política e cultura e como ele se estendeu para outros órgãos sociais e governamentais. Também temos trabalhos de autores como Darcy Ribeiro, Gilberto Freire, entre outros que esboçam um histórico das origens da nação brasileira, mas não quanto a uma “identidade brasileira autêntica”.
Também em projetos de governo são constantemente encontradas referencias para o fortalecimento da identidade nacional, os quais pretendem “compreender a cultura brasileira dentro de suas peculiaridades, notadamente as que decorrem do sincretismo alcançado no Brasil a partir das fontes principais de nossa civilização” (PNC, 1975). A “identidade nacional” também está presente no programa “Cultura Viva” do governo Lula, o qual prevê, através da interação entre os “Pontos de Cultura” previsto pelo programa, trocas de experiências, assim como a definição de identidades. Assim, podemos dar início às discussões sobre a tal identidade nacional e até mesmo sua veracidade ou viabilidade.
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Olá, Cleiton: importante problemática marca sua estréia neste sítio.
O sentimento nacionalista, na modernidade, expressa anseios e esperanças reais que se fertilizam no e pelo conflito social. Assim, retomar essas e outras questões na fase de globalização do capital, quando a cultura nacional e internacionalmente se confunde com a economia, é necessidade de primeira ordem. Parabéns e bom trabalho.
Fátima Cabral
Sim Cleiton
Não há mesmo como identificar uma única identidade nacional neste Brasil tão universal, por isso, temos essa multiplicidade de cores, tons e paladares, ao contrário da rigidez ufanista européia, em sua grande maioria, e norte-americana que tem como regra número um, o ultranacionalismo que reza em primeira ordem pelo protecionismo e depois o expansionismo, bem ao estilo do futebol europeu, fecham a defesa e jogam no contra-ataque. O duro é ver que, por obra da nossa excessiva falta de critério para se construir pelo menos um mercado interno, andamos às voltas com as cópias, até no futebol, mesmo sendo os maiores campeões do mundo. Quem dita as normas das fórmulas que andam nas cabeças dos técnicos brasileiros, ainda é o futebol europeu. Da mesma forma que não temos como identificar um só conceito que nos dê identidade nacional, támbém não temos nada que nos dê sustentação ao conceito de clássico tão propalado pelo eurocentrismo e tão apreciado pelas instituições brasileiras, que ainda mandam de fraque e batuta, através de prêmios, jovens talentos estudarem, se aperfeiçoarem "tecnicamente" na Europa. Um conceito forçadamente universal, como se isso fosse possível. Esses jovens, se tivessem como prêmio, viajarem seu próprio país que tem uma extensão continental e uma fantástica diversidade cultural, poderiam produzir uma excelente linguagem autônoma com personalidade e formas absolutamente próprias como a arte livre propõe.
Temos que ter a coragem de discutir claramente como se comporta o comércio internacional e suas intermináveis formas de protecionismo, e deixarmos de fazer do Brasil a casa da mãe Joana. Reciprocidade tem que ser a palavra fundamental.
Muito interessante seu texto, esotu fazendo nesse instante uam dissertação sobre esse tema, música identidade nacional, nao sei bem por onde começar. Mas infelizmente o que sei é que o brasil é um país repleto de recursos e que nao os reconhece, é como se nos cegasse para nao vermos.
Adorei encontrar teu texto. Estou trabalhando exatamente este assunto com minhas turmas da 3ª´série do C.E. José Accioly, no Rio de Janeiro.
São três turmas de formação de professores. Se vc não se importa vou enviá-lo para elas, como fonte de consulta. Obrigada.