Pactos inspirados, realizações e processos decisórios, acordos firmados à luz do dia, este, sem dúvida, será o espírito de caldeirão na II Conferência Nacional de Cultura, que acontecerá no período de 11 a 14 de março em Brasília. Uma agenda sonhada, uma criação coletiva que vem sendo nutrida no seio da sociedade, geração após geração, numa sintonia fina que só os mistérios da alma humana podem explicar.
Quando o roceiro, recolhido o milho, deixa a “palha” em pousio por alguns anos, em obediência á rotina que lhe ensinou o pai, e a este o avô, está praticando a mais sábia das adubações. O rebrotar da capoeira e o acalmar das folhas maduras em lenta decomposição num ambiente de umidade sóbria, determina um estado de solo muito propicio á proliferação dum microorganismo dotado da preciosa faculdade de fixar o azoto da atmosfera em nódulos, com verrugas, esparsos pelas raízes das plantas. Isso sabe-se hoje, embora em prática de pousio seja imemorial na história da agricultura. Por que e como se fertiliza a terra com repouso? Competia ao laboratório decifrar o segredo – e só agora o faz. (Monteiro Lobato-Idéias de Jéca Tatu)
O NASCER DE UM POVO NOVO
Inicia-se então um novo período de ocupação institucional do território cultural, com novas forças e formas produtivas para dividir/somar socialmente o trabalho fértil que brota do melhor da nossa terra. Sim, a partir de então, teremos a nova renda tecida com a dimensão de um país continental que, nas múltiplas geografias, guardam nossos maiores tesouros, com vocações culturais em diferentes níveis de vida e processos, na maioria dos casos, desmetropolizados.
É deste contingente de trabalhadores que conviveram, até então, de modo bastante desigual, unidos por um cosmos nacionalizado de diversas fusões, que sairá a nova biografia da cultura brasileira, com uma massa de equipamentos simbólicos e éticos equivalentes às necessidades de se buscar, de fato, a participação da sociedade, e assim, florescer e multiplicar a cidadania das artes brasileiras.
Longe das inquietações e humores dos mercados, a consulta pública será, sem sombra de dúvida, a grande autoridade da Conferência. O Brasil merece, o povo brasileiro que ministrou este encontro e as vozes somadas por um sentido de unificação exigiram este grande manifesto.
As metas, os planos, as utopias e as cronologias idealizadas na II Conferência Nacional de Cultura estabeleceram um sentido novo para as políticas públicas, uma síntese regulada por novos atores da sociedade em busca de outra sensibilidade estética.
O Brasil que viveu divorciado de si durante todo o inferno especulativo nas artes sem direito a reflexão, nestes anos de chumbo do mercado ganancioso, sairá dessa conferência com uma carta brasileira positivamente identificável.
Os futuros volumes nos reservam uma produção cultural com obras completas e com a importância de um documento rico e soberano, aonde se conjugará cultura e economia num plano superior, a arte e a ciência serão aliadas em prol das forças produtivas da vida nacional. Os pensamentos dos quatro cantos do país se integrarão a esta edição, recriando a suíte norte-sul-leste-oeste.
O saber praticado pela inteligência do homem brasileiro, em seu exercício diário de sobrevivência, será o fator imperativo de maior importância estratégica. Os mais nobres ensinamentos sempre estiveram com o povo. É nessa essência produtiva que os novos conhecimentos se inspirarão. É dessa identidade que a conferência se nutrirá para formar a Nova Cultura.
DO CANECÃO AO CALDEIRÃO
Do primeiro encontro com Lula no Canecão, há oito anos, até agora, na II Conferência Nacional, os espaços e vozes da cultura brasileira se multiplicaram dentro do corpo do Estado. Isso é o que se pode ver limpidamente.
As reivindicações das duas assembléias têm em sua origem uma expressiva diferença. A atuação política dos trabalhadores da cultura, após quase oito anos do governo Lula, tem outra fisionomia e funcionalidade. Se no canecão ansiava-se por medidas provisórias em favor da produção individual já estabelecida pelos mercados, “colonial” ou de massa, agora, com a chegada da II Conferência nacional, a cultura será debatida dentro de um contexto menos frágil, baseado numa análise mais real dentro das racionalidades cotidianas na vida cultural do Brasil.
Há uma diferença marcante na nova cultura brasileira. No governo Lula o povo passou a ser o grande protagonista nas estratégias e movimentos. E esta participação é concreta, pois rompe com a política cultural de “edificação”, como ainda é sonhada pelas classes dominantes que creem que a democracia cultural, se torna mais “pura” a partir da elitização do pensamento, sobretudo se este pensamento for importado para perpetuar a domesticação da crítica e mantiver cativa a cultura brasileira.
Era perceptível que a maioria da “classe artística” que lotou o disputadíssimo encontro com Lula no Canecão, dias antes da sua primeira eleição, não queria saber de direitos, mas sim de privilégios, isso estava escrito naquela verdadeira crônica, pois ainda respiravam o autoritarismo dos ares elitistas e se colocavam como o “primeiro pelotão” de salvamento do povo com a sua autêntica fatalidade.
A HISTÓRIA, O ESPÍRITO E A SENSIBILIDADE DOS INDIVÍDUOS.
Pois bem, os métodos hoje são outros, os objetivos também, os personagens principais não são mais os que a “torre de marfim” ou a grande mídia instituíram. A interpretação geográfica da cultura brasileira teve significativa mudança a partir das rupturas dentro dessa nova arena, e o anel-de-fogo formado pelos vulcões de todas as nossas regiões, está em erupção.
Pode-se dizer que estamos num período pré-técnico, aonde não se consegue ainda transformar todas as intenções em ações concretas. Os tempos ainda são lentos dentro do novo manifesto, mas a presença humana é que exigirá um verdadeiro conjunto de gradual proposição para que a sucessão se dê a partir da sociedade e com a velocidade exigida por ela.
Definir o Brasil como um arquipélago cultural desperdiçado pela má gestão pública de governos anteriores e estabelecer uma nova chancela longe da fala privilegiada das classes dominantes foi, sem sombra de dúvida, uma revolução do governo Lula, a sucessão ministerial não se deu apenas na mesa.
O Ministério da Cultura tem hoje uma identidade com a sociedade brasileira que vai muito além de especulação política. A circulação mecanizada da cultura e a industrialização das práticas de balcão receberam um continuado combate público do atual governo.
O ambicioso projeto de reintegração cultural-territorial é ainda um embrião que precisará adaptar-se, por intermédio de novas técnicas, para operacionalizá-los geograficamente dentro de um sistema complementar que leve o meio natural ao meio técnico-científico para elaboração de uma nova obra, enxergando a evolução, pois à medida que reconhecemos nossas heranças, identificamos o papel ativo destes fatores e fica fácil combiná-los em suas potencialidades.
A segunda grande fase de produção nacional será estabelecida a partir do período que podemos chamar de pós-guerra, da luta travada entre duas sociedades que, estimuladas pelo pré-conceito de “escolhidos x renegados” pelo mercado de especulação social, não mais se enxergavam como um povo único.
A mecanização seletiva funcionava, em grosso modo, como uma ferrugem nos meios sociais, técnicos e científicos de nossas instituições culturais. Estes se achavam autorizados a determinar uma seqüência de valores rígidos à sociedade, e a fala privilegiada sempre sonegou a presença histórica do que temos de mais rico, a cultura do povo brasileiro.
Interpretar a história social de nossa cultura longe da fragilidade conceitual e mistificadora dos “caçadores do mercado de massas” ou da especulação “culta” dos “coletores de impostos” via leis de incentivos é, sem dúvida, a nossa maior vitória.
O desenvolvimento de um projeto nacional de cultura que nasce hoje na base da sociedade, se utilizará de diversos instrumentos e técnicas disponíveis e, portanto, capazes de navegar rios e mares e intervir-cultivar todas as áreas do território cultural, da pesquisa à criação. Isso significará a implantação de um novo cenário de matriz federativa e, consequentemente, a expansão de fronteiras que naturalmente comandarão os novos circuitos da nova cultura brasileira.
Podemos sim dizer que a fogueira que faz ferver a II Conferência Nacional de Cultura e a nova filosofia de idéias e conquistas que fundaram um novo estado da cultura brasileira, não foi tarefa fácil.
Reconstituir nossos sonhos e desejos, recorrer à memória sem nos perdermos no tempo, caminhar longe da idéia de peregrinação fundamentalista, manter serena e fortalecida a caminhada rumo a uma nova documentação, recorrendo ao perfume de biografia harmoniosamente singularizada pelo povo brasileiro, exigiu habilidade para lidar com confidências e sentimentos, e levar a cultura brasileira ao mérito principal.
Reunir as glórias e os desalentos dispersos, transfigurar a força e a fé na reconstituição da nossa imagem, foi uma odisséia de fusões de amizades, estimas, conselhos, advertências, e protestos. Para iluminar a resistência com paixão, ajustar a memória ao pensamento e criar novos cânticos, foi preciso seguir a seqüência lógica de nossas realidades e chegar à Conquista do Azoto.
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é lindo, vamos lá...mas não é eficaz, não atende aos interesses nacionais, digo eu, é atrasado e retrógrado. E porque? Porque nega o mercado de massas e a isenção fiscal como benefício. E pior, quando faz isso entrega de mão beijada. Em resumo, é entreguista a visão romântica, pura e muito bem escrita do nosso querido e digno companheiro.
Vamos aos jornais, vamos ver a TV, o rádio...vamos pra rua olhar o que se passa...mas que rua? As metrópoles brasileiras não contam? Só o mundo agrário de Monteiro Lobato? O Brasil ainda é agrário mas já é muitas outras coisas. Sem mistificação e olhando de frente, a luta contra o Sistema entope o cano de descarga, paralisa, interrompe, atrasa. O Brasil é um gigante e pode querer mais. Vamos Carlão!
Lindo texto. Mas um tantão romântico.
Gostaria eu de ser tão positiva quanto vc, Carlos!
Não vejo na prática, na realidade, várias das ações ou resultados citados por vc, infelizmente.
Seria simplemente maravilhoso se não fosse tão utópico.
Mas reitero que o texto é lindo e nos dá nortes, idéias, metas a serem atingidas.
Espero que em breve a gente possa realmente assinar embaixo destas suas palavras.
Carlos
Uma pintura seu artigo, é utopico sim, mas é tambem real.....
Em tempo:Sua musica é divina, parabens!